A carroça seguia seu curso por entre colinas e florestas silenciosas, enquanto o mundo ao redor descansava num compasso sereno.
Mabel dormia.
E no fundo de seu sonho, não havia castelo nem missão.
Só lembranças.
Daquilo que não deveria se lembrar.
Dos quatro aos sete anos.
O castelo era bonito. Muito bonito.
Brilhava em mármore branco, cortinas perfumadas e tapeçarias bordadas à mão.
Mas pra ela, tudo era só cenário.
Gente entrava e saía pelos corredores, chamando-a de “Senhorita Mabel”, “pequena dama”, “vossa alteza”.
Mas suas vozes não alcançavam.
Elas eram como ecos de um mundo que ela não entendia.
Não era timidez. Nem medo.
Era distância.
Ela via as outras crianças rindo no jardim, competindo por atenção, fingindo duelos com galhos de árvore.
Mas não sentia inveja. Nem vontade de participar.
Ela apenas não entendia.
Por que aquilo era divertido?
Por que sentiam tanto?
Por que tudo parecia tão... automático pra elas e tão distante pra ela?
Mabel não queria ser igual a ninguém.
Ela só não via sentido algum.
Alegria, tristeza, empolgação — tudo parecia algo que os outros sabiam de nascença.
Ela não.
E, então, ela começou a imitar.
Sorria quando sorriam.
Abaixava a cabeça quando as damas do castelo fingiam se comover com tragédias vazias.
Mas por dentro...
Por dentro, era só um cômodo vazio com as janelas fechadas.
Dos oito aos dez.
A realeza não perdoa quem demora a crescer.
A infância dela teve um fim precoce, mas ninguém notou.
Era como se sua existência fosse mais um protocolo.
Ela aprendeu a se portar. A responder sem parecer insolente. A aceitar elogios como se fossem verdades.
Os funcionários a tratavam com carinho, mas nenhum deles... a via de verdade.
As relações dentro do castelo eram todas superficiais.
Um mar de rostos que se curvavam diante dela —
Mas que nunca se importavam com o que havia atrás de seus olhos.
Não havia conversa sincera. Nem toques verdadeiros. Nem escuta.
Era tudo encenação.
E ela seguia o fluxo.
Com a alma cada vez mais seca.
Era como se houvesse um vidro entre ela e o mundo.
Um vidro grosso, que deixava ver, mas não tocar. Ou ser tocada.
Ela queria sentir.
Mas não sabia como.
Não conseguia se ver pertencendo a nada.
A nenhum lugar.
A nenhum grupo.
A ninguém.
Era uma pequena princesa num castelo imenso...
Que nunca foi sua casa.
E, no fundo, nem sabia dizer quem ela era.
Só sabia que não era o que esperavam que fosse.
Até que...
Até que…
…houve um baile.
Era o aniversário de dez anos de Mabel Abyciss, a quinquagésima princesa de Axoland.
Na corte, diziam que era um momento histórico.
O salão fora decorado com candelabros altos, fitas cor de névoa e cortinas que desciam das janelas como véus de memória.
O chão de mármore polido refletia as luzes douradas, e o ar estava repleto do perfume de lírios — uma escolha da Rainha, não de Mabel.
Ela estava lá, ao centro.
Vestido azul-escuro com bordados de prata, cabelos arrumados por três criadas, e um broche com o brasão real preso ao peito.
O broche pesava mais que a roupa toda.
Ela sorriu. Não porque queria.
Porque devia.
Sentia-se como um quadro pendurado na parede.
Bonito. Parado. Frio.
Os Netherheart chegaram primeiro.
A carruagem azul e ouro parou com precisão nobre.
Lizbeth Netherheart, irmã gêmea de Clemearl, desceu primeiro. Vestia-se com um vestido rubi cravejado de pequenos cristais, cada passo como uma batida de tambor contido, seus curtos cabelos brancos até os ombros eram o destaque de seu visual
Ao seu lado, Bizard, o marido de Lizbeth, imponente e calado como sempre, mantinha o olhar firme, este usava um terno laranja e preto o qual destaca seus cabelos laranjas longos.
Clemearl, sua irmã, ostentava um vestido de prata e azul, postura irrepreensível e sorriso tão branco quanto seus longos cabelos.
Vieram então os pequenos:
Delta, de seis anos, franzia o cenho como se detestasse estar ali — o colarinho o sufocava e as luvas o irritavam.
Esther, sua prima, usava um vestido de pérolas delicadas e uma tiara fina. Ela mantinha o queixo erguido e sorrisos contidos, como quem aprendia a ser nobre antes de saber ser criança.
Os Campbell chegaram em seguida.
Merus, um homem de presença silenciosa, ofereceu o braço à esposa com o mesmo gesto que fazia desde que casaram.
Claire, com seu vestido verde-musgo e joias opacas, descia com calma. Seu olhar era brando, quase maternal, mas distante.
Sophia, a filha de treze anos, caminhava com a leveza de quem sabia exatamente como deveria se portar, seus cabelos ruivos juntamente a suas roupas verdes eram de fato incriveis. Sorriu para Mabel com sinceridade.
Mabel respondeu com educação, mas sentia que estava apenas recitando.
Ela invejava Sophia.
Não por sua beleza ou postura — mas pela facilidade com que parecia pertencer àquele lugar.
Os Yunasta chegaram depois.
A carruagem escura foi a mais discreta.
Saeris Yunasta, de rosto severo e traje cinza-gelo, desceu primeiro.
Ao lado, Jök Yunasta, mais largo que todos os outros homens no baile, usava uma capa vinho que quase escondia os brocados do traje.
Piper, o filho de treze anos, saltou da carruagem sem esperar ajuda, vestindo um vestido carmesim escuro e um sorriso zombeteiro.
— Aposto que os guardas nem notaram que passei com dois doces no bolso.
— Vai dançar ou provocar? — perguntou Mabel, ensaiando humor.
— Dá pra fazer os dois — Piper piscou.
A chegada dos Lumière foi um espetáculo à parte.
Noctus, patriarca teatral, fez questão de ser anunciado com pompa.
Seu filho, Yonji Lumière, apareceu com os cabelos cianos desgrenhados, a gravata torta e o brilho de confusão genuína nos olhos.
— Princesa! — exclamou Yonji, tropeçando no tapete. — Esse bolo é mesmo real ou é só enfeite?
— Você vai descobrir sozinho?
— Depende… o que acontece se eu morder?
— A punição real é chicotada — disse Mabel, impassível.
— Sério?!
Ela riu. Pela primeira vez naquela noite, riu de verdade.
Os Drakus chegaram com ares discretos.
Nidaime, aos treze, desceu sem pressa, com um terno escuro e um chapéu inclinado. Havia algo relaxado, quase debochado, no jeito como andava.
Ele parecia desenhar passos no chão ao invés de pisá-lo.
— Alteza, é um prazer imenso comemorar contigo esta noite.
— E você está... sendo sincero?
— Absolutamente não — ele respondeu com um sorriso, ajeitando a gravata. — Mas é tudo que tenho pra hoje.
Por fim, os O’Malley.
Poucos esperavam vê-los ali.
A família havia sido readmitida à nobreza há pouco tempo, após anos de esquecimento.
Mark O’Malley, o irmão mais velho, desceu com postura humilde, mas com a cabeça erguida. Seu traje azul-marinho era simples, sem pedras ou brilhos, mas bem passado.
Ao seu lado, Ferme O’Malley, também de dez anos, trajava um terno cinza de corte limpo e detalhes discretos.
Ele parecia calmo, até demais para a ocasião.
— Princesa Mabel — disse Ferme, fazendo uma reverência educada.
— Nobre Ferme e Mark. Sejam bem-vindos ao palácio.
Seus olhos se encontraram por um momento.
O baile seguiu.
Com músicas suaves, doces finos, vozes que se misturavam à decoração.
Ela girou entre mãos conhecidas e rostos desconhecidos, cumpriu o protocolo, recebeu elogios e sorriu quando esperavam.
Claro! Aqui está o capítulo reformatado no estilo de novel coreana, com estrutura, espaçamento, marcação de cenas e fluidez narrativa típicas do gênero:
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Capítulo 15 – O Baile da Princesa
O salão real era vasto como um campo dourado.
Lustres brilhavam com a intensidade de estrelas presas ao teto. As paredes, cobertas por tapeçarias ancestrais, refletiam o brilho das centenas de velas acesas.
Entre o som dos violinos e das conversas educadas, uma única figura se destacava pela imobilidade:
Mabel Abyciss, a 50ª princesa de Axoland.
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— …Você parece cansada, Princesa. — disse Sophia, sua voz gentil como a brisa da manhã.
— Não é cansaço. — Mabel respondeu, sem olhar. — É só… o mundo.
Nidaime ajeitava o chapéu em sua cabeça, sempre ligeiramente torto.
— Uma resposta profunda demais para um aniversário, hm?
Yonji Lumière mergulhava o dedo em uma taça de vinho, ignorando os olhares dos criados.
Piper Yunasta ria, comparando as caretas que fazia com ele.
Ferme O’Malley observava todos em silêncio, o sorriso contido, mas sempre presente.
Parecia alheio e envolvido ao mesmo tempo.
Mabel, porém, continuava quieta.
Seu olhar permanecia fixo na tapeçaria como se procurasse uma fenda onde pudesse desaparecer.
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— Aqueles dois estão aprontando de novo... — cochichou Piper.
Ao fundo, Delta e Esther Netherheart — os caçulas — se esgueiravam entre as mesas, roubando trufas e empurrando criados como se fosse um jogo.
Esther se disfarçava atrás das saias da criada. Delta derrubava copos para distrair os olhares.
— Crianças. — murmurou Ferme, ainda observando.
— Artistas. — Nidaime corrigiu, com um sorriso travesso.
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Foi então que as trombetas tocaram.
A música cessou. Os criados congelaram em seus postos. As vozes se calaram.
Todos os olhares se voltaram para a escadaria principal.
Ali estavam eles —
O Rei Drake de Axoland, imponente como um trono feito homem.
A Rainha Abigail, serena, com um sorriso escondendo intenções.
— Hoje, celebramos dez anos da Princesa Mabel Abyciss. — A voz do rei era clara, imponente.
— Que ela cresça em sabedoria, e que seu nome brilhe junto ao nome de Axoland.
As palmas se ergueram.
Mabel inclinou a cabeça, como mandava a etiqueta.
Mas por dentro, ela não sentia absolutamente nada.
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A Rainha então deu um passo à frente.
— Como manda a tradição, iniciaremos agora o Baile da Aniversariante.
— E o par da princesa será… O’Malley Ferme.
Houve um leve murmúrio entre os convidados.
Ferme aproximou-se.
Curvou-se com natural elegância.
— Alteza.
— Não tenho escolha, não é? — Mabel respondeu, sem emoção.
— Nenhuma boa história começa com uma escolha. — disse ele, oferecendo a mão.
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A música voltou a soar.
Eles dançaram.
Com precisão. Com leveza. Com distância.
— Você não se sente distante, Princesa. — Ferme disse. — Você se faz sentir assim.
Ela hesitou no passo.
— Está me julgando?
— Não. Estou te vendo.
Silêncio.
— Emoções. Laços. Eles são só mentiras socialmente aceitas.
— Nem tudo que é sutil é falso.
— Sentir... é como o cheiro do chá antes de prová-lo. Está ali, mesmo sem estar visível.
Mabel não respondeu.
Mas dentro dela, algo silencioso se acendeu.
Quando a música cessou, ela permaneceu imóvel.
E pela primeira vez em muito tempo...
não queria sair correndo.
Mais tarde, aproximou-se de Sophia.
— Você... parece tão certa de tudo.
— Como sabe o que sente?
— Eu não sei. — respondeu Sophia. — Mas aprendi a ser honesta comigo.
— Nem sempre é fácil. Mas é mais leve que fingir.
Mabel assentiu, sem saber o porquê.
Conversou com Yonji, riu de suas palhaçadas.
Escutou Piper e Nidaime trocando histórias absurdas.
Sentou-se ao lado de Ferme, em silêncio.
Apenas… sentindo.
Delta e Esther passaram correndo atrás dela com açúcar no rosto e doces nos bolsos.
Mabel olhou ao redor.
Eles estavam ali.
Pessoas reais. Com sentimentos reais.
E ela...
Ela sentia.
Pela primeira vez em muito tempo...
sentia algo verdadeiro.
"Então era isso."
"O que significava pertencer."
"Não era ser igual. Era ser aceita."
E naquele salão dourado, entre risos, confusões e ternura... Mabel foi acolhida.
Pela primeira vez.
Genuinamente.
A neve havia voltado a cair depois de alguns dias. As nuvens cobriam o céu e o chão branco começava a se formar de novo.
Dentro da carroagem, o ambiente estava silencioso. Mabel, agora com doze anos, dormia com a cabeça apoiada no ombro direito de Ferme. Ele não parecia incomodado, apenas mantinha o olhar para fora da janela, como se estivesse refletindo.
Nidaime, sentado à frente dos dois, observava a cena com um sorriso sugestivo.
— Ei, não estão indo rápido demais pro meu gosto? — disse ele, em tom provocador.
Ferme manteve-se em silêncio. Só desviou o olhar, fingindo não ouvir.
Mabel, por outro lado, abriu os olhos devagar. Ainda com a cabeça encostada no ombro dele, olhou em volta e respirou fundo.
Ela sorriu.
— Ah... certo. — murmurou baixinho.
Lembrava-se agora do porquê tinha começado a gostar de Ferme.
Não era por ele ser gentil ou carismático. Na verdade, ele raramente sorria e costumava ser direto demais.
Mas ele sempre notava quando alguém estava mal.
Mesmo sem dizer muita coisa, ele se importava com os outros.
Mesmo quando ela mesma tentava esconder o que sentia, ele parecia enxergar.
Esse pensamento deixou seu peito mais leve. O sorriso permaneceu por alguns segundos, até que a carroagem tremeu.
— Hã? — Nidaime levantou uma sobrancelha.
De repente, um barulho seco soou por baixo.
A carroagem balançou para o lado.
O cocheiro gritou, mas ninguém entendeu o que foi dito.
Ferme segurou Mabel pelos ombros, tentando protegê-la do impacto.
A carroagem tombou.
Com o tombo, as laterais se chocaram contra a neve acumulada ao lado da estrada. Um dos cavalos relinchou alto.
Tudo parou.
O silêncio voltou, agora interrompido apenas pelo som da neve caindo lá fora.
A viagem não seria tão tranquila assim