O Castelo perdido parte 3

Mabel acordou devagar. Estava sentada no meio de um lugar estranho, onde tudo parecia feito de um azul profundo, quase real demais. As nuvens flutuavam pelo chão, leves como névoa, e o ar tinha um silêncio quase sagrado.

— Onde…? — ela murmurou, olhando ao redor.

Aos poucos, uma figura se formou entre as nuvens. Era uma mulher de aparência serena, cabelos longos como fios de água e roupas que pareciam parte da própria floresta. Seus olhos brilhavam suaves, e a calma no seu semblante deixava o ambiente menos estranho.

— Estava te esperando, princesa Mabel de Axoland — disse com gentileza.

Mabel deu um passo para trás, cautelosa.

— Quem é você? E o que é esse lugar?

— Me chamo Liresa. Sou uma driade… ou ao menos, o que restou de nós.

Mabel piscou, surpresa.

— Uma… driade? Achei que vocês eram lenda.

Liresa assentiu lentamente, com um leve sorriso.

— Há quinhentos anos, o continente de Aenys era vivo em magia. Espíritos, fadas, vampiros, gigantes… todos viviam aqui. Mas os tempos mudaram. Os gigantes foram expulsos pelo último rei de Axo, que fundou o teu reino. Os espíritos voltaram para Elphyrae, onde seu domínio é mais forte. As fadas sumiram após um conflito com os elfos e, quanto aos vampiros… dizem que a Rainha de Ursoft os extinguiu. Mas ninguém tem certeza.

Mabel abaixou os olhos por um momento, absorvendo aquilo. Então ergueu o olhar, mais firme.

— E o que você quer comigo?

— Não quero te causar mal — respondeu Liresa. — Só quero te ajudar.

Mabel ainda estava alerta, mas já não parecia desconfiada. Ela apenas esperava.

— Algo está fora de lugar, Mabel. A floresta sente. Os ventos, os animais… todos estão inquietos. Um grupo chamado Crimson Reign está crescendo nas sombras. Plebeus, mas não comuns. Eles desejam derrubar a monarquia e criar um regime onde os nobres sejam subjugados — suas palavras eram ditas com calma, mas havia peso nelas.

— Nunca ouvi falar deles — disse Mabel, pensativa.

— Eles não se expõem. Mas fazem coisas horríveis por trás do véu. Estão realizando experimentos assustadores. Não com magia profana, como alguns suspeitam, mas com ciência. Estão ultrapassando os limites do natural.

Liresa deu alguns passos mais próximos, sua expressão triste.

— Dois nomes que talvez você conheça estão com eles: Sekai… e True. Sei que eles não compartilham do ideal do líder do grupo, mas… eles estão lá. Envolvidos. Dando força ao que não deveria existir.

Mabel ficou em silêncio. Havia algo em seus olhos — não medo, mas um tipo de inquietação que ela não costumava deixar transparecer.

— Então… foi você quem mandou o javali? — perguntou, num tom quase resignado.

— Sim. Precisávamos que você parasse ali. Só por um tempo. Você tem um papel nisso tudo, Mabel. E não está sozinha.

A princesa respirou fundo, olhando para o nada azul ao redor.

— Espero que isso tudo valha a pena, Liresa.

A driade assentiu com suavidade, enquanto as nuvens em volta começavam a brilhar.

— Eu também espero

Liresa ergueu a mão, e as nuvens ao redor começaram a girar levemente, como se respondessem ao peso do que viria a seguir.

— Os Rokuseis das Dez Divisões… — murmurou com pesar — mesmo que comecem a se mover, será tarde demais. A burocracia, o orgulho, os interesses... todos ainda cegam o conselho. Quando eles finalmente agirem, o estrago já estará feito.

Mabel apertou os punhos, o olhar fixo na driade.

— E qual o meu papel nisso?

— O mais importante — respondeu Liresa. — Você carrega um poder singular, princesa. Não só pela linhagem de Axo, mas pelo que você representa neste ciclo de ruptura.

Ela fez uma pausa, olhando para o vazio como se vasculhasse a memória do mundo.

— A Crimson Reign é liderada por um homem chamado Fubuki. Ele não é um plebeu comum… Ele nasceu nas sombras do império, alimentado pela falha dos reis e pelo silêncio dos deuses.

As nuvens à volta começaram a se agitar, tomando formas sutis — como fragmentos de lembranças.

— Permita-me mostrar.

Fubuki, ainda uma criança, corria pelas colinas cobertas de neve, os pés enterrando-se na camada espessa enquanto sua irmã o seguia de perto. Os dois riam, suas risadas se misturando ao vento cortante da manhã, enquanto ao fundo sua mãe, de cabelos negros como a noite, sorria para eles, chamando-os com voz suave.

"Apressem-se, ou vou ser a primeira a chegar na árvore!" dizia sua mãe, com um sorriso brincalhão, desafiando-os a correrem mais rápido.

A irmã de Fubuki, mais velha por alguns anos, puxava-o pelo braço, rindo ao vê-lo tentando alcançar sua mãe. Ela era mais leve, mais ágil, mas Fubuki não se importava. A felicidade no ar era o que importava. Os três estavam juntos. O frio da montanha parecia até agradável, quando se estava em boa companhia. Não havia guerra, não havia miséria. Apenas a neve, as árvores e o calor de uma família unida.

Eles jogaram bolas de neve, fizeram anjos na neve e correram atrás da mãe até que ela os pegou nos braços, os dois abraçados a ela enquanto riam. E tudo parecia perfeito.

A neve caía suavemente ao redor deles, uma dança tranquila que cobria o mundo como um manto de calma. Em momentos como aqueles, Fubuki acreditava que o mundo poderia ser mais do que uma luta constante. A vida poderia ser boa, ser tranquila, se as pessoas apenas cuidassem umas das outras.

Porém, o destino, como sempre, tinha outros planos.

Em um dia que Fubuki nunca conseguiria esquecer, o sorriso de sua mãe desapareceu. A alegria foi substituída por um silêncio denso, algo que ele não conseguia entender. Mas ele sentiu, e sua irmã sentiu, quando a vida deles começou a se desfazer lentamente, como a neve derretendo ao sol.

A memória escureceu. O branco da neve deu lugar a uma sala suja, escura, úmida. O riso infantil, agora distante, ecoava como zombaria entre as paredes de pedra.

Um nobre, de vestes pesadas e anel dourado cravado com a insígnia de uma casa irreconhecível, desceu do cavalo com a altivez dos que acham que o mundo é uma extensão de seus caprichos. Atrás dele, soldados em armaduras malcuidadas e olhos secos como piche.

— Vim cobrar o imposto deste trimestre — ele disse, sem cerimônia, encarando a mulher magra que segurava os dois filhos com um braço só. — E não aceito desculpas.

A mãe de Fubuki abaixou a cabeça. Sua voz saiu baixa, com a vergonha entrelaçada em cada sílaba.

— Eu… não tenho como pagar. Não este mês…

O nobre não hesitou. Um estalar de dedos. Três soldados avançaram.

— Então vocês três servirão à coroa de outra forma.

Gritos. Correntes. O frio da montanha foi substituído pelo frio da masmorra.

Por anos, não foram pessoas — foram coisas. Peças de um jogo cruel de servidão. Fubuki viu a mãe definhar. Viu sua irmã perder o brilho dos olhos. Viu a esperança minguar como uma vela sufocada.

E um dia…

Um dia, encontraram sua mãe deitada no chão, com um machado cravado no crânio, sangue misturado à lama, como se a vida tivesse sido jogada fora sem nenhuma cerimônia.

A lembrança se esfarela.

Liresa, a Driade, cambaleia como se sentisse cada fragmento daquela dor em seu próprio corpo. Ela leva a mão ao peito, estremecendo.

— Nngh… não consigo… ver o resto…

A cena muda.

A escuridão da lembrança dá lugar ao interior de uma gruta, escondida nos ermos próximos de uma cidade abandonada. O teto está coberto por raízes grossas e fungos brilhantes que iluminam fracamente as paredes de pedra com um tom azul-violeta.

Ali, entre as sombras vivas, caminha Aiko.

Alta, corpo firme e ágil. Ela veste roupas escuras, coladas ao corpo, feitas para movimentação silenciosa. Um capuz cobre seus cabelos, e uma máscara pálida cobre metade de seu rosto, revelando apenas seus olhos atentos. Em seus braços, carrega True, completamente desmaiado, enquanto ao lado caminha Sekai, o corpo riscado por ferimentos, mas a postura firme como se nada o afetasse.

Em sua mão direita, Aiko segura um artefato mágico — um núcleo negro envolto por arcos de cristal púrpura que pulsam levemente, como um coração que ainda reluta em bater.

Diante deles, no fim da gruta, uma parede marcada por garras. Uma cicatriz profunda na pedra.

Aiko respira fundo.

— Chegamos.

Ela encosta o artefato na marca.

A pedra responde.

Um estalo metálico ecoa, e o chão vibra levemente enquanto uma porta oculta começa a se abrir.

O grupo atravessou o longo corredor até chegar à porta final. Ao abrir, encontraram um salão espaçoso com iluminação fraca. A sala era circular, com degraus descendentes até o centro, onde uma grande mesa de pedra escura dominava o ambiente.

Sentados em volta, estavam os oito membros restantes da organização.

Orochi era o mais imponente fisicamente, com corpo musculoso, braços largos e expressão constante de irritação. Seus traços lembravam um guerreiro bruto, e seu tom de voz costumava ser direto e agressivo.

Raimo tinha aparência mais contida, cabelos pretos lisos caindo ao lado do rosto e olhos frios. Seu semblante era calmo, mas com um toque sombrio, sempre observando em silêncio.

Housenka, magro, pálido e de rosto melancólico, encarava o vazio. Sua aparência lembrava a de alguém que havia deixado a humanidade para trás.

Sora, usando um tapa-olho no lado esquerdo, mexia em um pequeno aparelho que mantinha preso ao pulso. Seu cabelo branco e bagunçado somava à sua expressão cansada e calculista.

Monza parecia jovem, mas havia algo em seus olhos que denunciava experiência. Sentado de forma desleixada, tinha cabelos dourados e curtos e um sorriso entediado.

Tom, de expressão neutra e cabelos vermelhos, mantinha-se em silêncio absoluto. Usava roupas escuras e mantinha os braços cruzados. A cicatriz próxima à boca deixava seu rosto ainda mais rígido.

Sakigane encostava-se à parede, com um sorriso arrogante. Seu cabelo branco e olhos claros passavam uma sensação incômoda. Havia algo instável nele.

No trono central, Fubuki estava sentado. Vestia roupas longas e negras idênticas às do antigo Comandante de guerra dos Quincys. Seus olhos eram cobertos por um tapa-olho e suas mangas ocultavam completamente as mãos. Ele permanecia imóvel.

Assim que Aiko, Sekai e True entraram, Fubuki se ergueu com calma.

— Relatório.

Aiko jogou True desacordado no chão e, com a mesma frieza, colocou o artefato mágico sobre a mesa.

— Missão concluída. Recuperamos o artefato. Mas houve contratempos.

Fubuki permaneceu em silêncio.

— A princesa de Axoland estava em Umbralis. Não sei o motivo. Ela nos enfrentou junto de um aprendiz de cavaleiro. True acabou envenenado pela Clemearl Netherheart.

Sekai então deu um passo à frente, cruzando os braços com um sorriso debochado.

— Vai curar ele ou vamos ver o guri virar estátua aqui no chão?

Fubuki não respondeu diretamente. Seus olhos se voltaram brevemente para True, e sua mão sumiu sob a manga, liberando um leve brilho por um segundo.

— A princesa não chamará reforços. E mesmo que chame... o artefato já está conosco. Não muda nada.

O silêncio dominou o salão por alguns instantes.

Fubuki então se virou para dois dos membros sentados.

— Princesa, hm?

Ele desceu um degrau, devagar.

— Raimo. Orochi. Iniciaremos nosso processo. Conto com vocês para conseguirem o que combinamos... e para ver o que ela planeja.