Ecos da tempestade parte 1
A caverna onde haviam enfrentado suas provações ficou para trás como um sussurro distante, engolido pelas árvores e pelas sombras. O céu, antes limpo, agora se cobria de nuvens carregadas, como se o próprio mundo soubesse que algo estava por vir. O grupo se reunia novamente, mais silencioso do que de costume, cada um ainda digerindo o peso do que viveu.
Erian foi o primeiro a quebrar o silêncio, seus olhos flamejantes se voltando para os outros.
— Conseguiram? — perguntou, a voz rouca como brasas em cinzas.
Théo soltou uma risada nervosa, passando a mão pelos cabelos bagunçados.
— Consegui... sobreviver, pelo menos — disse. — Aquela caverna quase me matou de medo, mas no final... eu enfrentei. Um urso feito de fumaça, acredita? E eu lutei. Eu!
Erit cruzou os braços, olhando para o céu.
— O meu teste foi mais interno. O fogo dentro de mim quase me consumiu. Tive que lembrar quem eu sou. Por que luto. Não sou só uma guerreira... sou chama. E sou controle também.
Nyra, mais distante, ainda calada, fitava a floresta. Suas asas escuras tremularam com o vento que começava a soprar.
— Eu vi minha antiga prisão — disse, num tom quase inaudível. — A sombra da maldição. Mas eu caminhei por ela, com a mente firme. Estou livre agora. De verdade.
Um trovão ribombou no céu, e todos instintivamente olharam para o horizonte. Ali, no vale adiante, uma muralha antiga se erguia: um templo esquecido pelos mapas e pela história. Mas não pelos sonhos. Erian o reconheceu imediatamente. Era o mesmo lugar que aparecia em seus pesadelos desde que a pedra o escolheu.
— Temos que entrar lá — murmurou ele.
— O quê? Agora? Com essa tempestade chegando? — Théo protestou. — Não seria melhor... sei lá, esperar um pouco? Fazer um lanche?
Erit deu um passo adiante, mão no cabo da espada.
— Ou enfrentamos isso juntos, ou nunca chegaremos à pedra.
Nyra colocou a mão no ombro de Théo, um gesto raro vindo dela.
— Vai ficar tudo bem. Confiamos em você.
Erian assentiu.
— Cada um de nós passou por algo grande ali dentro. Não foi à toa. Aquilo nos preparou para o que vem agora. Vamos.
A subida até o templo foi lenta, entre rochas escorregadias e relâmpagos rasgando o céu como espadas de luz. Quando chegaram ao topo, o que viram os fez congelar.
O templo estava aberto. Portas antigas, antes seladas, agora escancaradas. Como se alguém — ou algo — os estivesse esperando.
E, de dentro, uma voz os chamou.
— Herdeiro... você finalmente chegou.
Ecos da Tempestade – Parte 2
A voz ecoou pelas colunas do templo como um sussurro e um trovão ao mesmo tempo. Era masculina, profunda, e parecia vir de todos os cantos e de lugar nenhum.
Erian estacou à frente do grupo. Seu peito se apertou, não de medo, mas de um reconhecimento antigo — como se aquela voz fizesse parte dele, de um passado que nunca viveu, mas que o esperava desde sempre.
— Vocês ouviram isso, certo? — murmurou Théo, colando-se a Nyra.
— Alto e claro — respondeu Erit, os olhos estreitados. Ela já tinha a espada em mãos, as chamas dançando entre seus dedos. — Seja lá quem for, não parece amigo.
Nyra permaneceu em silêncio, mas sua sombra se adensava ao redor dos pés, pronta para proteger — ou atacar.
Erian respirou fundo e deu um passo à frente.
— Quem é você? — gritou, encarando o interior escuro do templo. — Por que me chama assim?
Do fundo da escuridão, uma figura emergiu. Não caminhava — flutuava a poucos centímetros do chão, envolta em um manto de nuvens negras e olhos que brilhavam como estrelas mortas.
— Eu sou aquele que guarda as portas entre o agora e o nunca. Aquele que carrega o fardo da linhagem que você ainda tenta negar. Sou o eco do que foi deixado para trás... e do que você pode se tornar.
Erian sentiu um frio no estômago. Aquilo não era apenas uma visão. Era uma parte dele. Uma sombra viva de seu sangue dracônico, da herança mágica que corria em suas veias. Era o reflexo do que ele seria se perdesse o controle — se se tornasse apenas poder, sem coração.
— Isso é... uma armadilha? — perguntou, a voz mais firme do que esperava.
A criatura sorriu.
— Não. É um teste. O último, antes da verdade.
O templo tremeu sob seus pés. As colunas se iluminaram com runas esquecidas, e o chão se abriu em quatro caminhos, cada um marcado com o símbolo de um dos quatro: uma estrela, uma chama, um dragão e uma asa negra.
Erit franziu o cenho.
— Separar a gente de novo?
— É necessário — respondeu a criatura. — Cada um carrega uma parte da chave. Apenas unindo seus corações no ponto mais profundo do templo, poderão despertar o selo da próxima pedra.
Nyra avançou sem hesitar.
— Então vamos. Chega de fugir de espelhos.
Théo hesitou por um segundo, mas depois a seguiu, murmurando para si mesmo:
— Coragem... não é ausência de medo. É agir apesar dele. É isso aí...
Erit encarou Erian por um instante antes de tomar seu caminho.
— Se nos perdermos, nos encontramos no centro — disse ela, o fogo em seus olhos tão real quanto o da lâmina.
Erian foi o último a entrar no seu corredor. O símbolo do dragão brilhava sob seus pés. Conforme avançava, o ar ao redor ficou pesado, carregado de memórias que ele nunca viveu — batalhas antigas, gritos de reis, o rugido de dragões morrendo. Sentia tudo aquilo na pele, como se pertencesse a ele.
Até que a voz voltou. Mais suave agora. Mais próxima.
— Você é o último herdeiro de Sareth. A chama e o gelo vivem em seu sangue. Mas o que o define... é o que você escolhe amar.
No fundo daquele corredor, algo brilhava. Algo que pulsava no mesmo ritmo de seu coração.
A pedra estava próxima.
E talvez... o destino também.