A névoa ainda pairava, densa como o próprio medo. Cada passo dentro daquele campo soava como uma sentença. Seraphina e Kaine avançavam lado a lado, quase sem palavras, suas presenças perfeitamente sincronizadas, embora não tivessem treinado sequer um único movimento juntos. Ali, não eram aliados. Eram predadores temporariamente olhando na mesma direção.
Seraphina analisava cada ruído, cada mudança na pressão do ar, cada folha que se movia. O terreno os levava até uma parte do campo onde as ruínas formavam um antigo bairro casas destruídas, playgrounds corroídos pelo tempo, um eco cruel de uma infância enterrada.
Ela odiava aquele tipo de cenário. Aquilo lembrava... dela mesma. “Eles estão perto.” murmurou, sua voz baixa, mas firme.
Kaine parou de caminhar, cerrando os punhos. “Você vai por cima?”
“Não.” ela respondeu. “Vou deixá-los me encontrar. Me subestimar. Você termina o trabalho.”
Kaine riu com o canto da boca. “Justo.” Eles se separaram silenciosamente. Doze segundos depois, o grupo surgiu das sombras.
Dez. Organizados. Armados. Três deles usavam máscaras com padrões simétricos, claramente de algum grupo que havia se infiltrado na competição com objetivos próprios. O que liderava carregava um bastão preto com uma ponta curva um Condutor de Energia. “Choi Eun-kyung,” disse o líder, olhando para Seraphina. “Você tem dado trabalho demais. Se eu te eliminar, minha entrada para a ordem será mais fácil.”
Ela apenas ergueu os olhos e exalou. “Vocês não sabem com quem estão lidando.”
“E você acha que está acima de todos? Acha que é a escolhida pra vencer essa competição?” Ele girou o bastão e gritou para os outros: “Mata ela!”
Três correram à frente um com manipulação de eletricidade, outro com uma habilidade de desaceleração do tempo em curto alcance, e o último... um brutal espadachim. Mas antes que chegassem até ela, o céu explodiu em luz vermelha.
Kaine surgiu descendo de um telhado, envolto em energia bruta, caiu como um cometa no meio do grupo. O impacto rachou o chão. Dois foram lançados no ar, um quebrou a coluna contra um muro. A cena foi tão rápida que os outros demoraram a reagir.
Seraphina se moveu ao mesmo tempo. Em segundos, já estava no meio da briga, seus movimentos letais, calculados, perfeitos. Suas mãos quebravam gargantas com suavidade clínica. Um chute acertou o estômago de um inimigo com tanta força que o fez voar para dentro de uma casa em ruínas.
O líder tentava usar seu bastão para contê-los, mas Kaine o encarava como uma fera contida apenas por obrigação. “Você devia ter ficado longe.” ele sussurrou. E o destruiu com dois golpes.
O bastão caiu no chão, partindo-se ao meio. O corpo do líder bateu seco contra a parede. Silêncio. Todos estavam mortos.
Seraphina e Kaine estavam cobertos de sangue, ofegantes. Se encaram. Algo em seus olhares mudou respeito. Medo. Raiva. Tudo ao mesmo tempo.
“Ainda vamos nos enfrentar,” disse Kaine, limpando o sangue dos dedos. “Sim. Mas não hoje.” ela respondeu, fria. Ambos se viraram para direções opostas. O pacto silencioso de não-interferência seguia... por enquanto.
Em outro setor do campo candidatos morriam aos montes. Alguns imploravam, outros riam em delírio. A Ordem de Érebo estava assistindo com atenção o instrutor mascarado da terceira fase andava entre telas, ajustando monitores com os dados em tempo real de EVP, padrões de movimento, reações emocionais.
“Eles estão se tornando aquilo que queremos...” murmurou um dos analistas. “Errado,” respondeu o instrutor. “Eles estão se tornando o que tememos. E é por isso que são perfeitos.”
Algumas horas depois Seraphina se escondia sob a sombra de uma casa desmoronada. Estava exausta. Respirava com dificuldade. A energia do campo drenava até mesmo sua resistência. O campo havia sido projetado para cansar até os mais fortes.
Ela sentou-se e tirou as luvas por um momento. Suas mãos tremiam levemente. Então ouviu um som: uma criança chorando. Seu coração congelou.
Impossível. Seguiu o som até o subsolo do prédio. Ali, em meio a escombros... uma garota. Frágil, suja, com olhos grandes demais para o rosto. “Me ajuda...” a criança choramingou.
Seraphina se aproximou com cuidado, seus olhos se enchendo de algo que ela temia: emoção. “Quem é você?” Seraphina perguntou baixo, quase num sussurro. “Me perdi... eles me deixaram...” disse a menina.
Mas algo estava errado. Seraphina ativou um sensor oculto de seu bracelete de campo. Nada, sem assinatura térmica, sem EVP. “Você não é real.” A criança sorriu, um sorriso largo e anormal, e então... explodiu.
Seraphina voou pelos ares, batendo contra uma coluna de concreto. Tossiu sangue. O impacto foi imenso. Ela ouviu vozes rindo.
Outros candidatos tinham usado um tipo de ilusão física para atraí-la. Uma armadilha. Mas erraram em um detalhe.
Ela não estava mais hesitando. Quando ela se levantou. As veias de seu pescoço pulsavam. Seus olhos ardiam com ódio. “Vocês... usaram o rosto de uma criança...”
Seu EVP começou a vibrar. Mesmo sem revelar seu poder real, uma aura invisível sufocava tudo ao redor. “...vocês cometeram um erro que não vão repetir. Porque não vão respirar de novo.” Ela os caçou. Um por um. Nenhum sobreviveu. Não restou nada além de poeira, sangue e silencio.
Após Seraphina matar todos, ela e Kaine seguiram avançando. E com o passar do tempo a escuridão ficava cada vez mais densa. O céu ficava coberto por nuvens carregadas, como se o próprio mundo estivesse assistindo em silêncio a brutalidade que se desenrolava abaixo.
Os sons da morte ecoavam por toda parte. Clamores. Explosões. Gritos estrangulados. Tudo parecia distante para Seraphina, que seguia em ritmo contínuo, os olhos fixos no mapa mental do campo que já havia decorado. Kaine a acompanhava em silêncio.
Ambos sabiam que não faltava muito. Os sobreviventes estavam sendo reduzidos drasticamente menos de quatrocentos ainda estavam vivos. E a maioria se escondia ou estava sendo caçada.
“Estamos entrando no quadrante morto.” murmurou Kaine. “As torres de monitoramento da Ordem não funcionam aqui. Nem rastreamento. É o lugar ideal pra uma armadilha.”
Seraphina concordou com um leve aceno, sem olhar para ele. Então, um barulho... metálico. Um rangido... como uma lâmina sendo arrastada pelo chão.
Ambos pararam, do beco à frente, surgiram pedaços. Partes de corpos, jogadas como lixo, como se tivessem sido espalhadas por diversão. Braços, mandíbulas quebradas, olhos perfurados.
E então ele apareceu. A figura era magra, mas com os músculos alongados demais. A pele pálida, quase cinzenta. O rosto tinha olhos muito abertos e um sorriso constante que parecia... costurado na pele. Vestia um colete preto coberto por símbolos de sangue, ganchos, lâminas, ossos.
Atrás dele, três candidatos pendurados por correntes, ainda vivos, mas completamente destroçados. Um deles murmurava entre os dentes quebrados: “P-p-por favor...”
“Silêncio, meu brinquedo.” disse o homem. Sua voz era melosa, horrenda, grotesca. “Você chora tão bonito. Não estrague tudo isso agora.”
Seraphina paralisou por dois segundos. Seu corpo inteiro se enrijeceu. Ela então deu um passo à frente. “Kaine...” disse com uma voz cortante. “Deixa esse arrombado de merda comigo entendeu?”
Kaine arqueou uma sobrancelha com a fala de Seraphina e a questionou. “Tem certeza?”
“Esse tipo de lixo imundo...” ela serrou seus punhos e começou a avançar na direção dele. “Eu faço questão de mandar pro abismo do inferno com minhas próprias mãos.” Kaine não discutiu. Apenas cruzou os braços e recuou.
O homem caminhou até ela, as correntes chacoalhando atrás. “Ahhh, uma flor. Que coisa rara. Será que você também grita bonito?” Seraphina não respondeu, apenas caminhava com um olhar frio e cheio de ódio.
Então a luta entre eles começou. Ele avançou como um inseto raivoso. Rápido, com garras giratórias nas mãos. Cada ataque era um espetáculo de brutalidade tentava perfurar, cortar, arrancar partes do corpo.
Seraphina esquivava com técnica, mas ele era imprevisível. Em um momento rastejava, no outro saltava como um animal. Cada movimento dele parecia mais uma dança psicótica.
Ela foi atingida duas vezes. Um corte no ombro. Outro na lateral da costela. Ele então começou a rir daquilo. “Você sangra! Isso me excita garotinha!”
Ela estreitou os olhos, engolindo a dor. Mas havia algo errado, ele não usava EVP convencional. Seu corpo era reforçado por alguma mutação talvez um implante. E a energia ao redor dele era... errática. Caótica. Não dava pra prever sua força nem sua velocidade.
Mesmo sendo extremamente poderosa, Seraphina sentia dificuldade. Ela tentou lançar um golpe decisivo com seu punho envolto de força comprimida, mas ele previu e a lançou contra uma parede, partindo parte de sua armadura de treinamento.
Ela caiu de joelhos. Enquanto ele se aproximava devagar, ele começava a falar “Não vai ser rápido, minha florzinha. Vai doer tanto que até sua alma vai chorar...”
“Cala a merda dessa boca nojenta...” sussurrou ela. Ele riu alto. Mas parou. A energia no ar... mudou.
Seraphina se levantou devagar, o sangue escorrendo das feridas nas mãosque ela mesma abriu, o olhar completamente transformado. Um pequeno som metálico ecoou quando ela retirou um anel de contenção do pulso um artefato do próprio Elysian feito para os Remanescentes Das Ruínas, mais especificamente para os Arautos Do Fim, que restringia o EVP do usuário, fazendo sempre ficar abaixo de 5% do original.
“Você já deveria estar morto... não. VOCÊ NEM DEVERIA TER NASCIDO NESSE MUNDO OU EM QUALQUER OUTRO!” disse ela, a voz mais grave, vibrando com energia.
O chão sob seus pés trincou. Seu EVP começou a vazar como um furacão silencioso. O homem sentiu. Seu sorriso se partiu por um momento. “O que você é...?”
Ela deu um passo à frente. “Eu sou o que vem quando o monstro encontra o próprio fim. Assim como o fim que você logo tera... VERME DESPREZÍVEL!” E então, com um rugido abafado de poder... uma pequena parcela da verdadeira face de Pandemonium foi libertada. Com todos os presentes se assustando e temendo seu poder.