Capítulo 34 - Encantos, Espinhos e Espetinhos.

Dois dias depois...

A manhã nasceu dourada, atingindo os vitrais da Casa Lutharen com reflexos vivos de luz e sombra. No salão principal, a movimentação indicava que o dia do Festival Lunar finalmente havia chegado.

Dário vestia-se diante de um espelho ornamentado, ajustando uma túnica escura com detalhes prateados que lembravam constelações. O tecido era leve, fluido, feito para alguém que pretendia chamar atenção mas também se mover como uma sombra entre a multidão.

Ele ainda se lembrava da última troca de olhares com Íris, dois dias antes. Ela não disse mais nada. Nem precisava. Dário não reagiu. Continuou comendo como se nada tivesse acontecido. Mas, por um instante, seus olhos brilharam com uma intensidade silenciosa. Íris podia não saber exatamente o que sentia. Mas, para ele, uma nova peça havia surgido no tabuleiro.

E ele nunca deixava uma partida pela metade.

Minna surgiu como uma brisa refinada, vestida com um quimono prateado bordado com filetes dourados que capturavam a luz como fios solares. Seu cabelo estava preso em um coque alto, fixado com uma adaga cerimonial da Casa Vauren. Havia algo sereno e afiado nela uma beleza letal, como uma espada embainhada à espera do momento certo para agir.

— Jovem mestre, está pronto?

Dário girou lentamente ao som da voz, um sorriso preguiçoso surgindo em seus lábios.

— Com essa visão, quem não estaria? Respondeu, percorrendo Minna de cima a baixo com um olhar apreciativo. — Parece que o sol resolveu tomar forma humana hoje. Se eu cair no chão, saberá que foi por excesso de beleza ao amanhecer.

Minna não reagiu de imediato, mas seus olhos brilharam levemente e suas orelhas coraram.

Íris apareceu logo depois, usando um vestido de corte nobre tingido em tons de vinho e preto, o tecido fluía com elegância a cada passo. Seus cabelos estavam meio presos com pequenas pedras de safira, realçando seus olhos claros.

— Uau... Disse Dário, sem pudor. — Íris, se minha missão fosse morrer hoje, ao menos saberia que fui ceifado com estilo.

— Está impossível hoje. Murmurou ela, desviando o olhar, embora as bochechas tivessem ganhado um leve tom corado.

— Sempre fui. Só estavam distraídas demais pra notar.

Pouco depois, Caelenna surgiu pelos corredores. Seu vestido era longo e formal, um traje tradicional de tons escuros e ombros marcados, adornado com o brasão da Casa Vauren. Estava bela, sem dúvida mas havia algo rígido demais em sua aparência. Uma formalidade que destoava da atmosfera leve do festival.

Dário franziu levemente a testa.

— Esperava algo mais... festivo vindo de você, Caelenna. Com todo o respeito, parece pronta para discursar numa cerimônia de luto, não para encantar nas ruas.

— Não vim para encantar. Respondeu ela secamente. — Vim para garantir que ninguém morra no caminho.

— Claro... Dário sorriu. — Mas podia fazer isso encantando ao mesmo tempo. Ser mortal e irresistível, sabe?

Antes que Caelenna respondesse, um passo leve e curioso ecoou no corredor. Nyra surgiu, a menina ladra que agora se tornara protegida da Casa. Vestia roupas simples, porém limpas e cuidadosamente escolhidas: um vestido claro com detalhes em azul, sandálias confortáveis e uma fita prendendo o cabelo escuro.

Dário a observou com atenção e assentiu, satisfeito.

— Finalmente apresentável. Se for roubar corações agora, ao menos não será por piedade.

Nyra cruzou os braços, emburrada.

— Você é chato. Mas... obrigada, eu acho.

— É um elogio. Guarde-o, são raros disse ele, piscando.

Caelus surgiu por último, impecável em sua armadura de passeio polida, adornada e claramente projetada para impressionar. Seu semblante era frio e entediado.

Dário o olhou com um sorriso enviesado.

— Ora, ora. Cavaleiro Caelus. Vai conosco? Pensei que escoltas só eram necessárias quando havia perigo. E, bem... considerando que você perdeu para alguém “mais fraco”, talvez seja melhor ficar por aqui e treinar um pouco mais?

Caelus ergueu uma sobrancelha.

— Se for para impedir que você morra antes da hora, estou disposto a fazer o sacrifício.

— Que nobre. Um verdadeiro mártir — Dário fez uma leve reverência. — Vamos, então. Que a viagem seja repleta de encontros afortunados e muita alegria.

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O grupo deixou a Casa Lutharen pouco depois, embarcando em uma carruagem encantada que os levou até os limites da cidade de Ylvarin. A região do festival estava tomada por barracas, músicos e bandeiras coloridas dançando ao vento.

Havia cheiro de especiarias doces, carne assada, melado e flores por todo lado. Crianças corriam com lanternas nas mãos, e comerciantes exaltavam suas relíquias: pedras espirituais, elixires raros, mapas da Vel’Ryn.

Dário foi o primeiro a saltar da carruagem e se perder entre as barracas. Experimentou espetinhos flamejantes que prometiam despertar o "dragão interior", comprou doces de pétalas congeladas e até fez uma dança improvisada ao som de um alaúde animado.

— Vocês precisam relaxar! gritou ele, entre mordidas e gargalhadas. — É um festival! A última alegria antes de sermos devorados por monstros em ruínas sagradas!

Íris o alcançou e tentou arrastá-lo de volta ao grupo, mas ele apenas girou ao redor dela e ofereceu uma flor azul.

— Para a mais bela guardiã do caos.

— Você está exagerando. disse ela, tentando conter o riso.

— Sempre. É assim que sobrevivem os imperfeitos.

Minna experimentava tudo com curiosidade calculada, mas Dário ainda arranjou tempo para provocá-la.

— Está se contendo, Minna? Acha que a adaga vai cortar o açúcar da sua alma?

— Estou vigiando você. Isso já exige bastante foco.

É claro que elas estavam protegendo Dário por ordem de seu paí, Lorde Theon, apesar de não demonstrar ele estava preocupado em deixar Dário sair depois de saber do envenenamento que o ocorreu. Se não fosse por Dário pedir para resolver isso ele mesmo, Lorde Theon já teria revirado a família Lutharen e todas outras de cabeça pra baixo.

Dário então olhou para o lado, Nyra devorava um doce com tanta vontade que Dário só comentou:

— Pelo menos essa vai crescer forte.

Caelenna observava tudo à distância, braços cruzados. Até que Dário se aproximou e ofereceu uma bebida de frutas.

— Vamos, general... uma gota de diversão não vai comprometer sua honra.

Ela pegou o copo sem sorrir.

— Se algo sair errado, a culpa será sua.

— Tudo bem, já estou acostumado a ser repreendido e a carregar o mundo nas costas, talvez amanhã ele pese menos. Erguendo o copo para Caelenna.

O dia passou entre sorrisos e alegria; o festival chegou ao fim, e enfim se aproximava o momento que todos ansiavam.