O Castelo Perdido parte 2

Uma flor azul.

Frágil.

Solitária no chão frio.

Uma rajada de vento passou.

Três pétalas se soltaram.

Elas caíram devagar, quase sem fazer som, até tocarem a terra congelada.

As flores também morrem… mesmo as mais bonitas.

As portas velhas do castelo abandonado se abriram com um rangido alto.

Mabel Abyciss deu dois passos para dentro e parou.

Seus olhos brilharam.

— Isso é… inacreditável.

Ela estava fascinada. As paredes, cobertas de musgo e tapeçarias rasgadas, ainda carregavam o brasão de eras antigas. Havia quadros empoeirados, livros semi-intactos em prateleiras de pedra, e uma escadaria quebrada que levava a uma sacada alta.

Era como estar diante de uma cápsula do tempo.

— Um castelo inteiro… fora dos registros. Nada disso está na mídia. — murmurou, quase sem acreditar.

Ela andava devagar, com um sorriso verdadeiro. Estava empolgada.

Tocava os objetos com cuidado, observava os detalhes de cada brasão, cada símbolo.

Foi quando viu o baú.

Estava escondido atrás de uma pilastra rachada. Coberto por teias de aranha e poeira.

Ela se aproximou e se agachou.

Passou a mão devagar sobre a tampa e puxou.

Clac.

O baú se abriu.

Mas antes que pudesse reagir, algo atravessou seu peito.

Uma espada.

Fincada direto em seu corpo.

— A… ngh…!

Ela cuspiu sangue. Muito sangue.

Caiu para trás, tentando entender o que tinha acontecido. Seus olhos se arregalaram, o corpo tremia.

— M-magia… m-minha magia…

Tentou usar um feitiço de cura, mas nada funcionava. Ela não era boa com encantamentos.

Desesperada, tentou se arrastar.

Cada movimento causava dor.

Suas mãos manchavam o chão de vermelho.

O medo no rosto era real. Pela primeira vez, ela não sabia o que fazer.

E então—

— GAAAH! — Mabel acordou, ofegante.

Estava deitada no chão. Fora da carroça tombada.

Sua testa suava.

Olhou em volta, confusa, até perceber que ainda estava viva.

— Um sonho…? — murmurou.

Ferme e Nidaime estavam ali perto, xingando o carroceiro sem parar.

— Você é um maluco! — Nidaime apontava com raiva. — Agora são OITO batidas na sua ficha! OITO!

— Você quer nos matar!? — Ferme cruzava os braços, com a testa franzida.

O carroceiro, desesperado, tentava se explicar. Mas antes que conseguisse dizer qualquer coisa, algo se mexeu adiante.

— …Hm? — Mabel levantou um pouco o corpo e olhou na direção.

Ali, caído de lado na neve, havia um javali gigante. Cerca de três metros de altura. Estava desmaiado.

E por trás dele, surgiram mais de dez javalis menores. Eles pareciam estar fugindo de alguma coisa, mas haviam parado quando o maior caiu. Agora estavam alertas e parados, farejando o ar.

Ferme e Nidaime olharam ao mesmo tempo.

— Aquilo não parece normal… — Nidaime falou, agora mais sério.

— Não mesmo. — Ferme respondeu, puxando Mabel devagar pra levantar.

— …Vamos resolver isso logo. — disse Nidaime, limpando a neve do casaco.

Ele se aproximou e começou a recitar um encantamento de cura avançado. As palavras fluíam com precisão e uma luz dourada cobriu os ferimentos de Mabel, os selando pouco a pouco.

— Você saberia usar algo assim, Mabel? — ele perguntou, olhando de lado.

A garota hesitou.

Depois respondeu sem mudar a expressão:

— Não.

— Hein? — Nidaime arqueou a sobrancelha.

— Sou péssima com encantamentos. Nem os básicos consigo executar direito.

— Mas… — Ferme olhou pra ela, incrédulo. — A gente está a dois anos de se formar na Academia.

— Exato. — respondeu, seca. — E mesmo assim, encantamentos nunca foram meu forte.

— Mas feitiços, ao menos…? — Nidaime insistiu.

— Só sei lançar dois da minha magia de tempo. E mesmo assim, com dificuldade.

— Isso explica por que você quase morreu contra o Sekai… — Ferme falou num tom mais baixo.

— É. — Mabel abaixou o olhar. — Eu não tinha nada que pudesse me salvar naquela hora. Meus feitiços eram lentos… e eu não conseguia conjurar nenhum encantamento de emergência.

Silêncio.

— Que merda… — Nidaime estalou a língua, desviando o olhar.

Ele então se virou para os javalis e, com outro encantamento de alto nível, curou tanto o maior quanto os menores. Depois, fez o mesmo com o cavalo.

— Estão bem agora… mas… — Ferme se abaixou junto à carroça tombada. — A estrutura está toda ferrada. Uma roda rachou e o eixo entortou. Não dá pra seguir viagem com ela.

— Então vamos montar acampamento aqui mesmo. — Nidaime cruzou os braços, irritado. — Ótimo. Pelo menos não foi culpa minha.

Mabel se afastou um pouco, sentando sobre a neve úmida e fria.

O impacto da visão ainda latejava em sua mente.

Ela não parava de pensar na espada atravessando seu peito.

O sangue.

A dor.

A solidão.

Foi só um sonho? Uma premonição? Algo real?

Ela passou a mão sobre o próprio peito. Não havia ferida, mas a sensação não sumia.

— Ei, Ferme… — Nidaime chamou. — Tem alguma coisa ali?

Ferme estava parado, observando algo a alguns metros do caminho.

— Hm… — ele apontou. — Aquilo são… flores?

Os três olharam na direção que ele indicava.

Um bosque se estendia ali perto, e entre os galhos nus das árvores, um campo azul surgia sob o manto branco da neve.

— Flores azuis…? — Nidaime estranhou. — Nessa época do ano?

Mabel se levantou devagar. Seus olhos se fixaram naquele azul.

Aquele mesmo azul.

Ela engoliu em seco.

Algo naquela cena a deixava inquieta.

Mas, ao mesmo tempo, sentia uma estranha atração por aquele lugar.

Ferme se virou.

— Parece que nosso próximo acampamento vai ser ali.

E Mabel… não conseguia tirar os olhos das flores.

— Mabel?

A voz soava distante.

— Maaabel~?

Ela continuava ali, parada, encarando as flores azuis no bosque, como se o tempo tivesse desacelerado. A neve caía devagar, cobrindo os galhos e as pedras como se bordasse o mundo em silêncio. Em sua mente, a imagem da espada cravada em seu peito e o desespero por não conseguir se curar ainda vibravam com força.

— Mabel, você por acaso tá viva aí?

POC!

— AAAAAI! — ela se virou indignada, esfregando o topo da cabeça. — Qual o seu problema, Nidaime!?

— Só checando se não tinha congelado em pé. Vai que eu preciso enterrar um bloco de gelo, né? — disse o garoto com um sorriso largo, girando o gravetinho em uma das mãos.

— Idiota…

— Hehe. Bom, agora que a princesa dos pensamentos profundos voltou pra realidade: você e o Ferme pegam lenha, eu e o vovô tentamos fazer mágica com a carroça. Talvez a gente transforme ela num trenó com um foguete, nunca se sabe.

— Você é impossível… — Mabel murmurou, bufando.

Ferme já estava a alguns passos de distância, acenando com a cabeça em sinal de "vamos logo".

A neve caía suave enquanto Mabel e Ferme seguiam bosque adentro. Os galhos rangiam sob seus passos, e pequenas flores azuis brotavam entre as árvores — uma visão inesperada para aquela época do ano.

— É bonito… — Mabel comentou, sem perceber que estava sorrindo.

Ferme olhou de canto e assentiu.

— Hmm.

— Você devia falar mais. — ela disse, pulando um tronco caído com leveza.

— Você já fala por nós dois. — respondeu, seco como sempre.

— Isso foi uma indireta?

— Uma constatação.

Ela fez bico, mas logo soltou um risinho.

Andaram por mais alguns minutos em silêncio. Ferme parou, puxando a manga dela gentilmente.

— Galhos secos ali.

Foram até uma árvore caída e começaram a recolher os galhos que estavam protegidos da neve.

Mabel se abaixou ao mesmo tempo que Ferme e seus rostos quase se tocaram. Ela se afastou rapidamente, as bochechas vermelhas — talvez pela neve… talvez não.

— Você sempre foi tão sério? — ela perguntou, tentando soar casual.

— Só com quem eu gosto.

Ela piscou.

— O quê?

Ferme a ignorou, concentrando-se em quebrar um galho mais grosso.

Mabel o olhou, intrigada, mas com o coração batendo um pouco mais rápido. Ela não conseguiu evitar o sorriso tímido nos lábios.

Foi então que sentiram.

Um frio diferente do clima.

Uma presença… densa.

A pressão de uma mana poderosa percorreu seus corpos como um calafrio súbito.

— Isso veio de lá… — Ferme murmurou, já largando os galhos.

— O acampamento!

Correram juntos pela neve, os pés afundando no branco. Quando chegaram…

…Nada.

A barraca estava de pé. O velho amarrava uma lona, assobiando. Nidaime jogava sal sobre a roda da carroça quebrada, como se estivesse fazendo um ritual.

— Vocês chegaram cedo. Trouxeram lenha ou só os pés molhados? — perguntou Nidaime, virando-se com seu sorriso habitual.

— Sentimos algo. Uma presença… poderosa. — Ferme disse, olhos estreitos.

— Heeeh? Será que era a aura do meu talento transbordando? — Nidaime brincou, colocando a mão no queixo. — Ou talvez o mau humor do cavalo.

— Não tinha nada lá. — Mabel murmurou, olhando ao redor.

Ferme olhava a floresta com desconfiança.

Nidaime deu de ombros.

— Se for algo perigoso, ótimo. Vai quebrar a monotonia. Mas por enquanto… que tal nos aquecermos com um chá quentinho? Já preparei a água. — e apontou para uma chaleira sobre uma pedra encantada, soltando vapor.

Mabel e Ferme trocaram um olhar, ainda tensos.

Mas logo o cheiro de folhas doces e o calor do acampamento os chamou de volta ao presente.

Enquanto no acampamento o aroma do chá preenchia o ar e o frio era afastado por conversas amenas, não muito longe dali, entre as árvores altas e envoltas por névoa, uma figura se curvava diante do grande javali desacordado.

A neve caía suavemente sobre seu corpo, mas derretia ao tocá-lo.

Sua mão delicada acariciava o focinho da criatura com ternura.

— Obrigada por parar eles, meu amigo… — sua voz era leve como brisa de inverno. — Sinto muito por você ter se ferido.

Os dedos afagaram o pelo grosso e sujo de sangue seco.

Em seu toque, o calor da floresta antiga.

A mulher se ergueu lentamente. Seus cabelos desciam em ondas até a cintura, da cor do gelo profundo, e seus olhos tinham o brilho pálido de um lago congelado. Roupas fluidas e esvoaçantes, também azuladas, feitas de pétalas, névoas e musgo encantado, a envolviam como parte da própria floresta.

Era uma dríade.

Antiga, silenciosa.

E estava ali por um motivo.

Seus olhos se voltaram em direção ao acampamento distante. Mais precisamente… à garota de cabelos prateados, distraída perto da barraca, com a xícara de chá nas mãos.

— Hm… sua descendente é interessante, Axo.

O crepitar da lenha preenchia o silêncio da noite. Na clareira protegida pelas árvores, o pequeno acampamento parecia um oásis quente em meio ao mar gelado. As barracas estavam montadas de forma improvisada, o cavalo descansava deitado e o velho carroceiro assava um peixe defumado com uma habilidade surpreendente.

— Eu já fui chefe de uma caravana inteira, sabiam? — disse ele, soprando a fumaça do cachimbo. — Tinha uns vinte e sete burros… vinte e sete! E nenhum batia tanto a cabeça quanto esse cavalo aí. — Apontou com o cachimbo, e os jovens riram.

— Acho difícil superar a lenda das oito batidas. — Nidaime sorriu de canto, com o chapéu jogado para trás e o olhar relaxado.

— Você devia receber uma medalha de mérito por sobrevivência.

Ferme, sentado com uma manta nos ombros, apenas riu pelo nariz.

— Aposto que a metade das batidas foi culpa sua, Nidaime.

— Tsc, que injustiça. Eu só causo confusão quando estou acordado. — Piscou com um sorriso travesso, arrancando outra risada leve de Mabel.

Ela estava calada, mas seus olhos observavam. O calor do fogo refletia em seu rosto prateado, e por um momento, ela sentiu-se estranhamente… presente.

O velho continuou, empolgado:

— Uma vez, passando por Dromm no meio de uma tempestade, um dos burros resolveu brincar de pular penhasco. Adivinhem quem teve que ir buscar?

— Você mesmo? — Ferme chutou.

— Errado! — o velho riu. — Foi a minha esposa! Nunca mais falou comigo por três semanas… e ainda levou o burro embora! — Todos gargalharam com a cena imaginada.

As horas passaram com histórias, risos e chá quente.

Mas então, como um lembrete do mundo além da chama, a neve apertou.

Flocos grossos começaram a cair novamente, abafando os sons e cobrindo lentamente as pegadas ao redor.

— É melhor irmos dormir. — Ferme se levantou, ajeitando sua capa.

— Concordo. — disse Nidaime, espreguiçando-se com um bocejo falso e teatral. — Se alguém tentar nos atacar enquanto dormimos, espero que tenha piedade das minhas olheiras.

Mabel apenas assentiu, indo para dentro da barraca compartilhada. Mas mesmo ali, deitada sobre cobertores e feno improvisado, não conseguia dormir.

Virava-se de um lado para o outro, inquieta.

Havia algo estranho. Um chamado sutil no ar.

Após longos minutos em silêncio, ela se sentou.

Colocou a capa sobre os ombros e saiu da barraca.

A neve estava espessa, mas havia algo… belo.

O bosque à sua volta brilhava com luz azulada.

Flores.

Milhares delas.

As mesmas flores azuis que Ferme havia visto antes, agora cobriam todo o entorno do acampamento como um campo encantado.

— Que… — Mabel abriu a boca, encantada. — Isso não estava assim antes…

Mas antes que pudesse dar mais um passo, seu corpo vacilou.

Os olhos arregalaram-se.

Um cheiro doce, quase imperceptível, a envolveu.

— Ah… — foi tudo o que conseguiu dizer.

E então caiu.

Dura.

Silenciosa.

Um fino pólen azulado cobria o chão como uma névoa brilhante, envolvendo tudo ao redor.

No meio daquela paisagem surreal, uma figura apareceu.

Pés descalços sobre a neve que não a tocava.

Vestes que se confundiam com pétalas.

Olhos tão antigos quanto o tempo.

A dríade a observava. Silenciosa.