O silêncio entre Elysian e Seraphina era quase sufocante. O ambiente do cassino já não importava mais, o brilho das luzes e o burburinho das apostas eram meros ruídos de fundo para a tensão que pairava entre os dois. Seraphina cerrava os punhos, a mandíbula travada em uma expressão de frustração contida. Elysian, por outro lado, mantinha sua postura indiferente, como se nada daquilo fosse digno de emoção.
"Você realmente fez isso, Elysian?" A voz de Seraphina finalmente rompeu o silêncio, carregada de incredulidade. "Você colocou um fio em mim sem me avisar?"
Elysian inclinou levemente a cabeça para o lado, analisando sua expressão.
"Foi um método eficiente. Eu precisava garantir que a situação não fugisse do controle." respondeu, sem qualquer hesitação.
"E você acha que eu não sou capaz de lidar com isso sozinha?" Seraphina cruzou os braços, sua voz afiada como uma lâmina. "Você realmente não confia em mim?"
Elysian suspirou, ajeitando os óculos sobre o rosto. Seu olhar frio encontrou o dela, mas havia algo diferente ali, algo que ele próprio não conseguia identificar. "Não se trata de confiança, mas de precaução. A Ordem de Érebo é um fator desconhecido, e qualquer erro pode nos custar caro. Eu simplesmente tomei a decisão mais lógica." explicou, sua voz permanecendo firme e imutável.
Seraphina apertou os lábios, lutando contra a irritação crescente. "Lógica, sempre lógica…" murmurou. "Você realmente não enxerga nada além de um jogo, não é? Para você, eu sou só mais uma peça."
O comentário fez Elysian arquear uma sobrancelha, um leve brilho de curiosidade em seu olhar. "Isso não é verdade." ele retrucou calmamente. "Você é um dos Arautos. Seu valor é inquestionável."
"Então por que diabos você me tratou como se eu fosse um risco? Como se eu não fosse capaz de lidar com a situação por mim mesma?" Seraphina deu um passo à frente, a frustração evidente. "Foi você que me recrutou pra isso, e ainda assim você age como se eu fosse frágil."
Elysian permaneceu em silêncio por um instante antes de responder, sua voz mais baixa, mas tão firme quanto antes. "Não é sobre fragilidade, Seraphina. É sobre controle. E eu não posso permitir que variáveis saiam do meu controle."
Ela riu, mas não havia humor em sua risada. "Claro. Sempre o controle." Ela balançou a cabeça, descrente. "Sabe, por mais que eu soubesse que você era assim, acho que ainda me surpreendo com sua frieza."
A conversa terminava ali. Seraphina virou-se abruptamente e saiu do cassino, deixando Elysian sozinho em meio ao brilho dourado das luzes artificiais. Ele permaneceu imóvel, observando-a se afastar. Não sentia arrependimento, nem culpa, pois essas emoções lhe eram estranhas. Mas algo ali o incomodava.
Enquanto caminhava pelas ruas da cidade, Seraphina sentia o peso daquela conversa. Será que ela significava algo para Elysian além de uma ferramenta? Será que ele realmente via qualquer um deles como algo além de peças estratégicas? A dúvida corroía sua mente.
Quando finalmente parou, estava diante de um parque pouco iluminado. Sentou-se em um banco e respirou fundo, tentando dissipar o turbilhão de pensamentos. "Por que ainda me importo?" murmurou para si mesma.
Do outro lado da cidade, Elysian fechava os olhos por um breve momento. Seus dedos tamborilavam na mesa enquanto sua mente processava todas as interações, analisando cada variável. Ele sabia que Seraphina estava irritada, mas sabia também que, no fim, ela entenderia. Ainda assim, aquele incômodo persistia.
O jogo continuava, mas desta vez, uma das peças parecia diferente do que ele esperava.
Seraphina sentia um peso no peito enquanto caminhava até o parque, o mesmo onde haviam começado aquela missão. O vento frio da noite passava por sua pele, mas não era o suficiente para distraí-la do turbilhão de emoções que sentia. Ela sabia que Elysian estaria esperando por ela. Afinal, ele sempre sabia de tudo.
Quando chegou, o encontrou sentado em um dos bancos, olhando para o céu estrelado com sua expressão habitual, fria e serena. Mas havia algo diferente nele. Seraphina sentiu isso no instante em que ele a olhou. "Você veio." disse ele, sua voz carregando um tom quase... gentil?
Seraphina hesitou por um momento antes de se sentar ao lado dele. O silêncio pairou entre os dois por alguns instantes, até que Elysian, sem desviar o olhar das estrelas, perguntou. "Você se lembra daquele dia?"
Seraphina ficou surpresa com a pergunta repentina. Ela sabia exatamente do que ele estava falando, mas não esperava que ele trouxesse isso à tona agora. Antes que pudesse responder, sua mente foi puxada para o passado, como se estivesse sendo levada por uma correnteza inevitável.
14 anos atrás...
Seraphina, então com apenas sete anos, estava ajoelhada em meio aos escombros do que um dia foi sua casa. Seu corpo pequeno tremia, coberto de poeira e sangue. O cheiro de cinzas, ferro e morte impregnava o ar. Seus olhos inchados e avermelhados estavam fixos nos cadáveres irreconhecíveis de sua família. Ela chorava, soluçando baixinho, perdida na dor e no desespero.
Foi então que uma voz infantil, porém calma, rompeu o silêncio. "O que aconteceu aqui?"
Seraphina ergueu o rosto e viu um menino de cabelos brancos como a neve e olhos vermelhos carmesim profundamente vazios. Ele não parecia assustado, nem sequer surpreso com o que via. Apenas olhava para ela com uma curiosidade estranhamente serena. "Eles... eles mataram minha família... E destruíram tudo que nos tinhamos." Sua voz era um sussurro quebrado enquanto suas lagrimas não paravam.
O menino caminhou até ela, sem hesitar, e ajoelhou-se na sua frente. Lentamente, ele ergueu sua mão pequena e passou pelos olhos dela, secando suas lágrimas com uma delicadeza incomum. Depois, usou as mãos para limpar o sangue e a sujeira de seu corpo inteiro, sem se importar com a imundície que manchava sua pele. "Oque você ta fazendo?" Perguntou ela tentando entender a ação do garoto.
Foi então que o garoto olhou para ela com um olhar vazio, mais repleto de carinho e segurança. "Já que você perdeu tudo, por que não se junta a mim?" Disse ele enquanto continuava a limpar o corpo da menina. "Em troca, eu te dou minha palavra que serei seu apoio, e que nunca te deixarei cair nesse terrível sentimento de solidão de novo."
Os olhos de Seraphina se arregalaram. Ela olhou para aquele garoto, tentando entender por que alguém diria algo assim para ela. Mas, no fundo, algo em seu coração dizia que ele estava falando sério. Que ele realmente cumpriria essa promessa.
Ela não respondeu de imediato. Apenas estendeu sua pequena mão trêmula, e ele a segurou firmemente, como se dissesse que nunca a soltaria.
De volta ao presente Elysian olhava para Seraphina com uma expressão que ninguém jamais vira antes. Ele lembrava de cada detalhe daquele dia. Cada lágrima, cada palavra, cada toque. E mesmo depois de 14 anos, aquela promessa nunca fora quebrada. "Eu nunca esqueci daquele dia." Ele disse, sua voz baixa, mas firme. "E nunca esquecerei."
Seraphina sentiu um nó se formar em sua garganta. Ela percebeu, naquele momento, que por mais frio e lógico que Elysian fosse, ele realmente se importava com ela. De um jeito que talvez nem ele mesmo entendesse completamente.
Então, pela primeira vez em muitos anos, Elysian sorriu. Não um sorriso de escárnio ou ironia. Mas um sorriso verdadeiro, sincero, dirigido unicamente para ela enquanto segurava sua mão.
Seraphina sentiu o coração acelerar. E, naquele instante, percebeu que, não importa o que acontecesse, ela sempre o seguiria. Porque, naquele dia, há 14 anos, ele havia se tornado sua única luz em meio à escuridão.