O Homem que Vistia a Manhã

O céu daquela manhã era branco demais. Branco doente.

Como se alguém tivesse apagado o azul com borracha velha.

Akira andava pelas ruas de Shizuma como um fantasma que se recusa a aceitar que morreu.

Cada passo, uma suspeita.

Cada respiração, mais cinzas escapando do seu corpo.

No bolso, o relógio antigo continuava marcando 6:06, mesmo com o sol nascendo, vivendo e morrendo ao seu redor.

Encontre o homem de chapéu branco.

A frase do bilhete martelava sua mente como um prego sendo empurrado contra os nervos.

Ele começou pela estação de trem — um lugar que, estranhamente, nunca abria nos loops.

Os trens estavam sempre parados. Portas fechadas. Nenhum som de movimento.

Mas naquela manhã…

Uma das plataformas estava aberta. E um trem, coberto de musgo e ferrugem, esperava como um animal esquecido.

Sem pensar, Akira entrou.

Lá dentro, o silêncio era cortado por um som quase imperceptível: uma canção de ninar tocando ao contrário.

Assentos vazios.

Luzes piscando com raiva.

Pichações nas paredes internas que diziam coisas como:

Acordar é um ato de violência.

Ele está vendo.

Você não é o original.

Akira parou. Um vulto ao fundo do vagão.

Um homem alto, magro demais pra ser real. Vestia um terno branco manchado de terra.

Na cabeça, um chapéu branco, torto, como se tivesse sido arrancado do fundo de um poço.

Ele estava de costas.

Você me procurava — disse o homem, sem virar o rosto.

A voz dele era… múltipla. Soava como três pessoas falando ao mesmo tempo.

Quem é você? — Akira perguntou, os olhos ardendo em cinzas.

Não importa quem eu sou. Importa quem você foi.

E você foi… substituído.

Silêncio.

Akira se aproximou, os pés pesando como se estivessem afundando em lama.

O que está acontecendo com o mundo?

O homem, enfim, se virou.

Mas onde deveria haver um rosto, havia apenas um espelho trincado, refletindo Akira…

Mas não ele agora.

Era uma versão mais jovem, com olhos vivos, rosto limpo, sem as cinzas.

Você morreu, Akira.

Só que alguém... ou algo, decidiu que você não merecia desaparecer.

E te jogou aqui. No tempo repetido, no erro eterno.

Akira recuou.

Isso é mentira.

O homem deu um passo à frente.

Os loops são tentativas falhas de te deletar. Mas você insiste. Você grita na memória do universo.

Por isso está apodrecendo.

Por isso o mundo está piorando.

O relógio de bolso de Akira explodiu em fumaça negra.

O trem inteiro tremeu.

As janelas começaram a mostrar cenas que não existiam:

Pessoas sem rostos andando em círculos,

Crianças chorando em quartos invertidos,

O próprio Akira se desfazendo em poeira diante de um espelho.

O homem do chapéu branco esticou a mão.

Quer parar de sofrer? Quer finalmente esquecer?

Akira, ofegante, sentiu algo… queimar dentro do peito.

Como se sua alma estivesse respondendo.

Não.

Se eu fui esquecido...

Vou me tornar impossível de ignorar.

Os olhos do homem brilharam. Por um segundo, seu reflexo sorriu.

Então… queime comigo.

E tudo virou fumaça.

Akira acordou na cama.

De novo.

6:06 da manhã.

Mas o relógio não estava mais com ele.

Em seu lugar, havia um bilhete escrito à mão:

"O próximo a desaparecer será aquele que você mais ama."