Capítulo 22 - Preparação para o Despertar.

A manhã nasceu dourada sobre os domínios da família Vauren. O som das espadas nos campos de treino ecoava como uma sinfonia marcial, entrecortada pelos gritos ritmados do Esquadrão dos Assassinos Sagrados. Mas naquela manhã, havia algo diferente no ar: uma expectativa silenciosa, como se o próprio mundo contivesse o fôlego diante do que estava por vir.

Dário vestiu o traje de treinamento padrão, tecido escuro reforçado com fibras de cristal solar, ideal para resistir ao impacto da Energia Áurea. Minna o aguardava no pátio.

— Mestre Dário, bom dia. Garron já o espera no campo externo.

— Ótimo. Vamos.

Ela o acompanhou em silêncio, apenas observando. O novo Dário caminhava com uma serenidade incomum para sua idade. Havia nele uma aura calma, quase premeditada como a de um general que enxerga dez movimentos à frente.

No campo, Garron o aguardava de braços cruzados. Um guerreiro de meia-idade, corpo largo e coberto de cicatrizes, barba espessa e olhos cortantes como lâminas.

— Dormiu bem, pirralho?

— Como um lobo faminto em noite de lua cheia.

Garron sorriu, divertido.

— Ótimo. Porque hoje, começamos com dor.

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Durante a primeira hora, Garron não ensinou nada. Apenas o fez correr, rastejar, saltar e resistir ao peso de placas energéticas. Era um treinamento brutal, voltado a refinar o corpo e testar os limites de seu físico recém-desperto.

— Acha que um corpo especial faz o trabalho por você?! gritou Garron, enquanto Dário carregava um pilar de pedra nos ombros.

— Não! Ele é apenas o recipiente. A força vem do domínio, da prática... e da dor!

Dário caiu de joelhos, exausto, mas não reclamou. Ao contrário, ergueu-se, ofegante, e continuou. Havia uma fúria silenciosa em seus olhos. Um compromisso com algo maior que ele mesmo.

Após horas de exaustão, vieram os ensinamentos.

Garron o conduziu até uma formação rúnica circular. No centro, repousava uma bacia de cristal contendo Água Solar Pura e imóvel, mas pulsante.

— A Piscina do Despertar é um método ancestral. Um banho de Energia Áurea líquida e concentrada. Mas só sobrevive quem prepara corpo, mente e fluxo espiritual.

Ele lhe entregou uma folha dourada, onde runas flutuavam em espiral.

— Este é o Método de Pré-Despertar Solar. Técnica respiratória e meditativa que abre os canais do corpo para absorver a energia da piscina. Memorize. Pratique. E não morra.

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Após estudar a técnica por alguns minutos, Dário desceu até as câmaras ocultas sob o campo de treinamento, iluminadas por cristais dourados que vibravam em silêncio. Lá, encontrou um tomo antigo:

> [Trecho do Manual Arcano da Casa Vauren – Seção Selada: Ritual de Forjamento Interno]

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Técnica Sagrada: Forja Áurea da Alma e do Corpo.

Essência: Forjamento espiritual, reestruturação corporal, sincronização com físicos especiais.

Elemento Central: Energia Áurea em estado puro.

Propósito: Transformar corpo e alma em um receptáculo digno para o Despertar.

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As palavras, escritas em tinta prateada que vibrava ao toque de sua Energia Áurea, ardiam como brasas em sua mente.

> “A Forja Áurea da Alma e do Corpo não é uma técnica de poder. É um caminho. Um rito. Uma lâmina que corta a carne do passado para abrir espaço ao que está por vir.”

Trata-se de uma prática proibida e sagrada, passada entre linhagens de físicos especiais ou primordiais. Seu objetivo: purificar, temperar e alinhar corpo, alma e destino para o verdadeiro Despertar.

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Fases da Forja

1. Temperar o Corpo — “Fornalha dos Meridianos”

> “A dor não é inimiga. É sinal de que os portões estão se abrindo.”

A Energia Áurea refinada banha os meridianos, canalizada por técnicas respiratórias e compressão espiritual. A sensação é descrita como imersão em lava mística. Traços do físico começam a emergir aqui gelo, sombra, luz… ou caos.

Dário apertou os punhos. Sempre sentira frio ao meditar. Talvez o gelo estivesse dentro dele desde o início.

Objetivo: Eliminar fraquezas, reforçar os canais e preparar o corpo.

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2. Moldar a Alma — “Martelo da Essência”

> “Aquele que teme olhar para si mesmo não merece carregar um físico primordial.”

Aqui, o cultivador confronta a si mesmo, purgando traumas, medos e dúvidas com runas mentais, respiração e mantras antigos. Visões, memórias de sangue ou vidas passadas podem surgir.

Dário leu essa parte três vezes. A ideia o perturbava mas ele trilharia esse caminho até o fim.

Objetivo: Alinhar a alma à verdadeira essência do físico oculto.

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3. Selar a União — “Câmara da Ressonância Áurea”

> ‘‘ Quando o corpo para de lutar e a alma deixa de gritar… a verdade desperta.”

O estágio final é uma fusão entre corpo e alma. O físico começa a se revelar em pulsos vivos: runas, escamas, asas, olhos... A Energia Áurea se torna um segundo coração.

Objetivo: Estabilizar o corpo e preparar a alma para suportar o Despertar.

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Sinais de Sucesso:

Olhos bicolores ou transformados

Símbolos vivos: halos, asas, garras

Fenômenos naturais: neve, vento, escuridão

Energia Áurea pulsando ao redor do corpo

Riscos Advertidos:

> “A pressa é a morte disfarçada. O orgulho é um veneno silencioso.”

Instabilidade emocional pode romper meridianos ou colapsar a alma. Físicos ligados a caos ou trevas reprimidas reagem com violência. Mentiras internas levam à autodestruição.

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Dário fechou o pergaminho devagar. A luz no salão oscilou. O ar parecia entender o peso do que ele acabara de ler.

Ele havia feito sua escolha. A Forja começaria naquela mesma noite.

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Sentado em posição meditativa, Dário fechou os olhos. A respiração se tornou profunda. As runas ao redor vibraram. A Energia Áurea despertou sob seus pés.

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Nos dias seguintes, entre treinos brutais e meditação intensa, Dário passou a estudar o mundo ao seu redor. Pediu livros sobre comércio, guildas, o Fluxo Áureo e a moeda viva de Aurelthys.

Descobriu que casas nobres controlavam minas espirituais, refinando energia em esferas líquidas de valor incalculável. Elas compravam exércitos, religiões, impérios.

Em um tratado antigo, encontrou um nome: Liga Dourada de Orvandyr ligada à Casa Lutharen, controlando caravanas, veios espirituais e cristais áuricos.

Dário cerrou os punhos.

Se essa Liga teve envolvimento com meu envenenamento... terei a desculpa perfeita para derrubar seu império.”

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Dois dias se passaram. Garron o forçava até o limite. E ele agradecia por isso.

Na terceira noite, Caelenna o visitou.

— Você estará pronto em dois dias. A Piscina foi preparada. As essências celestes absorvidas. Será doloroso.

— E o risco?

— Morte. Ou loucura, se seu fluxo espiritual falhar.

— E a recompensa?

— Uma fundação capaz de superar quase todos neste continente. Seu físico é perfeito. Mas há algo mais.

Ela lhe entregou um fragmento de cristal.

— Lorde Theon ordenou que lhe desse Isso, isto foi deixado por sua mãe. Um artefato de memória. Só poderá acessá-lo após o Despertar completo.

O cristal pulsava com um calor reconfortante, quase vivo. Pela primeira vez em anos, Dário sentiu algo que julgava perdido para sempre uma emoção antiga, sufocada sob camadas de dor, silêncio e frieza. Era calor. Um calor familiar, como o eco distante de um abraço que só existia na memória... o calor de um lar que o tempo havia apagado.

Por um instante, ele hesitou, perdido naquele sentimento que já não sabia nomear. Seus olhos vacilaram, mas apenas por um segundo.

Então, murmurou, com voz firme e baixa:

— Entendido. Eu sobrevivo... e escuto.

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Na véspera do Despertar, Minna o encontrou.

— Mestre Dário... está com medo?

— Claro. Só um tolo não estaria.

Ela se sentou ao seu lado sob o céu estrelado.

— Tenho medo por você.

— Acha que vou morrer?

— Não. disse ela, sorrindo.

— Mas temo que, ao sobreviver, se torne alguém tão distante que não possa mais alcançá-lo.

Ele tocou a mão dela.

— Então fique por perto. Nem que seja para me lembrar de quem fui.

Minna corou, desviando o olhar.

— Você tem um jeito horrível com palavras, mestre...

— E ainda assim, você ficou.

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Nos dias que se seguiram, Dário se aproximou das pessoas. Até Caelenna e Velkara comentavam sobre como ele se tornava mais... humano.

Especialmente Minna. A afeição dela era sincera. E isso o confundia.

Havia algo estranho ali todos tinham expectativas, mas também se preocupavam com sua felicidade.

Em sua vida passada, não havia recebido nada além de dor.

Claro, parte do plano era se integrar. Mas agora... ele já não era mais Zai. Era Dário.

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Na alvorada do quarto dia, Dário estava diante da Piscina do Despertar.

Garron, Caelenna e Velkara o observavam. Theon surgira apenas para assentir, em silêncio.

Sem hesitar, ele entrou.

O líquido dourado subiu até seu pescoço. E então, tudo explodiu.

Gritos cortaram o ar. Cada nervo, célula e átomo foi redesenhado. O físico primordial se ativava em pleno Despertar, canalizando as energias solares mais profundas.

Runas ancestrais acenderam-se.

Imagens de sua mãe. Da infância. Da arrogância antiga...

E então, o cristal pulsou.

A voz de uma mulher preencheu sua mente, suave e firme:

— Meu pequeno Dário... Se está ouvindo isto, é porque sobreviveu ao primeiro Despertar. Eu sou Seraphina, sua mãe... e preciso lhe contar a verdade.

A luz explodiu.

E o mundo ao redor de Dário mudou...