Uma flor azul.
Frágil.
Solitária no chão frio.
Uma rajada de vento passou.
Três pétalas se soltaram.
Elas caíram devagar, quase sem fazer som, até tocarem a terra congelada.
As flores também morrem… mesmo as mais bonitas.
…
As portas velhas do castelo abandonado se abriram com um rangido alto.
Mabel Abyciss deu dois passos para dentro e parou.
Seus olhos brilharam.
— Isso é… inacreditável.
Ela estava fascinada. As paredes, cobertas de musgo e tapeçarias rasgadas, ainda carregavam o brasão de eras antigas. Havia quadros empoeirados, livros semi-intactos em prateleiras de pedra, e uma escadaria quebrada que levava a uma sacada alta.
Era como estar diante de uma cápsula do tempo.
— Um castelo inteiro… fora dos registros. Nada disso está na mídia. — murmurou, quase sem acreditar.
Ela andava devagar, com um sorriso verdadeiro. Estava empolgada.
Tocava os objetos com cuidado, observava os detalhes de cada brasão, cada símbolo.
Foi quando viu o baú.
Estava escondido atrás de uma pilastra rachada. Coberto por teias de aranha e poeira.
Ela se aproximou e se agachou.
Passou a mão devagar sobre a tampa e puxou.
Clac.
O baú se abriu.
Mas antes que pudesse reagir, algo atravessou seu peito.
Uma espada.
Fincada direto em seu corpo.
— A… ngh…!
Ela cuspiu sangue. Muito sangue.
Caiu para trás, tentando entender o que tinha acontecido. Seus olhos se arregalaram, o corpo tremia.
— M-magia… m-minha magia…
Tentou usar um feitiço de cura, mas nada funcionava. Ela não era boa com encantamentos.
Desesperada, tentou se arrastar.
Cada movimento causava dor.
Suas mãos manchavam o chão de vermelho.
O medo no rosto era real. Pela primeira vez, ela não sabia o que fazer.
E então—
— GAAAH! — Mabel acordou, ofegante.
Estava deitada no chão. Fora da carroça tombada.
Sua testa suava.
Olhou em volta, confusa, até perceber que ainda estava viva.
— Um sonho…? — murmurou.
Ferme e Nidaime estavam ali perto, xingando o carroceiro sem parar.
— Você é um maluco! — Nidaime apontava com raiva. — Agora são OITO batidas na sua ficha! OITO!
— Você quer nos matar!? — Ferme cruzava os braços, com a testa franzida.
O carroceiro, desesperado, tentava se explicar. Mas antes que conseguisse dizer qualquer coisa, algo se mexeu adiante.
— …Hm? — Mabel levantou um pouco o corpo e olhou na direção.
Ali, caído de lado na neve, havia um javali gigante. Cerca de três metros de altura. Estava desmaiado.
E por trás dele, surgiram mais de dez javalis menores. Eles pareciam estar fugindo de alguma coisa, mas haviam parado quando o maior caiu. Agora estavam alertas e parados, farejando o ar.
Ferme e Nidaime olharam ao mesmo tempo.
— Aquilo não parece normal… — Nidaime falou, agora mais sério.
— Não mesmo. — Ferme respondeu, puxando Mabel devagar pra levantar.
— …Vamos resolver isso logo. — disse Nidaime, limpando a neve do casaco.
Ele se aproximou e começou a recitar um encantamento de cura avançado. As palavras fluíam com precisão e uma luz dourada cobriu os ferimentos de Mabel, os selando pouco a pouco.
— Você saberia usar algo assim, Mabel? — ele perguntou, olhando de lado.
A garota hesitou.
Depois respondeu sem mudar a expressão:
— Não.
— Hein? — Nidaime arqueou a sobrancelha.
— Sou péssima com encantamentos. Nem os básicos consigo executar direito.
— Mas… — Ferme olhou pra ela, incrédulo. — A gente está a dois anos de se formar na Academia.
— Exato. — respondeu, seca. — E mesmo assim, encantamentos nunca foram meu forte.
— Mas feitiços, ao menos…? — Nidaime insistiu.
— Só sei lançar dois da minha magia de tempo. E mesmo assim, com dificuldade.
— Isso explica por que você quase morreu contra o Sekai… — Ferme falou num tom mais baixo.
— É. — Mabel abaixou o olhar. — Eu não tinha nada que pudesse me salvar naquela hora. Meus feitiços eram lentos… e eu não conseguia conjurar nenhum encantamento de emergência.
Silêncio.
— Que merda… — Nidaime estalou a língua, desviando o olhar.
Ele então se virou para os javalis e, com outro encantamento de alto nível, curou tanto o maior quanto os menores. Depois, fez o mesmo com o cavalo.
— Estão bem agora… mas… — Ferme se abaixou junto à carroça tombada. — A estrutura está toda ferrada. Uma roda rachou e o eixo entortou. Não dá pra seguir viagem com ela.
— Então vamos montar acampamento aqui mesmo. — Nidaime cruzou os braços, irritado. — Ótimo. Pelo menos não foi culpa minha.
Mabel se afastou um pouco, sentando sobre a neve úmida e fria.
O impacto da visão ainda latejava em sua mente.
Ela não parava de pensar na espada atravessando seu peito.
O sangue.
A dor.
A solidão.
Foi só um sonho? Uma premonição? Algo real?
Ela passou a mão sobre o próprio peito. Não havia ferida, mas a sensação não sumia.
— Ei, Ferme… — Nidaime chamou. — Tem alguma coisa ali?
Ferme estava parado, observando algo a alguns metros do caminho.
— Hm… — ele apontou. — Aquilo são… flores?
Os três olharam na direção que ele indicava.
Um bosque se estendia ali perto, e entre os galhos nus das árvores, um campo azul surgia sob o manto branco da neve.
— Flores azuis…? — Nidaime estranhou. — Nessa época do ano?
Mabel se levantou devagar. Seus olhos se fixaram naquele azul.
Aquele mesmo azul.
Ela engoliu em seco.
Algo naquela cena a deixava inquieta.
Mas, ao mesmo tempo, sentia uma estranha atração por aquele lugar.
Ferme se virou.
— Parece que nosso próximo acampamento vai ser ali.
E Mabel… não conseguia tirar os olhos das flores.
— Mabel?
A voz soava distante.
— Maaabel~?
Ela continuava ali, parada, encarando as flores azuis no bosque, como se o tempo tivesse desacelerado. A neve caía devagar, cobrindo os galhos e as pedras como se bordasse o mundo em silêncio. Em sua mente, a imagem da espada cravada em seu peito e o desespero por não conseguir se curar ainda vibravam com força.
— Mabel, você por acaso tá viva aí?
POC!
— AAAAAI! — ela se virou indignada, esfregando o topo da cabeça. — Qual o seu problema, Nidaime!?
— Só checando se não tinha congelado em pé. Vai que eu preciso enterrar um bloco de gelo, né? — disse o garoto com um sorriso largo, girando o gravetinho em uma das mãos.
— Idiota…
— Hehe. Bom, agora que a princesa dos pensamentos profundos voltou pra realidade: você e o Ferme pegam lenha, eu e o vovô tentamos fazer mágica com a carroça. Talvez a gente transforme ela num trenó com um foguete, nunca se sabe.
— Você é impossível… — Mabel murmurou, bufando.
Ferme já estava a alguns passos de distância, acenando com a cabeça em sinal de "vamos logo".
A neve caía suave enquanto Mabel e Ferme seguiam bosque adentro. Os galhos rangiam sob seus passos, e pequenas flores azuis brotavam entre as árvores — uma visão inesperada para aquela época do ano.
— É bonito… — Mabel comentou, sem perceber que estava sorrindo.
Ferme olhou de canto e assentiu.
— Hmm.
— Você devia falar mais. — ela disse, pulando um tronco caído com leveza.
— Você já fala por nós dois. — respondeu, seco como sempre.
— Isso foi uma indireta?
— Uma constatação.
Ela fez bico, mas logo soltou um risinho.
Andaram por mais alguns minutos em silêncio. Ferme parou, puxando a manga dela gentilmente.
— Galhos secos ali.
Foram até uma árvore caída e começaram a recolher os galhos que estavam protegidos da neve.
Mabel se abaixou ao mesmo tempo que Ferme e seus rostos quase se tocaram. Ela se afastou rapidamente, as bochechas vermelhas — talvez pela neve… talvez não.
— Você sempre foi tão sério? — ela perguntou, tentando soar casual.
— Só com quem eu gosto.
Ela piscou.
— O quê?
Ferme a ignorou, concentrando-se em quebrar um galho mais grosso.
Mabel o olhou, intrigada, mas com o coração batendo um pouco mais rápido. Ela não conseguiu evitar o sorriso tímido nos lábios.
Foi então que sentiram.
Um frio diferente do clima.
Uma presença… densa.
A pressão de uma mana poderosa percorreu seus corpos como um calafrio súbito.
— Isso veio de lá… — Ferme murmurou, já largando os galhos.
— O acampamento!
Correram juntos pela neve, os pés afundando no branco. Quando chegaram…
…Nada.
A barraca estava de pé. O velho amarrava uma lona, assobiando. Nidaime jogava sal sobre a roda da carroça quebrada, como se estivesse fazendo um ritual.
— Vocês chegaram cedo. Trouxeram lenha ou só os pés molhados? — perguntou Nidaime, virando-se com seu sorriso habitual.
— Sentimos algo. Uma presença… poderosa. — Ferme disse, olhos estreitos.
— Heeeh? Será que era a aura do meu talento transbordando? — Nidaime brincou, colocando a mão no queixo. — Ou talvez o mau humor do cavalo.
— Não tinha nada lá. — Mabel murmurou, olhando ao redor.
Ferme olhava a floresta com desconfiança.
Nidaime deu de ombros.
— Se for algo perigoso, ótimo. Vai quebrar a monotonia. Mas por enquanto… que tal nos aquecermos com um chá quentinho? Já preparei a água. — e apontou para uma chaleira sobre uma pedra encantada, soltando vapor.
Mabel e Ferme trocaram um olhar, ainda tensos.
Mas logo o cheiro de folhas doces e o calor do acampamento os chamou de volta ao presente.
Enquanto no acampamento o aroma do chá preenchia o ar e o frio era afastado por conversas amenas, não muito longe dali, entre as árvores altas e envoltas por névoa, uma figura se curvava diante do grande javali desacordado.
A neve caía suavemente sobre seu corpo, mas derretia ao tocá-lo.
Sua mão delicada acariciava o focinho da criatura com ternura.
— Obrigada por parar eles, meu amigo… — sua voz era leve como brisa de inverno. — Sinto muito por você ter se ferido.
Os dedos afagaram o pelo grosso e sujo de sangue seco.
Em seu toque, o calor da floresta antiga.
A mulher se ergueu lentamente. Seus cabelos desciam em ondas até a cintura, da cor do gelo profundo, e seus olhos tinham o brilho pálido de um lago congelado. Roupas fluidas e esvoaçantes, também azuladas, feitas de pétalas, névoas e musgo encantado, a envolviam como parte da própria floresta.
Era uma dríade.
Antiga, silenciosa.
E estava ali por um motivo.
Seus olhos se voltaram em direção ao acampamento distante. Mais precisamente… à garota de cabelos prateados, distraída perto da barraca, com a xícara de chá nas mãos.
— Hm… sua descendente é interessante, Axo.
O crepitar da lenha preenchia o silêncio da noite. Na clareira protegida pelas árvores, o pequeno acampamento parecia um oásis quente em meio ao mar gelado. As barracas estavam montadas de forma improvisada, o cavalo descansava deitado e o velho carroceiro assava um peixe defumado com uma habilidade surpreendente.
— Eu já fui chefe de uma caravana inteira, sabiam? — disse ele, soprando a fumaça do cachimbo. — Tinha uns vinte e sete burros… vinte e sete! E nenhum batia tanto a cabeça quanto esse cavalo aí. — Apontou com o cachimbo, e os jovens riram.
— Acho difícil superar a lenda das oito batidas. — Nidaime sorriu de canto, com o chapéu jogado para trás e o olhar relaxado.
— Você devia receber uma medalha de mérito por sobrevivência.
Ferme, sentado com uma manta nos ombros, apenas riu pelo nariz.
— Aposto que a metade das batidas foi culpa sua, Nidaime.
— Tsc, que injustiça. Eu só causo confusão quando estou acordado. — Piscou com um sorriso travesso, arrancando outra risada leve de Mabel.
Ela estava calada, mas seus olhos observavam. O calor do fogo refletia em seu rosto prateado, e por um momento, ela sentiu-se estranhamente… presente.
O velho continuou, empolgado:
— Uma vez, passando por Dromm no meio de uma tempestade, um dos burros resolveu brincar de pular penhasco. Adivinhem quem teve que ir buscar?
— Você mesmo? — Ferme chutou.
— Errado! — o velho riu. — Foi a minha esposa! Nunca mais falou comigo por três semanas… e ainda levou o burro embora! — Todos gargalharam com a cena imaginada.
As horas passaram com histórias, risos e chá quente.
Mas então, como um lembrete do mundo além da chama, a neve apertou.
Flocos grossos começaram a cair novamente, abafando os sons e cobrindo lentamente as pegadas ao redor.
— É melhor irmos dormir. — Ferme se levantou, ajeitando sua capa.
— Concordo. — disse Nidaime, espreguiçando-se com um bocejo falso e teatral. — Se alguém tentar nos atacar enquanto dormimos, espero que tenha piedade das minhas olheiras.
Mabel apenas assentiu, indo para dentro da barraca compartilhada. Mas mesmo ali, deitada sobre cobertores e feno improvisado, não conseguia dormir.
Virava-se de um lado para o outro, inquieta.
Havia algo estranho. Um chamado sutil no ar.
Após longos minutos em silêncio, ela se sentou.
Colocou a capa sobre os ombros e saiu da barraca.
A neve estava espessa, mas havia algo… belo.
O bosque à sua volta brilhava com luz azulada.
Flores.
Milhares delas.
As mesmas flores azuis que Ferme havia visto antes, agora cobriam todo o entorno do acampamento como um campo encantado.
— Que… — Mabel abriu a boca, encantada. — Isso não estava assim antes…
Mas antes que pudesse dar mais um passo, seu corpo vacilou.
Os olhos arregalaram-se.
Um cheiro doce, quase imperceptível, a envolveu.
— Ah… — foi tudo o que conseguiu dizer.
E então caiu.
Dura.
Silenciosa.
Um fino pólen azulado cobria o chão como uma névoa brilhante, envolvendo tudo ao redor.
No meio daquela paisagem surreal, uma figura apareceu.
Pés descalços sobre a neve que não a tocava.
Vestes que se confundiam com pétalas.
Olhos tão antigos quanto o tempo.
A dríade a observava. Silenciosa.