Steinbrück, Baronato de Alfenheim – Ano 1255 D.C. (Depois do Colapso)
Nael – 9 anos
O céu se abriu com um som que não pertencia ao mundo.
Nael Einsenhart correu para fora de casa, os pés descalços batendo no chão de pedra fria. Uma luz azul intensa cruzava o firmamento como uma lâmina flamejante, deixando um rastro que faiscava como poeira de estrela. O garoto ficou parado no meio da rua, os olhos arregalados refletindo o brilho do céu como espelhos.
Os outros moradores também saíram, mas logo voltaram a se abrigar quando o som cortante se transformou num estrondo distante — o eco de algo gigantesco colidindo contra a crosta do mundo.
— Nael! Volte aqui! — gritou a mãe da porta, segurando o xale com força contra o peito.
Mas ele não ouviu. Ou, talvez, apenas escolheu ignorar.
A trilha da montanha era íngreme, cheia de cascalhos que arranhavam suas pernas, mas ele avançava sem parar. Cada passo era mais uma batida no tambor de sua curiosidade. Quando finalmente chegou ao topo do velho platô das Rochas Negras, ofegante e sujo de terra, viu.
Um objeto oval.
Ou o que restava dele.
Metade da estrutura estava soterrada nas rochas, a outra exposta como a carapaça de um animal ferido. Era metálica, curva, com linhas suaves que brilhavam em azul e branco. Símbolos estranhos corriam pela lateral, como uma escrita viva. E mesmo coberta de fumaça e lascas de gelo, parecia... viva.
Nael se aproximou devagar, as mãos tremendo.
Quando tocou o metal — tão frio quanto neve, mas pulsando por dentro como um coração — uma luz se acendeu. Um feixe disparou em seus olhos e, num instante, o mundo se partiu.
Códigos, palavras que não existiam em nenhuma língua humana, visões de planetas e estrelas, mapas celestes e circuitos mágicos se chocaram em sua mente. Ele caiu de joelhos. Gritou. E então desmaiou.
Quando acordou, estava sozinho.
A nave sumira sem deixar vestígios. Apenas a terra revolvida e o silêncio o cercavam.
“Naquele dia, algo em mim despertou. Como se o universo tivesse me escolhido… e eu ainda não sabia por quê.”
Enquanto isso…
A centenas de léguas dali, em um mundo escondido entre folhas e neblina…
Vila Akharen – Floresta de Nahrien, Território Neutro Mágico – Ano 1255 D.C.
Sayune – 9 anos
O som das folhas era música. E Sayune dançava ao som dessa sinfonia invisível, como se fosse parte da floresta.
Com cabelos prateados esvoaçando ao vento e nove caudas felpudas acompanhando seus passos, ela saltava entre galhos, ria com as aves, e seguia rastros deixados pelo orvalho. Suas orelhas de raposa captavam cada som, cada farfalhar.
Na vila de Akharen, todos a conheciam como uma promessa — uma híbrida de humano e youkai raposa, nascida da união rara entre duas linhagens poderosas. Muitos a olhavam com reverência, outros com desconfiança.
Mas naquele dia, Sayune não se importava com julgamentos. Estava livre.
Ao atravessar o rio da névoa, viu uma criança humana sentada entre as pedras, sozinha, soluçando baixinho.
Sayune hesitou. Sentiu suas caudas se encolherem. Mas algo dentro dela — uma lembrança da mãe, talvez — a empurrou adiante. Abaixou-se e, com delicadeza, colocou uma flor azul-celeste ao lado da menina.
A garota ergueu o rosto. Seus olhos estavam vermelhos de tanto chorar. Ao ver Sayune, arregalou os olhos. Mas em vez de medo, sorriu.
Sayune sorriu também. E, naquele momento, entendeu algo que jamais esqueceria:
“Às vezes, tudo o que alguém precisa… é ser visto.”
Sete anos depois…
O mundo já não era tão gentil.
Praça pública, Vila de Steinbrück – Império de Eldravia – Ano 1262 D.C.
Nael Einsenhart – 17 anos
O céu estava cinzento, como se já chorasse pelo que viria.
Nael, agora com ombros mais largos e um olhar endurecido, vestia um casaco surrado com o brasão de sua vila bordado às pressas por sua irmã. Ele estava na fila havia três horas, junto a outros jovens que compartilhavam o mesmo silêncio nervoso.
O Reino de Harland havia declarado guerra contra o Império de Eldravia.
— Nome? — perguntou o oficial de armadura leve, com um olhar cansado.
— Nael Einsenhart. Da vila de Steinbrück.
O homem carimbou os papéis com um estalo seco. Nael entregou o colar que usava desde a infância à irmã mais velha, que chorava baixinho, mas se esforçava para parecer forte. O pai se limitou a bater a mão no ombro do filho, sem uma palavra.
Ao embarcar na carruagem de suprimentos rumo ao front, Nael não olhou para trás. Mas dentro de si, carregava o peso de quem sabia que, depois daquilo, jamais voltaria o mesmo.
“Eu não me alistei por patriotismo. Me alistei porque, talvez, no meio do caos… eu pudesse reencontrar aquele brilho do céu.”
Enquanto ele partia para a guerra, ela fugia de uma…
Ruínas de Akharen – Território Neutro Mágico – Ano 1262 D.C.
Sayune – 16 anos
O fogo levara tudo. Até mesmo o cheiro da infância.
Sayune andava entre escombros, coberta de fuligem, os olhos apagados como cinzas. Sua floresta estava morta. Os inimigos — soldados de uma nação tecnológica — haviam chegado pela noite. Queimaram, arrancaram, desintegraram.
Ela procurava... qualquer coisa. Um corpo. Um sinal de sua avó. Um vestígio do lar.
Mas só o vento lhe respondia.
Quando ouviu passos, virou-se instintivamente. Um soldado de armadura reluzente avançava. Sayune abriu suas caudas como lâminas dançantes. A magia disparou num feixe azul-fogo, atravessando o peito do inimigo.
Ela caiu de joelhos. Chorou. Não por matar. Mas porque já não sabia o que restava dela mesma.
Três dias depois, vagando sem rumo, encontrou o andarilho. Um homem silencioso, de túnica gasta, com olhos de alguém que já enterrara muitos mundos.
Ele não perguntou nada.
Apenas estendeu a mão.
Sayune hesitou. Então segurou.
“Talvez... só talvez... ainda houvesse algo que valesse a pena entender neste mundo quebrado.”