Cinco dias haviam se passado desde o treino intenso de Dário com Caelenna. Durante esse período, ele dedicou-se ao aperfeiçoamento de seu Corpo Especial e ao refinamento de sua experiência em combate. Por vezes, também visitava a biblioteca, em busca de maneiras de aprofundar sua proficiência com as novas habilidades e compreender melhor os fluxos da Energia Áurea.
Seus esforços renderam frutos. Embora os avanços não fossem colossais, Dário conseguiu aumentar sua performance geral, dominando agora até 15% das capacidades do seu Corpo Especial.
Não era muito, mas ainda assim, era suficiente para deixá-lo motivado. Cada pequena conquista fazia parte de algo maior.
No momento, Dário encontrava-se em uma carruagem luxuosa e fortificada, puxada por três imponentes cavalos negros envoltos em chamas místicas. A cada passo, deixavam rastros incandescentes no solo, como se queimassem o próprio espaço. A velocidade com que se deslocavam era tão intensa que parecia distorcer o ar ao redor.
Dentro da carruagem, Caelenna e Minna o acompanhavam. Minna estava sentada ao seu lado, com uma pequena faca de cristal nas mãos, descascando frutas exóticas que Dário jamais viu em seu mundo anterior. Seus movimentos eram delicados, quase hipnóticos.
Caelenna, por sua vez, mantinha os olhos fechados em postura serena, de frente para Dário. Ainda assim, ele sabia que cada fibra de seu corpo estava atenta, pronta para reagir ao menor sinal de perigo.
Velkara, como de costume, permanecia em sua dimensão especial. Invisível aos olhos comuns, seguia o grupo de perto como uma força oculta, a sombra silenciosa pronta para emergir caso alguma ameaça ousasse se aproximar.
Dário e companhia logo chagaram no território da família Lutharen e próximo a uma cidade que não ficava muito longe da mesma.
A cidade à frente se chamava Ylvarin, uma joia escondida nas planícies floridas da região oeste, marcada por pontes de pedras translúcidas e torres esculpidas em âmbar vivo. Seu povo era conhecido pela hospitalidade e pelo domínio de técnicas artesanais relacionadas à Energia Áurea, principalmente a forja de artefatos vivos, itens que reagiam emocionalmente ao dono.
Dário observava a paisagem pela janela da carruagem, sentindo a brisa morna e o aroma de especiarias que já alcançava a estrada.
Era estranho pensar que aquele mundo de cores vibrantes, céu tripartido e feras colossais era seu novo lar. E, por mais que o papel de vilão estivesse gravado em seu destino, ele não se sentia um mero peão do sistema. A cada dia, moldava seu próprio caminho, mesmo que parte dele exigisse encenar um papel sombrio.
— Vamos parar aqui por hoje. disse ele em voz baixa, os olhos ainda fixos na cidade. Minna o encarou de relance, sem dizer nada, apenas assentindo e recolhendo as frutas com cuidado. Ela havia aprendido a interpretar os humores de Dário com precisão, mesmo sem palavras.
Caelenna, por sua vez, abriu os olhos e moveu levemente os dedos. Uma runa de detecção oculta desapareceu do teto da carruagem.
— Já imaginava que você escolheria essa cidade. disse ela, com um pequeno sorriso. — Ylvarin é conhecida por suas fontes de cristal. Elas fortalecem a circulação da Energia Áurea e revelam ilusões profundas na mente dos cultivadores.
— Por isso mesmo estou interessado. Preciso testar a estabilidade do meu corpo e… fazer alguns experimentos. — Dário passou a mão no peito, sentindo o pulsar sutil do Corpo Primordial. O equilíbrio entre luz e trevas se mostrou mais firme, e ele conseguia manter sua aura oculta sem esforço. Mas ainda havia muito a descobrir.
Ao descerem da carruagem, atraíram olhares. A carruagem em si chamava atenção demais, ainda mais com o brasão oculto da Casa Vauren entalhado em suas portas. Mesmo camuflado, aqueles com olhos treinados notavam o poder oculto que ela carregava.
Minna ficou próxima de Dário, ainda silenciosa, mas com os olhos atentos. Caelenna flutuava um pouco atrás, a capa prateada ondulando como névoa viva. Era uma presença difícil de ignorar.
Ylvarin era viva, quase pulsante. A energia vibrava pelas ruas como um sussurro constante nos ouvidos dos sensíveis. Ao adentrar os mercados internos, Dário foi atingido por uma explosão de cores, cheiros e murmúrios. A praça central era um anfiteatro de tendas flutuantes, suspensas por fios de cristal e reforçadas com teias de energia. O chão era pavimentado com placas de rocha azulada que cintilavam a cada passo, refletindo levemente a energia Áurea dos transeuntes.
— Aqui. disse Caelenna, apontando para uma banca adornada por correntes de prata viva.
O vendedor era um ancião curvado com olhos dourados. Sobre a mesa estavam dispostos diversos fragmentos: cristais translúcidos que pulsavam em tons róseos, azuis e púrpura.
— Estes são fragmentos Espirituais, senhor. disse o ancião, notando a presença incomum de Dário. — Eles são fragmentos das pedras espirituais são diferentes por que um contém energia espiritual Áurea e elemental e o outro absorve e canaliza intenções. Os de tom azul são ideais para fortificar técnicas defensivas. Os róseos, por outro lado, potencializam emoções e feitiços de manipulação. Já os púrpura... esses reagem à natureza do usuário. São instáveis. Perigosos, até.
Dário pegou um cristal púrpura, sentindo o calor vibrante percorrer sua pele. Seu Corpo Primordial respondeu com sutileza, absorvendo parte da energia. O cristal escureceu por um instante, depois brilhou em tons dourados e cinza.
— Interessante… murmurou. — Como são usados, exatamente?
— São fontes auxiliares para canalização. Costumam ser incrustados em armas, anéis, grimórios ou até consumidos por alquimistas para refinamento de pílulas. Cada fragmento, dependendo da pureza, vale de trinta a oitocentos relthys.
— Relthys? — Dário ergueu uma sobrancelha.
Minna respondeu, antes do ancião:
— É a moeda corrente padrão entre os impérios. Diferente dos cristais solares e espirituais, que têm valor variável, o relthys tem valor fixo, regulado pelas Casas Comerciais Maiores. Existem três níveis: Relthys de Bronze, Prata e Ouro. Acima disso, apenas títulos de crédito selados por matrizes imperiais, mas são raros.
— Hm… uma moeda confiável, então. E os cristais solares?
— Servem como reserva de energia, muito valorizados por cultivadores e rituais. Mas são difíceis de minerar e transportar com segurança. Nem todos os civis conseguem usá-los com precisão, então são menos práticos no comércio comum. Explicou Caelenna. — Já os fragmentos espirituais, como os que está vendo, têm alto valor nas regiões místicas.
Dário já havia lido sobre a moeda de cada império e também a moeda universal do continente, afinal como Caelenna disse, usar cristal solar e pedras espirituais não é muito viável, afinal o preço depende da qualidade e tamanho do cristal e pedra espiritual.
Dário vasculhou a mesa com os olhos atentos. Encontrou um cristal menor, negro como breu com pequenas fissuras prateadas. Havia algo ali. Familiar. O ancião viu o interesse e falou em voz mais baixa:
— Esse veio do abismo de Noctharys, perto da Cordilheira das Trevas. Reage melhor a energias ocultas e físicas de origem dupla. Quase ninguém ousa comprá-lo.
Dário não hesitou. Pegou o cristal, depositou uma moeda de ouro relthys sobre a mesa e virou-se.
— Vamos continuar. Ainda quero ver os artefatos.
Seguiram por ruelas internas até um pavilhão forjado sobre raízes cristalinas. Ali, mestres ferreiros canalizavam a energia viva da cidade em suas criações. Espadas cantavam no ar, arcos ganhavam formas orgânicas e armaduras se moldavam ao toque. Um ferreiro robusto com braços tatuados de runas os recebeu com um sorriso torto.
— Procuram algo funcional… ou algo que conte histórias? perguntou o ancião.
— Ambos. respondeu Dário, examinando uma adaga que pulsava em sincronia com seu pulso.
— Esta foi criada com essência de um lince astral. Rápida. Mortal. Ela não mata com o corte. Mata com a intenção.
Dário devolveu a adaga com cuidado.
— Preciso de algo que reaja à dualidade da luz e trevas. Que me acompanhe em evolução. Que aceite fusão.
O ferreiro hesitou por um instante, então apontou para um pedestal ao fundo, coberto por véus de linho dourado. Havia ali um anel de aparência simples, mas com um cristal negro e branco entrelaçado no centro.
— Esse ainda está incompleto. Foi forjado com fragmentos da Árvore de Élan. Nunca reagiu a ninguém.
Dário se aproximou. Assim que tocou o anel, uma onda sutil de energia se espalhou. O anel brilhou, os veios de luz e sombra se movendo como serpentes em harmonia. O ferreiro arregalou os olhos.
— Ele… escolheu você?
— Parece que Sim. disse Dário, sorrindo de lado.
Minna se aproximou, tocando o véu ainda ondulando.
— Este anel… carrega algo além de poder. Ele é um elo com a cidade. Talvez com um fragmento antigo.
Dário guardou o anel, decidido a estudá-lo mais tarde. Havia muito a explorar ainda, mas algo dentro dele dizia que Ylvarin já o havia marcado. E talvez ele tivesse despertado algo antigo ao entrar.
Ainda havia tempo antes de partir… mas cada segundo agora parecia ecoar mais longe do que antes.
....
Depois de fechar negócio com o ferreiro, Dário seguiu com Minna e Caelenna por uma das travessas descendentes do distrito interno. As construções se tornavam mais rústicas à medida que desciam, com casas de madeira e pedra fundidas com raízes cristalinas que surgiam do chão como artérias vivas.
O ar ali era mais quente, úmido e vibrante. Crianças brincavam com miniaturas de bestas espirituais feitas de barro, e comerciantes gritavam promoções em voz alta.
Foi no meio dessa movimentação que aconteceu.
Uma criança de aparência frágil, coberta por trapos e com um olho oculto por uma faixa velha, esbarrou com força em Dário ao virar uma esquina. Ele mal se moveu, mas ela caiu no chão com um gemido abafado, como se não fosse a primeira vez que apanhava do mundo.
— Desculpa, senhor! — disse a menina, tentando se levantar rapidamente.
Dário a observou em silêncio, notando o movimento rápido da mão da criança indo em direção à sua cintura. Um segundo depois, sua pequena mão já agarrava uma pequena bolsa de relthys e algumas pedras espirituais menores que Dário havia adquirido.
— Vai levar isso pra onde, pequena? — perguntou ele, voz baixa, sem agressividade.
A menina congelou, olhos arregalados. Caelenna já movia os dedos, pronta para paralisar o corpo da criança com um selo de contenção.
— Não. Dário ergueu a mão. — Deixa.
Minna agachou-se com delicadeza, tomando a bolsa de volta. Olhou nos olhos da menina e, sem dizer nada, estendeu um pequeno cristal rosa. A criança hesitou… então agarrou o presente e sumiu nas sombras do beco mais próximo.
— Um dia ela vai tentar algo maior comentou Caelenna, sem emoção.
— Talvez. Dário cruzou os braços, encarando o vazio. — Mas talvez alguém dê a ela um motivo para não precisar disso.
Não disse mais nada, e seguiram.
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Na ala superior da cidade, onde se erguia a Casa Lutharen, Íris terminava de se arrumar diante de um espelho de bronze encantado. A criada, uma mulher de cabelos curtos e pele morena com traços felinos, uma demi-humana da raça Rahva, ajustava a delicada fita do vestido branco com bordas douradas.
— Está nervosa, senhorita? perguntou a criada, com um sorriso contido.
— Não é nervosismo, Tanna. É… irritação contida. Íris suspirou. — Dário vai chegar em breve e ainda não sei o que ele realmente quer.
— Quer ver você, talvez? Ou provocar o senhor Caelus. Ou simplesmente causar um pouco de caos. Ele parece alguém que encontra conforto em desestabilizar estruturas.
Íris sorriu de canto, mas logo se tornou séria.
— Você o analisou bem rápido.
— É meu trabalho. Tanna estalou os dedos e um véu de perfume etéreo tomou conta do quarto. — Mas cuidado, senhorita. Há algo nele que nem mesmo os espelhos de Ylvarin conseguem refletir por completo.
Íris se olhou uma última vez. Seus olhos azuis profundos estavam serenos, mas dentro deles ardiam perguntas que o destino ainda não havia respondido.
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Não muito longe dali, nos campos de treino da Casa Lutharen, Caelus girava sua lança com precisão quase coreografada. O suor escorria por sua testa, mas seus movimentos eram firmes, com explosões rítmicas de Energia Áurea dourada a cada investida. Seus cabelos dourados pálidos quase brancos sob a luz intensa, agitavam-se com cada giro, enquanto os olhos azul-claros, salpicados por reflexos âmbar, mantinham o foco inabalável no alvo à frente. Vestia trajes de treino leves, reforçados com placas discretas, e a cada passo revelava uma postura refinada, como se cada golpe carregasse não apenas força, mas também intenção.
Três cavaleiros mais jovens o assistiam, inspirados.
— Senhor Caelus! disse um deles, ofegante. — Acha que conseguiríamos lutar contra os guerreiros do Clã Arkhad? Dizem que eles manipulam e usam venenos...
— Se tiverem medo antes mesmo de enfrentar, já perderam. A melhor defesa contra o medo é o domínio. Caelus guardou a lança e encarou o horizonte.
— Mas… tomem cuidado com o clã Arkhad. Não subestimem alguém só porque não seguem o mesmo caminho. Um vilão inteligente vale mais que cem heróis impulsivos.
— Ah, Certo. Ouvi que o Lorde Dário veio hoje ver a senhorita.
Caelus assentiu. Mais com uma expressão sombria. Ele não gostava nada de Dário, uma parte por causa da hostilidade da outra parte. E segundo por ele mesmo cobiçar Íris.
— Sim, Ele virá, tenho que me aprontar e ir para o lado da Senhorita Íris.
Nesse momento o cavaleiro disse
— hahah certo certo, Seria tão bom se o noivo da Senhorita Íris fosse o senhor Caelus.
Então outro cavaleiro disse, dando um cascudo na cabeça do outro.
— Cala a boca idiota, se isso chega ao lorde Dário você tá morto.
O cavaleiro que foi repreendido ficou resmungando.
Enquanto isso, os olhos de caelus brilharam, logo ele partiu.
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Dentro do salão nobre, o tio de Íris, Lorde Lutharen, um homem alto de cabelos grisalhos e roupas tradicionais, observava os preparativos do banquete com impaciência.
— Apressem-se! Ele vai chegar a qualquer momento. Nada pode parecer fora do lugar! Este encontro… pode decidir o rumo das relações com a Casa Vauren e com nossa Casa Lutharen. Não quero deslizes!
Servos correram, flores solares foram posicionadas e pratos com carnes raras do sul foram servidos sobre longas mesas cristalinas.
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E, finalmente, no portão principal da Casa Lutharen, a carruagem negra de Dário parou em silêncio.
Ele desceu, vestindo um traje formal escuro com linhas prateadas que imitavam galhos trêmulos sob o luar. O brasão de sua casa permanecia oculto, mas seu porte falava por si.
Minna, ao lado, observava os guardas com olhar afiado. Caelenna, a poucos passos atrás, flutuava com a leveza de um espírito antigo.
Dário ergueu os olhos para a entrada principal da mansão, onde a figura de Íris o aguardava sob o pórtico dourado.
A tensão no ar era sutil… mas real.
Ele sorriu de leve, escondendo pensamentos mais profundos. Era hora do jogo começar.