A atmosfera carregada de suor, poeira e sangue ainda pairava no ar, mesmo após os últimos metros da corrida mortal terem sido deixados para trás. Os 8.573 sobreviventes, entre eles exaustos, feridos e psicologicamente abalados, foram escoltados por veículos blindados em direção ao interior da verdadeira base de testes da Ordem de Érebo – uma instalação subterrânea com arquitetura brutalista, enterrada sob uma montanha isolada, longe de qualquer vestígio de civilização. Era o tipo de lugar que não existia em mapas, onde só se encontrava a morte ou a ascensão. Choi Eun-kyung, ou melhor, Seraphina, mantinha o olhar fixo na entrada monumental que se abria como a boca de uma criatura colossal. Ela mal havia recuperado o fôlego, seus músculos ainda latejavam da corrida insana, mas sua mente permanecia fria e afiada. Ao lado dela, Kaine caminhava silenciosamente. O laço entre os dois não era apenas inesperado, era inaceitável. E ambos sabiam disso. Dentro da base, os candidatos eram submetidos a um protocolo rigoroso. Salas de desinfecção, exames médicos automatizados, reidratação forçada e escaneamento biométrico. Um sistema de IA analisou a condição de cada participante, classificando-os com base em desempenho, resistência e estabilidade emocional.
Seraphina foi direcionada ao Setor Ômega, reservado para os melhores da corrida. Kaine também. Seus olhares se encontraram brevemente enquanto eram conduzidos a diferentes compartimentos. Ele sorriu. Ela desviou o olhar.
Os dormitórios temporários eram celas confortáveis, com camas de contenção, telas de informações e paredes que pulsavam com uma luz azul. Câmeras espiavam pelos cantos e drones pairavam no ar, observando cada movimento.
Após algumas horas de descanso, os sobreviventes foram liberados para áreas comuns: refeitórios, salas de meditação e um grande salão central com painéis gigantes exibindo estatísticas, nomes e projeções de desempenho.
Vozes se ergueram em murmúrios tensos pelos corredores:
"Você viu aquele cara que atravessou o cânion pulando nos corpos?"
"Alguém do Setor Delta arrancou o braço de um oponente só para usar como arma..."
"Aquela garota de cabelos brancos... ela nem parecia cansada..."
Seraphina se movia entre os outros como uma sombra. Disfarçada de Choi Eun-kyung, mantinha uma postura contida, olhos semicerrados e respirando calmamente. Mas observava tudo: os mais confiantes, os desesperados, os falsos aliados. Principalmente aqueles que usavam sorrisos para esconder o medo.
Às 4h da manhã, as luzes de toda a base se apagaram. Um silêncio absoluto reinou por alguns segundos, quebrado apenas pela reverberação de passos pesados ecoando nas paredes de metal.
Um holograma se iluminou no salão principal, revelando uma figura imponente: um homem alto e musculoso, com o uniforme preto da Ordem de Érebo, os olhos escondidos atrás de uma viseira prateada. Em sua armadura, estava gravado o símbolo da Ordem — um eclipse com uma serpente devorando a própria cauda.
"Atenção, candidatos. Sou o Instrutor Callan." Sua voz era fria e sem emoção. "Parabéns por terem sobrevivido à primeira fase. Agora, preparem-se para encarar o verdadeiro propósito desta seleção."
Todos os olhares estavam fixos nele. "O próximo teste se chamará Prova de Sangue. Não será uma corrida. Não será uma disputa de tempo. Será uma luta. Um conflito de verdade. E no final... muitos de vocês estarão mortos."
O salão irrompeu em murmúrios. Alguns recuaram. Outros engoliram em seco. Mas aqueles que permaneceram imóveis — Seraphina, Kaine e alguns outros — mostraram que estavam prontos.
"Aqueles que não são capazes de matar para sobreviver... já estão mortos. O teste começará em 12 horas." O holograma desapareceu.
De volta ao dormitório, Seraphina sentou-se de pernas cruzadas na cama de metal. Seus pensamentos giravam em torno do novo teste. Combate. Este era um terreno fértil para identificar os verdadeiros predadores escondidos sob a pele de cordeiro.
Kaine... Ela se lembrava do olhar dele no final da corrida. Havia algo nele que a irritava. Aquela energia incontrolável, aquela ausência de medo... e o fato de que, pela primeira vez em muito tempo, alguém estava no seu nível.
Seraphina então se levantou, caminhou até o espelho na cela e encarou seu próprio reflexo. A aparência de Choi Eun-kyung lhe servira bem, mas dentro daquele espelho ela viu os olhos frios da Arauto que ela realmente era. "Que venham os fracos... que caiam os tolos... e que sangrem os espertos", murmurou ela.
As doze horas passaram como uma lâmina afiada cortando a tensão no ar.
Quando o alarme soou, os 8.573 candidatos foram guiados por corredores metálicos e túneis cada vez mais profundos até chegarem ao Anfiteatro do Conflito, um colossal espaço subterrâneo circular com arquibancadas negras e paredes cobertas de cicatrizes de batalha. Era um campo de batalha disfarçado de arena.
Centenas de olhos observavam. A elite da Ordem de Érebo — nobres escondidos nas sombras, cientistas insanos, membros mascarados da alta cúpula. Todos se posicionaram para assistir ao espetáculo de sangue que determinaria quem merecia o próximo passo.
O Instrutor Callan apareceu novamente no centro da arena, desta vez em pessoa. Seu corpo parecia esculpido em aço, com cicatrizes que mais pareciam mapas de campos de batalha. Atrás dele, dezenas de droides armados com rifles observavam os candidatos como predadores prontos para agir.
"Julgamento de Sangue não é um nome simbólico", disse ele, com a voz retumbante. "Hoje, vocês lutarão entre si. Mas esta não é uma batalha simples. Vocês serão divididos em duplas, trios ou quartetos. E em cada grupo... apenas um sairá vivo." O choque foi imediato. Murmúrios se transformaram em gritos. Alguns choraram. Outros caíram de joelhos. Muitos tentaram correr, apenas para serem eletrocutados pelos campos magnéticos nas saídas. E então a voz de Callan rugiu mais alto: "Desistir agora é morte certa. A vida depende da luta. Bem-vindos à realidade da Ordem de Érebo." Drones voavam acima, lançando raios de luz que marcavam os candidatos com cores diferentes. Cada luz correspondia a um grupo. Seraphina foi marcada com um tom escarlate, enquanto Kaine recebeu um tom cinza profundo. Ela observou atentamente enquanto outros três candidatos se aproximavam, cada um marcado com o mesmo raio escarlate. Dois homens musculosos com olhos famintos e uma mulher magra com olhos secos e postura firme.
"Ótimo... um quarteto", murmurou Seraphina. Ela fingiu nervosismo. Choi Eun-kyung não parecia muito confiante. Ainda não.
Os instrutores apontaram para cada setor da arena. Era ali que as lutas começariam. Sem armas. Apenas suas habilidades — poderes ainda restritos a níveis básicos por colares EVP controlados externamente.
Assim que o apito soou, um dos homens avançou contra a mulher, rasgando o ar com socos como um animal. O segundo homem, mais estratégico, tentou contornar a lateral para eliminar o último de pé. Mas o erro deles foi ignorar Seraphina. Ela não correu. Ela não tremeu. Ela andou.
O primeiro homem esmagou o rosto do oponente no chão. A mulher gritou, cuspindo dentes. O segundo tentou atacar por trás, mas foi então que Seraphina se moveu. Rápido demais. Preciso demais. Frio demais.
Ela pegou um pedaço de metal do chão e o cravou no tendão do primeiro homem, fazendo-o cair de joelhos, uivando. Em um movimento fluido, ela girou, chutando o segundo homem com força no peito. Ele cambaleou. Ela se lançou para frente, derrubou-o, subiu em cima dele e perfurou seu olho esquerdo com o mesmo pedaço de metal.
Um grito. Então silêncio. O primeiro homem tentou se levantar, mas Seraphina pulou sobre ele, golpeando-o repetidamente na garganta com a palma da mão até que os ossos se quebrassem. O som era úmido, grotesco.
A mulher ferida, ainda rastejando, tentou implorar por misericórdia. Seraphina olhou em seus olhos. Por um segundo... ela hesitou. A mulher tinha a aparência de alguém que já havia perdido tudo. Mas então Seraphina se lembrou: ela não podia demonstrar fraqueza.
Com um movimento brusco, ela torceu o pescoço da mulher, encerrando a luta. Vitoriosa.
A luz escarlate ao redor dela brilhou três vezes. A coleira de contenção brilhou por um segundo e depois se apagou. Ela estava livre. Por enquanto.
Na arena oposta, Kaine também enfrentou três oponentes. Mas o que aconteceu aqui foi diferente. Não foi uma batalha. Foi uma execução.
Ele simplesmente sorriu quando o confronto começou. E conforme os inimigos avançavam, algo se iluminou dentro dele. Seus olhos brilharam vermelhos. Seu corpo pareceu se mover antes que o pensamento pudesse ocorrer. Um dos oponentes teve a coluna quebrada com um chute. O segundo foi jogado no chão com tanta força que o concreto rachou. O terceiro tentou fugir, mas foi agarrado pelo pescoço e jogado violentamente contra uma parede, com o corpo partido em ângulos estranhos.
Tudo isso... em menos de vinte segundos. Quando os drones anunciaram sua vitória, Kaine limpou as mãos no uniforme, como se tivesse tirado poeira.
Seraphina o observava de longe. Pela primeira vez, ele sentiu algo que não sentia há muito tempo: irritação... e talvez uma pontada de inquietação.
Ao final da rodada, o chão da arena era um cemitério de corpos. Do total, apenas 2.148 candidatos haviam sobrevivido.
Callan retornou ao centro, agora coberto de respingos de sangue daqueles que haviam morrido muito perto de onde ele estava. "Estes são os verdadeiros. Estes são os que merecem continuar."
Drone desceu novamente. Os sobreviventes foram levados para os níveis superiores, onde receberiam seus novos uniformes, equipamentos e acesso às partes mais profundas da base.
Seraphina, agora sozinha em um elevador escuro, respirava calmamente. "Se esta for apenas a segunda rodada... o que vem a seguir?"