Capítulo 19 - O Herdeiro Inesperado.

Após a partida de Renard, o salão mergulhou em silêncio. Agora, restavam apenas três pessoas: Dário, Lorde Theon e Caelenna.

A visita inesperada do Lutharen havia frustrado os planos iniciais de Dário. Ele pretendia conversar com seu pai em particular e dar início ao primeiro movimento de seu plano. Ainda assim, o atraso não comprometeu sua estratégia talvez até a tenha fortalecido. Com apenas os três no salão, ele agora podia agir livremente.

Sem hesitar, ativou os Olhos do Vilão Supremo. Uma janela translúcida surgiu diante de seus olhos, revelando o perfil de seu pai.

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⟨Perfil do Alvo⟩

» Nome: Theon Vauren

» Afiliação: Patriarca da Casa Vauren

» Reino: ???

» Corpo Especial: Corpo Sombrio do Véu Noturno (Despertado)

» Sorte: 2000

» Habilidades: › Punhal Solar Vauren › Sombra Vivente › Intangibilidade Noturna › Manifestação da Escuridão › Olhos da Noite › Aura do Medo Primordial › Domínio da Noite Absoluta › Forma da Lança Silenciosa › Ritmo de Respiração Escarlate › Dez Mil Lanças na Luz do Silêncio

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A leitura foi breve, mas suficiente para deixar Dário impressionado. Embora não demonstrasse externamente, seu coração acelerou. Theon era mais poderoso do que ele supunha. Não apenas detentor de um corpo raro e temível, mas também usuário de técnicas que pareciam ultrapassar o nível comum até mesmo para um patriarca.

Apesar disso, Dário manteve o rosto calmo. Respirou fundo e se preparou para iniciar a conversa. Mas foi surpreendido.

— Dário chamou Theon, com voz grave, porém carregada de uma preocupação contida, — ouvi que se recuperou. Está realmente bem?

A pergunta tinha um tom ambíguo. Era, ao mesmo tempo, de um pai preocupado e de um líder cauteloso. Dário percebeu isso de imediato.

— Sim, pai. Estou me sentindo muito melhor.

Theon soltou um leve suspiro, mas não recuou.

— Também soube que seus meridianos foram restaurados. E que está no quarto nível do Reino Aprendiz... É verdade?

Dessa vez, havia mais peso na pergunta. Caelenna, em silêncio, observava a troca com atenção. Ela parecia tão curiosa quanto o pai.

— Sim, senhor. Mas existe uma razão para isso respondeu Dário, firme.

Theon arqueou levemente a sobrancelha, e Caelenna estreitou os olhos. O jovem continuou, mantendo o tom calmo e objetivo:

— Antes de falar sobre minha recuperação, preciso dizer algo importante. Pai... fui envenenado.

As palavras caíram como uma rocha no centro do salão. Uma súbita pressão preencheu o ambiente. O ar ficou mais denso, frio. As sombras ao redor pareceram vibrar levemente com a mudança de humor de Theon.

— Está acusando alguém de atentar contra sua vida? Tem certeza do que diz? Perguntou Theon, com a voz mergulhada em incredulidade e fúria controlada.

— Tenho. O veneno era incolor, inodoro. Lentamente corroía meu corpo, comprometendo meus órgãos e criando sintomas semelhantes a uma doença degenerativa. Eu não sabia o que acontecia... até quase morrer.

Theon franziu o cenho. Por um instante, seus olhos brilharam com uma luz escura e intensa. Ele olhou para Caelenna, como se exigisse dela uma explicação. Mas a Caelenna abaixou o olhar, culpada.

— Eu... pensei que fosse uma alegação sem fundamento, como o próprio jovem havia dito da última vez. Achei que ele estivesse tentando evitar responsabilidades...

Theon a observou por um longo momento, mas nada disse. Seu foco voltou-se imediatamente para o filho.

— Quem ousaria fazer algo assim sob o meu teto?

Dário sabia que essa era a deixa que precisava. Respirou fundo, e com uma expressão serena, respondeu:

— Eu também me perguntei isso. Mas, antes que pudesse descobrir, algo inesperado aconteceu. Quando minha morte parecia inevitável... uma energia me envolveu. Era calorosa, protetora... familiar.

Theon recuou ligeiramente, surpreso. Caelenna franziu o cenho, intrigada. Dário continuou:

— Ela me salvou. E mais do que isso, restaurou meus meridianos. Desde então, essa energia continua dentro de mim... como se fizesse parte de mim desde o início.

Theon permaneceu em silêncio, seu olhar endurecendo. Em sua mente, palavras do passado ecoaram. Ele se lembrou de Seraphina Vauren, sua esposa. Uma mulher de força incomum, que mesmo tendo perdido a sanidade no fim, jamais abandonou seu filho. Ela possuía um corpo especial... uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo.

"A Harmonia entre Luz e Trevas..."

A lembrança o atingiu como uma lâmina. Seraphina tinha um físico singular: o Corpo da Harmonia Entre Luz e Trevas. Um dom raro, mas cruel. Qualquer desequilíbrio entre as energias dentro do corpo resultava em dor extrema, colapsos físicos e mentais. Ela suportou isso por anos... até o fim.

— Dário... disse Theon, com a voz mais baixa, quase hesitante. — Você... despertou algum físico especial? Sentiu algo além dessa energia que descreveu?

Dário assentiu.

— Ainda não despertei por completo, mas... posso senti-lo. Duas energias convivem dentro de mim. Uma escura, fria, densa. E outra clara, vibrante e acolhedora.

A confirmação doeu mais do que qualquer golpe. Theon desviou o olhar, cerrando os punhos em silêncio. O destino parecia repetir-se diante de seus olhos. Seu filho carregava a mesma bênção instável. O mesmo risco. O mesmo sofrimento.

Ele desejara que Dário jamais herdasse aquilo. Que vivesse uma vida comum, mesmo que fraca. Mas agora, entendia: os céus tinham outros planos.

— Maldição... ou legado? murmurou, mais para si do que para os outros.

— Pai disse Dário, aproveitando a brecha emocional.

— Não sei o que o futuro reserva. Mas quero compreender essa força. Controlá-la. Usá-la para proteger esta família.

Theon o encarou, e por um breve momento, viu em Dário um reflexo da mulher que amara. A convicção nos olhos dele, a firmeza nas palavras... era Seraphina, reencarnada em carne e sangue.

Caelenna, em silêncio, recuou um passo, visivelmente tocada pela cena.

Por fim, Theon falou:

— Irei providenciar testes. Precisamos entender a extensão do que herdou. Se realmente possui o mesmo físico que sua mãe... então terá que ser preparado. Treinado para resistir àquilo que ela não conseguiu.

Dário assentiu. Por dentro, sorria. Seu plano começava a funcionar. Criar laços, despertar memórias, tocar feridas profundas. Tudo isso fazia parte da estratégia.

Agora, o próximo passo era conquistar de vez o respeito e a confiança de Theon.

E para isso, ele precisava se mostrar mais do que herdeiro. Precisava provar que era indispensável.

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