— Você é... Sussurrou Dário, sua voz ecoando na vastidão etérea.
A figura diante dele se ergueu com a lentidão de um eclipse, revelando-se aos poucos. Seus cabelos brancos dançavam ao redor do rosto como se obedecessem a um vento inexistente, e sua pele cintilava com nuances de luz e trevas em perfeita harmonia.
A pessoa à sua frente tinha a aparência de Seraphina, sua mãe.
— Sua mãe? Não. Talvez um espelho? Uma lembrança? Ou talvez... um Caminho?
Ao dizer isso, a figura mudou de forma, assumindo agora a aparência de Dário.
Ele, ainda cauteloso, perguntou:
— O que realmente é você? Ou melhor, qual é o objetivo deste teste?
A figura, ou seja lá o que fosse, não demonstrava hostilidade. Então Dário decidiu extrair o máximo de informações possível tanto daquele lugar quanto do misterioso Reino Sagrado Vel’Ryn, que, aparentemente, testava os forasteiros de maneiras muito mais profundas do que o esperado.
— Oh? Hihi. Calma... uma pergunta de cada vez. Disse ela, aproximando-se alguns passos com leveza.
Dário tentou espreitar por entre as palavras e intenções da entidade.
"Sabia... não era só um reino cheio de oportunidades..." Pensou.
A entidade respondeu, como se tivesse ouvido.
— Sim, não é um local apenas para oportunidades. Para ser mais exato, é um lugar para determinar quem liderará a próxima geração e herdará o legado do meu mestre: o Imperador Marcial dos Sonhos.
Dário franziu a testa. A entidade podia ler seus pensamentos. Isso não era mais apenas um teste... era uma sondagem da alma.
— Você carrega muitas emoções e sentimentos reprimidos, mas não permitiu que eles te dominassem. Tem todos os motivos para ser um vilão, e mesmo assim... há bondade em você. Ainda que não consiga expressá-la com facilidade, você compreende. As emoções de Minna. A dor de Seraphina. O silêncio de seu pai. A semelhança com Nayra, a criança ladra. E a presença silenciosa de Caelenna, que te observa e protege. Em pouco tempo, você se integrou a eles. Isso é o que chamam de... família?
Dário permaneceu em silêncio por um momento. Fechou os olhos e então respondeu:
— Você acessou todas as minhas memórias?
— Não necessariamente. Deixe-me apresentar, eu sou o Ego da Identidade. No fim... eu sou você.
— Então, qual é o objetivo deste mundo de ilusões?
— Primeiramente, parabéns. Você foi um dos poucos a passar pelo primeiro teste: a Determinação. Esse teste foi criado para separar o joio do trigo.
Dário ficou mais atento, seu olhar agora afiado.
— Hihi, você fica fofo assim. Brincou a entidade. — Respondendo sua pergunta: eu sou um Ego. Mais precisamente, o Ego da Identidade. Fui deixado aqui pelo meu antigo mestre com a missão de escolher as melhores sementes para o seu legado. E você... é uma delas.
A figura então se transformou em Minna, e continuou:
— Há muito tempo, meu mestre enfrentou um cultivador extremamente poderoso, capaz de criar ilusões mais reais do que a própria realidade. A batalha foi intensa. Meu mestre venceu, mas ficou gravemente ferido. Antes de morrer, criou este domínio como prova e proteção para as futuras gerações. Aqui, ele escondeu suas habilidades e artefatos, em respeito ao guerreiro que enfrentou.
— Agora, depois de séculos... algumas sementes finalmente floresceram. Espero que você seja uma delas.
Dário ouviu em silêncio. Já esperava que não fosse o único a passar pelos testes. Várias casas nobres enviaram jovens para o Reino Sagrado, e Caelus, o Filho do Céu estava entre eles.
O Ego então falou novamente:
— Bem, chega de conversa. Estenda sua mão.
Dário olhou para ele com vontade de fazer mais perguntas, mas sabia que o tempo era precioso. Minna e Íris ainda estavam presas nesse mundo ilusório, talvez já enfrentando outros testes. Ele precisava encontrá-las.
Sem hesitar, aproximou-se e ergueu a mão esquerda.
O Ego segurou sua mão e, no mesmo instante, uma energia percorreu seu corpo. Dário franziu a testa com o impacto.
— Não se preocupe. Esta é a recompensa por ter superado a Provação da Determinação explicou o Ego. — Uma chance de compreender parte das habilidades do poderoso cultivador que enfrentou meu mestre.
Ele então lançou um pequeno cristal a Dário. Dentro dele, pulsava uma luz tênue e viva.
— Este fragmento contém parte do mapa que leva ao legado de ambos. Cabe a você decidir: juntar-se aos outros cultivadores... ou enfrentá-los em busca das demais peças.
— Boa sorte no próximo teste.
Dário segurou o cristal. Quando ergueu os olhos, o mundo ao redor começou a ruir. A entidade desapareceu em meio à névoa, e Dário foi engolido por ela.
Depois de um tempo, abriu os olhos.
Estava escorado em uma árvore de folhas carmesim. As flores ao redor exalavam um perfume estranho, e as plantas pareciam sussurrar entre si. Era um jardim... ou mais precisamente, um labirinto.
O sistema surgiu em sua mente:
> Ding!
[Parabéns ao anfitrião por completar o primeiro teste da Zona Predatória: "A Determinação" – Ego da Identidade.]
[Próximo teste em andamento: O Labirinto da Morte.]
> Ding!
[Teste: Encontre a passagem que leva ao Salão do Legado.]
Dário respirou fundo, ajustou sua postura e começou a se mover. Precisava explorar o labirinto. Precisava encontrar Minna e Íris. E, mais do que tudo... precisava sobreviver.
Enquanto isso, em outras Zonas Predatórias do Reino Sagrado...
Nem todos tiveram a mesma sorte ou determinação de Dário. Consumidos por suas memórias, desejos e ambições, muitos enlouqueceram. Alguns chegaram ao ponto de tirar a própria vida.
Em uma dessas zonas estavam Minna, Íris, Caelus... e outros escolhidos.
---
Minna despertou lentamente, envolta por uma brisa morna e reconfortante. O solo abaixo de si era coberto por flores prateadas que pulsavam como corações vivos. O céu era uma tapeçaria de auroras dançantes, e uma melodia suave ecoava à distância como se o próprio mundo quisesse embalá-la.
Ela piscou, confusa. Estava... em casa?
Reconhecia o lugar. O céu alaranjado, as folhas caídas, o perfume adocicado no ar... Era o antigo pátio de treinos da casa Vauren, onde costumava assistir os cavaleiros duelarem. Mas havia algo de errado. As cores pareciam desbotadas, como se tudo estivesse pintado sobre uma neblina espessa.
Minna deu um passo hesitante.
— Dário...? Murmurou, ao avistar uma figura familiar ao longe.
Era ele.
Estava de costas, ajoelhado, as roupas ensanguentadas. Ao seu lado, uma espada cravada no chão. A lâmina gotejava lentamente.
Minna correu até ele, mas à medida que se aproximava, algo no ar começava a pesar. Um cheiro metálico se infiltrava em suas narinas. Quando finalmente tocou seu ombro, Dário virou o rosto.
Seus olhos estavam abertos… mas mortos.
— Por quê…? Sussurrou Dário, antes de tombar para frente, o corpo se desfazendo em pó escuro como fuligem.
Minna deu um passo trêmulo, os lábios entreabertos.
— N-não… não! Eu… eu nunca faria isso!
Mas então, outra voz se impôs atrás dela, carregada de desprezo:
— Ingrata. Você trouxe ruína à nossa linhagem. Disse ele com frieza, a voz ecoando como o toque de um sino fúnebre. — Uma aberração. Um erro. Deveríamos ter deixado você apodrecer com os bastardos dos seus pais mortos.
Minna virou-se, e ali estava Lord Theon, em sua armadura cerimonial, olhando-a como se fosse uma praga.
— Você não passa de um fardo. Foi você quem causou isso. Foi sua hesitação que o matou.
Ela tentou negar, mas sua garganta parecia seca, selada. Seus olhos começaram a lacrimejar. Tentou levar as mãos ao rosto… e congelou.
As mãos estavam cobertas de sangue. Sangue fresco, escorrendo entre os dedos. Escuro. Quente.
O mundo ao seu redor tremeu, como se estivesse preso a uma respiração sufocada. As folhas do jardim queimavam em silêncio. Os olhos de Dário agora a encaravam em todos os cantos, vazios, acusadores.
Minna caiu de joelhos, tremendo. O sangue nas mãos parecia escorrer agora por seus braços, gotejando no chão. Os ecos das palavras, da morte, da culpa... tudo girava como um turbilhão.
— Não… pare! Isso não é real!
Ela respirou fundo. E de novo. Forçando a mente a lembrar da realidade. Da entrada da Regiao Sagrada Vel'ryn. Das instruções de Dário. Dos riscos mentais.
“Isso é uma ilusão. NÃO É REAL.”
Com um grito, Minna cravou as unhas ensanguentadas no chão, forçando sua consciência a romper a névoa ilusória. Por um momento, tudo explodiu em luz Azul. O jardim virou fumaça. As vozes se diluíram em sussurros.
Mas mesmo enquanto gritava, o chão abaixo dela tremia, como se a própria culpa lhe puxasse pelos tornozelos.
“Se não é real, por que dói tanto?”
“Se não é real… por que você sente que merece?”
Ela caiu de joelhos outra vez, pressionando as mãos contra as têmporas, tentando conter o torvelinho de memórias e mentiras.
O sangue escorria de suas unhas.
E então, por um instante, tudo ficou em silêncio.
Minna respirou fundo. Um fio de lucidez se firmou em sua mente.
“Essa é a Região Sagrada Vel’Ryn. Essa é a prova.”
“Se posso ver a mentira… então posso vencê-la.”
Ela abriu os olhos. E os rostos ilusórios começaram a derreter, como máscaras de cera diante do sol.
E só restou ela.
Sozinha.
Arfando.
Tremendo.
Mas acordada.
Então, uma nova voz ecoou, grave e serena, reverberando como se viesse de dentro de seu próprio ser e ao mesmo tempo, de uma consciência milenar:
— Você resistiu à projeção mental da Zona Predatória.
— Fortitude psíquica: Aprovação concedida.
O espaço ao redor pulsou em tons de azul profundo, e uma silhueta nebulosa surgiu à frente. Era feita de fumaça e memória, com feições indefinidas e olhos como fragmentos de vidro onírico.
— Você não quebrou. Murmurou o Ego da Identidade. — Uma em mil teria despertado. Menos ainda teriam mantido o juízo.
Minna hesitou, ainda tremendo pelos horrores que testemunhara. Respirou fundo e deu um passo à frente.
— O que é essa Zona... realmente? Perguntou, com a voz baixa.
O Ego silenciou por um instante, e então respondeu:
— A centelha daquilo que foi deixado para trás. Um eco da vontade de um soberano que ousou sonhar mais alto do que os deuses. Respondeu a entidade, estendendo uma mão etérea.
Diante dela, flutuando no ar, surgiu um Fragmento um pedaço de mapa feito de tecido vítreo, onde linhas douradas se entrelaçavam como caminhos vivos.
— Este fragmento contém parte do mapa que leva ao legado do meu mestre. Cabe a você decidir: juntar-se aos outros cultivadores... ou enfrentá-los em busca das demais peças.
Um dos círculos diante dela brilhou mais intensamente, com um som como o soar de sinos distantes.
— Agora lhe darei sua recompensa por resistir sem se perder, você ganhou um salto. Um movimento para outra área dentro da Zona. Use com sabedoria.
Minna olhou para o círculo pulsante. Havia várias conexões, linhas energéticas levando a locais desconhecidos. Mas antes que pudesse falar, um grito atravessou o ar, cortando o silêncio da escuridão.
Um grito abafado... familiar.
— Íris?
Ela se virou, com os olhos arregalados.
— Há outros, não é? Perguntou ao Ego. — Os outros como eu... alguém chamado Dário está entre eles?
O Ego oscilou, como se considerasse a pergunta. Então balançou lentamente a cabeça.
— Não posso informar sobre isso. O caminho de cada um é sagrado e isolado. Mas... posso dizer que aquele nome que carrega dúvida e tempestade já caminhou por esta senda. E superou.
Minna ergueu os olhos na direção do portal que mostrava o campo distorcido onde a figura de Íris tremeluzia como uma vela prestes a apagar. Os cabelos da garota flutuavam ao vento de um mundo que parecia partido, e mesmo à distância, Minna sentia a dor. Uma solidão sufocante.
Íris. A prometida de Dário.
Mesmo que tentasse reprimir o que sentia, mesmo que o ciúme às vezes pulsasse como uma chama teimosa dentro de si... ela jamais deixaria aquela garota perecer. Não por ciúmes. Não por orgulho. Dário a protegeria, ela sabia então Minna faria o mesmo.
— Me leve até ela. Disse, firme. — Até Íris. Ela precisa de mim... e eu não vou deixá-la sozinha.
O Ego da Identidade observou em silêncio por um momento. Em seguida, ergueu a mão translúcida. O círculo à frente brilhou intensamente, envolto em chamas azul-violeta que crepitavam com poder antigo.
— Que os laços forjados no abismo floresçam como espadas.
A luz a envolveu.
E Minna desapareceu.