Capítulo 20 - O Físico Primordial da Luz e das Trevas.

O silêncio entre pai e filho foi rompido quando Lorde Theon se ergueu de sua cadeira. Sua presença era imponente, uma sombra viva envolta em autoridade. Ele caminhou até Dário em passos lentos, mas cada um deles parecia ecoar com a gravidade de um julgamento.

— Quero confirmar com meus próprios olhos. disse Theon, sua voz baixa, mas firme. — Feche os olhos e relaxe seu corpo.

Dário obedeceu sem questionar. Em seguida, sentiu a mão fria de seu pai tocar seu peito. A Energia Áurea de Theon fluiu como um rio sombrio, examinando cada ponto, cada meridiano, cada traço oculto do seu ser. Era uma leitura minuciosa, meticulosa. Dário sabia que não podia enganar um homem como ele.

Após alguns instantes, Theon retirou a mão.

— É como eu temia... murmurou. — Há dois núcleos energéticos se formando... Um de luz refinada, outro de escuridão densa. Ambos se entrelaçando em equilíbrio instável. É o mesmo padrão que ela possuía.

O nome "ela" não foi dito, mas todos sabiam a quem ele se referia.

Theon se afastou um passo e cruzou os braços.

— Seu físico ainda não despertou totalmente, mas ele já está ativo em nível latente. Isso pode ser tanto uma benção quanto uma maldição. Até o equilíbrio romper-se...

Ele não completou a frase. Não era necessário.

Dário ergueu os olhos, encarando o pai. Sabia que precisava mostrar firmeza.

— É por isso que preciso ficar mais forte... E também por isso que devo saber quem tentou me matar.

Theon assentiu em silêncio. Com um leve gesto da mão, uma distorção surgiu no ar.

Uma figura envolta em um manto negro de aparência elegante surgiu da sombra. Era uma mulher de expressão severa e olhos prateados como aço líquido. Sua presença não anunciada não era invasiva, mas inegável.

— Velkara. Theon falou sem olhar para ela. — Quero que investigue o envenenamento de Dário imediatamente. Discrição absoluta.

— À sua vontade, Lorde Theon. respondeu ela com voz fria e cortante como a lâmina de uma adaga.

Mas antes que ela pudesse desaparecer novamente nas sombras, Dário deu um passo à frente e ergueu a mão.

— Pai, espere. Esse é um assunto que quero resolver com minhas próprias mãos.

Theon franziu levemente o cenho.

— Está dizendo que vai conduzir sua própria investigação?

— Sim. Já tenho suspeitos. Não é algo que surgiu agora... Essa tentativa de assassinato está ligada à Casa Lutharen.

Dário parou por um momento, escolhendo bem as palavras.

— Mas ainda não tenho provas. A verdade é que tudo está arranjado de forma muito conveniente. Suspeito que a Casa Lutharen seja apenas o bode expiatório. Se for isso mesmo, expor a verdade exige mais do que espadas e ordens. Exige olhos atentos, escuta paciente e presença disfarçada.

Dário sabia que ainda não tinha certeza sobre suas informações ou provas, pode ser uma família grande ou algum filho do céu. Então é melhor ele mesmo lidar com isso.

Theon o observou em silêncio. Havia algo diferente em seu filho. Maturidade? Ambição? Ou um senso de dever moldado pelo fogo da tentativa de assassinato?

Finalmente, ele falou:

— Muito bem. Farei como deseja. Mas não caminhará sozinho. A partir de agora, Velkara e Caelenna serão suas guarda-costas pessoais. Uma na luz, outra na escuridão. Não haverá lacunas na sua proteção.

Velkara se ajoelhou em silêncio diante de Dário, sem protestar. Uma sombra leal.

De uma das colunas ocultas da sala, uma mulher envolta em armadura leve dourada, com olhos de tom ambarino e uma aura serena, deu um passo à frente. Seus cabelos brancos curtos refletiam a luz das tochas com suavidade.

— Caelenna, sua vanguarda na luz. Theon apresentou com um gesto. — Irá protegê-lo com a própria vida, se necessário.

— Sempre que a luz for ameaçada pela sombra, eu estarei lá para mantê-la acesa declarou Caelenna com reverência.

Theon se virou então para ela.

— Prepare o Santuário de Ressonância Áurea de Sangue e Essência. Quero uma análise completa do físico de Dário. Precisamos saber se é apenas uma variação do corpo dela... ou algo mais poderoso.

Com um leve aceno, Caelenna desapareceu em um feixe dourado.

Dário sentia o peso da decisão se acumular sobre seus ombros. Mas era um peso que ele escolhera carregar. Ele acompanhou Caelenna e Velkara até os corredores secretos da fortaleza, onde o Santuário de Ressonância aguardava.

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Horas depois, Dário se encontrava no coração do santuário.

O local era uma câmara circular, esculpida nas profundezas da pedra negra viva, cravejada com runas solares e lunares que pulsavam em cadência com o fluxo de Energia Áurea do ambiente. No centro, um altar de cristal rúnico aguardava.

— Deite-se no foco central. disse Caelenna, indicando o altar com um gesto calmo.

Velkara se posicionou na sombra da câmara, em silêncio absoluto, enquanto Caelenna tocava os painéis rúnicos com delicadeza. Um brilho dourado e púrpura se espalhou pelas linhas místicas do altar.

Ao deitar-se, Dário sentiu a energia do santuário invadir seu corpo com precisão e profundidade. Era diferente da leitura de seu pai. Essa penetrava até o âmago de sua essência, extraindo não só Energia Áurea, mas também memória biológica e fundações do espírito.

O altar pulsou. As luzes se intensificaram.

— Início da Ressonância... murmurou Caelenna.

Logo, uma série de círculos rúnicos girou ao redor do altar. No ar, imagens espectrais surgiram: dois núcleos flutuavam acima do corpo de Dário, um irradiando luz pura, o outro exalando trevas densas.

Velkara estreitou os olhos. Caelenna parou de manipular os painéis, observando com atenção crescente.

— Isso... isso não está nos padrões usuais.

— Quais são os padrões? perguntou Velkara, saindo da sombra.

Caelenna respondeu, ainda fixando o altar:

— O ritual que estamos realizando é conhecido como o Sistema de Detecção de Físicos: Ressonância Áurea. Ele identifica a qualidade corporal e espiritual do indivíduo ao provocar uma reação entre seu sangue, essência e a Energia Áurea Pura.

Ela gesticulou, ativando um painel secundário que projetou formas etéreas.

— Existem quatro classificações principais.

— Físicos Comuns: reação mínima. Uma leve oscilação dourada no sangue, e o círculo permanece estável. São corpos normais, aptos para o cultivo, mas sem nada de notável.

— Os chamados Físicos Aprimorados manifestam uma reação distinta: a Energia Áurea pulsa com colorações elementares, azul para gelo, vermelho para fogo, prateado para vento, entre outras. O círculo rúnico responde com ondulações suaves, revelando a sintonia do corpo com aspectos naturais. São incomuns, mas tendem a surgir em famílias nobres, onde o talento é lapidado por gerações.

— Físicos Especiais... Seus olhos brilharam — O círculo inteiro entra em ressonância. Formam-se símbolos únicos, sons etéreos ecoam, luzes cegam. Às vezes, surgem fenômenos físicos: chamas azuis, neve negra, correntes de sombra... A própria Energia Áurea parece se curvar a eles.

Ela hesitou por um instante.

— E então... há os Físicos Primordiais. São tão raros que muitos acreditam serem apenas mitos. Quando detectados, o espaço ao redor do círculo se deforma. A realidade parece rejeitar ou reverenciar sua presença. A Energia Áurea dança em caos e ordem, o círculo se fragmenta ou transforma. Símbolos de origem cósmica podem surgir, e até sons ou visões de mundos que não são deste tempo. É como tocar algo que precede as leis da natureza.

Velkara franziu o cenho, ouvindo com atenção.

Enquanto Caelenna falava, os dois núcleos acima de Dário começaram a se fundir. Uma espiral perfeita de luz e trevas emergiu, girando como uma estrela binária, em harmonia total.

Runas começaram a se formar espontaneamente ao redor do altar, pairando no ar. Elas brilhavam com intensidade alternada entre dourado e negro, luz e sombra em sincronia. A sala inteira vibrou não em desordem, mas em equilíbrio absoluto. Como se o próprio santuário estivesse... aceitando.

— Isso é um Físico Primordial declarou Caelenna, surpresa e reverente.

— Uma versão evoluída de um físico especial... ou talvez algo completamente novo. Um equilíbrio absoluto entre Luz e Trevas. Totalmente estável.

Velkara se aproximou, impactada.

— Nunca ouvi falar de um equilíbrio assim.

— Nem eu. A maioria dos físicos especiais tende à polarização, dominância de um lado. Aqui, não há conflito... só fusão. É como se ele fosse o ponto de origem entre os opostos.

Dário abriu os olhos. Seu corpo vibrava com um poder diferente. Mais do que força, era uma sensação de completude. Ele sentia os dois núcleos fluindo em conjunto, como se fossem dois rios alimentando o mesmo mar.

E, por um momento, compreendeu: ele não era um erro. Não era uma ameaça desequilibrada. Era uma nova possibilidade rara, talvez única.

E essa possibilidade agora tinha um nome: Físico Primordial.