Após o combate, Dário se recolheu em silêncio. Um banho quente e demorado lavou o suor da luta e a poeira do campo. A água escorria por seus ombros enquanto ele refletia. Não sobre Caelus este já não era digno de ocupar espaço em sua mente, mas sobre os próximos passos. Agora que sua presença estava oficialmente afirmada, era hora de avançar no jogo com ousadia.
Vestindo uma túnica escura simples, porém elegante, Dário retornou ao quarto provisório oferecido pela Casa Lutharen. Assim que fechou a porta atrás de si, o sistema reagiu imediatamente com uma série de notificações em letras douradas.
> [Missão Oculta Concluída: Humilhe um Filho do Céu publicamente]
Recompensas:
› +1200 Pontos de Vitória (PV)
› +5 chances de sortear no gacha do sistema
› +100 de Sorte para o anfitrião
› Habilidade adquirida: Aura do Vilão – Nível 1
Nota: A “Aura do Vilão” permite ao usuário escapar da aurélia de sorte de um Filho do Céu, tornando-se imune à influência direta de sua sorte. Em níveis avançados, essa proteção pode se estender a aliados próximos.
Dário analisou as recompensas. Sabia que havia derrotado Caelus por tê-lo surpreendido. Um Filho do Céu ser vencido por alguém mais fraco era inadmissível, um verdadeiro absurdo. Afinal, esses "filhos do céu" são como protagonistas em suas próprias histórias, com o céu como roteirista teimoso. Se quisesse vencer o destino, precisaria se tornar ainda mais forte.
“Cem pontos de sorte... E essa habilidade...”, murmurou.
Com a “Aura do Vilão”, Dário teria uma chance justa contra outros Filhos do Céu. Sua sorte, anteriormente em -1000, agora estava em -900. Ainda é ruim, mas um avanço. Sem hesitar, deslizou até o ícone da habilidade e a ativou.
No instante em que fez isso, algo em seu redor mudou. Sua presença tornou-se mais refinada, elegante e... ameaçadora. Como se a própria realidade hesitasse diante dele.
Curioso, navegou para outra aba do sistema a loja, uma função que ainda não havia explorado.
[Loja do Sistema]
› Espada de Ferro Áureal – PV: (10.000)
› Cristal Elemental do Fogo – PV: (15.500)
› Fruta Amaldiçoada – PV: (7.500)
› Elixir do Despertar – PV: (35.000)
...
Intrigado, clicou no ícone de categorias. A loja se reorganizou como um marketplace moderno, com seções claras e descrições. Passou alguns minutos explorando até encontrar a categoria de Habilidades:
[Habilidades]
› Círculo de Fogo – PV (20.000)
› Muralha de Terra – PV (20.000)
› Dragão da Água – PV (25.000)
› Manifestação Elemental (7 Elementos) – PV (35.000)
› Flash de Luz Sagrada – PV (15.000)
› Corrosão do Abismo – PV (22.000)
› Regeneração Elétrica – PV (30.000)
...
Dário sentiu como se levasse uma facada. Tudo era extremamente caro. Pensou consigo mesmo: Esse sistema daria um excelente golpista...
Fechou as janelas do sistema, quando ouviu uma batida suave na porta.
Toc, toc.
— Entre. Disse Dário, sem se mover.
Minna surgiu. Estava impecável, como sempre.
— Jovem mestre, está pronto?
Dário apenas assentiu, vestindo em seguida um sobretudo escuro com o símbolo da Casa Vauren discretamente bordado na manga. Claro, Minna e Caelenna o acompanhariam. Decidiu sair para caminhar pela cidade, precisava sentir o pulso do povo, observar as reações às recentes movimentações da Casa Lutharen. E, mais importante, colher impressões antes de partir.
...
A cidade estava agitada, vendedores gritavam ofertas, aprendizes corriam entre bancas e músicos de rua tocavam flautas de madeira e tambores de pele de fera. Era dia de feira, e Ylvarin fervilhava com a aproximação do Festival Lunar.
Em meio ao burburinho, Dário ouviu fragmentos de uma conversa entre dois homens próximos a uma tenda que vendia armas espirituais. Um deles segurava uma adaga com núcleo de cristal pulsante, enquanto o outro empilhava pequenas bolsas de couro cheias de pedras espirituais.
— Vai mesmo tentar a sorte lá dentro? perguntou o primeiro, desconfiado.
— Claro! O mundo menor só abre uma vez a cada trinta anos, e dizem que um legado antigo repousa lá dentro... tesouros, técnicas perdidas, talvez até um artefato de época Épica! respondeu o outro, com os olhos brilhando. — Se eu não tentar agora, vou morrer como um velho qualquer...
Dário arqueou a sobrancelha e se virou para Caelenna.
— Que mundo menor é esse de que estão falando?
Caelenna manteve os olhos à frente enquanto caminhava, mas respondeu:
— Durante o Festival Lunar, uma fenda dimensional se abre na região sagrada de Vel’Ryn, na parte leste da cidade de Ylvarin. É um espaço independente, criado há séculos por um imperador Marcial que desejava deixar um legado para as gerações futuras. A cada trinta anos, a entrada se estabiliza por sete dias.
— E qualquer um pode entrar?
— Apenas cultivadores abaixo do Reino Mestre Marcial. A fenda reconhece o nível de poder e rejeita os mais fortes. Foi feita para testar jovens promissores... ou para destruí-los, dependendo de como você vê isso.
Dário sorriu de lado.
— Um campo de caça para talentos ocultos... interessante.
Voltaram a caminhar, mas antes que pudessem sair do mercado, um som cortou a multidão.
Dário se aproximou com passos leves. Um guarda de armadura azul-aço empurrava alguém contra a parede de pedra. Era a mesma garota ruiva, magricela, com um dos olhos coberto por uma faixa. Estava cheia de hematomas.
— Vadiazinha insolente! De novo rondando o mercado? Quantas vezes vou ter que te ensinar?
O punho ergueu-se. Mas antes que descesse, Dário falou:
— Já chega.
A voz não foi alta, mas carregava algo mais forte que volume: autoridade.
O guarda se virou, irritado.
— E quem você pensa que é? Está protegendo ladras agora?
Dário ergueu a manga, revelando o símbolo da Casa Vauren.
— Se quiser bater em alguém, comece por mim. Mas, se tocar nela outra vez, terá problemas maiores do que uma criança faminta.
O guarda hesitou, recuando. Murmurou:
— Não vale a pena... idiota da elite...
No mesmo instante, Dário fez um leve gesto com a mão. Um som agudo rasgou o ar, o guarda foi arremessado contra a parede, cuspindo dentes e sangue ao cair. Estava pálido. Mesmo sendo um guerreiro marcial, a diferença entre ele e Dário, com seu Corpo Primordial era abismal.
Dário se aproximou. O guarda tremia.
— Se eu te vir de novo... você morre. E se eu ouvir que levantou a mão contra outra criança como ela... eu vou te torturar até a morte.
O guarda tentou manter o olhar, mas logo baixou a cabeça. Os olhos de Dário estavam negros e vermelhos, sem pupilas como se o próprio abismo o fitasse.
Tremendo, o homem largou a bolsa apreendida e rastejou até desaparecer pela viela.
Dário, voltando ao normal, se voltou para a menina. Minna já cuidava de seus ferimentos, limpando-os com delicadeza.
Ele se ajoelhou diante dela. A garota respirava com dificuldade, o rosto inchado.
— Você... de novo... Murmurou.
— Qual seu nome? Perguntou Dário.
— N-não tenho... só me chamam de “Cinza”.
Dário segurou seu queixo com cuidado e ativou seus Olhos do Vilão Supremo, buscando algo além do óbvio.
⟨Perfil do Alvo⟩
» Nome: Cinza? (Temporário)
» Afiliação: Nenhuma???
» Reino: Nenhum
» Corpo Especial: Físico do Abismo? (Adormecido)
» Sorte: -100??
» Habilidades: Roubo › Ocultação › Técnicas básicas com adagas
Nota: Alvo identificado como anomalia do destino. Recomenda-se eliminar ou controlar. Nível de ameaça: Divina.
Os olhos de Dário se estreitaram.
— Físico do Abismo... Sussurrou. — Então você não é só uma ladra qualquer.
Cinza tentou recuar, mas ele segurou seu ombro com firmeza, sem agressividade.
— Escute, Cinza. Sozinha, você vai morrer. Mais cedo ou mais tarde, alguém vai descobrir o que você é... e tentar te usar.
Ela o encarou com olhos úmidos.
— E você não?
Dário sorriu. Um sorriso sombrio, mas sincero.
— Eu uso pessoas, sim. Mas também as protejo... se forem minhas.
Houve um silêncio. Então ele disse, encarando-a:
— Quer sobreviver neste mundo? Venha comigo.
A garota hesitou. Mas, ao encarar o olhar firme de Dário, assentiu lentamente.
— T-tudo bem... mas não seja mal comigo...
Dário riu. Um riso seco e satisfeito.
— Tudo bem. Seja bem-vinda a bordo... Cinza.
E assim, mais uma peça se movia no tabuleiro do vilão. Uma semente do Abismo, perdida e ignorada por todos, agora sob sua proteção. Não por bondade mas porque enxergava nela um reflexo de si mesmo: um erro que o mundo queria apagar... mas que, com a chance certa, poderia se tornar a ruína dos deuses.