Garota Assustadora

Mabel despertou com a luz suave filtrando pelas frestas da barraca. Seu corpo ainda estava levemente dormente, mas a mente… viva. As imagens da noite anterior pareciam tão reais que quase podia sentir o cheiro das flores ainda.

Ela se levantou de súbito, empurrando a lona da barraca — e então parou. Seus olhos se arregalaram diante da visão diante de si.

Flores.

Um mar inteiro delas, desabrochando entre a neve, formando um cenário irreal. Azuladas, vívidas, como se dançassem ao vento.

Mais adiante, Ferme e Nidaime estavam ao lado do velho carroceiro, ajudando a erguer a carroça tombada. Ferme estava em silêncio, concentrado. Nidaime sorria, conversando com o velho enquanto apontava para a roda.

Ao perceber Mabel se aproximando, Ferme parou e a olhou com um olhar leve, quase preocupado. Estava prestes a perguntar algo, mas ela ergueu a mão.

— Espera. Eu preciso falar primeiro.

Ela se aproximou dos três, sua expressão mais séria do que costumava ser. As flores ao redor só tornavam o contraste ainda maior.

— Eu… conversei com uma Dríade esta noite. Não foi um sonho. O nome dela é Liresa — disse, encarando Nidaime nos olhos. — E ela me contou sobre um grupo chamado Crimson Reign.

Nidaime parou de sorrir. Ferme franziu levemente o cenho.

— Nunca ouvi esse nome. — disse Nidaime, a voz suave, mas curiosa.

— Eles estão tramando algo grande — continuou Mabel. — Ela disse que o líder deles se chama Fubuki. E que o objetivo dele... não é natural. Não sei o que ele planeja exatamente, mas a floresta inteira parece inquieta por causa disso. Os animais, a mana... tudo parece deslocado.

Ferme abaixou o olhar, pensativo.

— E essa Dríade... confiou isso a você?

— Ela disse que meu poder seria necessário. E que o tempo tá contra a gente. — Mabel cerrou os punhos. — Então é o seguinte, Nidaime... preciso que me ensine. Encantamentos, manipulação de mana, qualquer coisa que me ajude a enfrentar o que vem aí.

Nidaime arqueou uma sobrancelha, colocando o dedo no queixo e fazendo aquela expressão típica de quem está prestes a fazer piada, mas segura.

— Uau, direto ao ponto. Gosto disso. — Ele sorriu de canto. — E aqui eu achando que você só queria saber o que tem no chá da manhã.

— Não tenho tempo pra chá. — rebateu Mabel com um sorrisinho torto. — Me ensina logo, velhote.

Ferme soltou um leve suspiro, cruzando os braços.

— Vai ser perigoso… mas ela não vai recuar mesmo que a gente diga não.

— Exato. — respondeu Nidaime, erguendo os olhos para o céu. — Tá certo então. Se a floresta confiou em você… quem sou eu pra duvidar?

Ele piscou.

— Vamos começar agora, princesa das flores.

Mabel sorriu — um sorriso afiado e determinado — e deu um passo à frente.

O céu claro acima parecia observar em silêncio. E entre as pétalas e a neve, algo grande já se movia.

— Ferme — chamou Nidaime, virando o rosto por cima do ombro —, dá uma força pro velho com a carroça. Vê se dá pra improvisar uma nova roda com o que sobrou. Usa aquele cérebro de guerreiro genial pra variar.

Ferme assentiu, girando o braço pra soltar a tensão.

— Certo. Só não some, Mabel. Se der merda, vou ter que ir te buscar arrastando.

Mabel deu um tchauzinho preguiçoso com dois dedos, já caminhando ao lado de Nidaime pela neve rasa. Eles seguiram por alguns metros até o centro da planície branca. O vento estava mais calmo agora, e a neve caía leve, quase poética — mas a expressão nos dois rostos era tudo, menos serena.

Nidaime ajeitou o chapéu com um gesto fluído e então parou, firmando os pés sobre o terreno firme.

— Muito bem… vamos ao que interessa.

Mabel cruzou os braços, aguardando.

— Encantamentos — começou ele — são bem diferentes de feitiços. Enquanto os feitiços exigem moldar sua mana, transformando-a no atributo mágico que você possui… os encantamentos funcionam de forma mais direta. Menos transformação, mais execução.

Mabel assentiu, o olhar atento.

— Existem encantamentos que até envolvem atributos mágicos… mas isso aí é coisa de nível avançado, normalmente. A maioria serve pra criar efeitos rápidos, com ativação mais ágil. Seu "Time Jump", por exemplo — aquele sumiço e retorno de segundos —, é mais um encantamento do que um feitiço.

Ela arqueou a sobrancelha.

— Eu sempre ouvi que era uma técnica de dobra temporal.

— E pode até ser — disse Nidaime, dando de ombros —, mas funciona como encantamento. Você canaliza pouco, executa rápido e obtém resultado imediato. Isso é a base de um encantamento.

Ele então desenhou no chão com o pé, criando seis círculos dispostos em roda.

— As categorias principais de encantamentos são: Selamento ou Restritivos, Sensor, Defensivos, Cura, Ofensivos e Enfraquecimento. Algumas escolas ensinam outras divisões, mas essa é a mais funcional pra quem tá no campo.

Mabel olhou para os círculos e respondeu com a voz confiante:

— Meus professores na Academia Mágica disseram que meu tipo de magia tem potencial pra executar todos os tipos de encantamento.

Nidaime fez uma careta de "olha só a sabichona", inclinando levemente o chapéu pra frente como quem reconhece o peso da fala.

— É isso que eu ia dizer. Cada tipo de magia possui alguma não afinidade, ou afinidade menor, com certas categorias… mas se disseram que você tem aptidão geral, então tá jogando em outro nível, mocinha.

Ele então sorriu.

— Vamos descobrir do que você realmente é capaz.

Mabel estava focada, os olhos fechados, respirando fundo enquanto tentava manter sua mana dispersa com suavidade.

Foi quando ouviu o som súbito do ar sendo cortado.

— TCHANG!

Numa fração de segundo, uma pressão cortante veio em sua direção. Mabel sentiu um estalo, uma fagulha de mana, como uma farpa elétrica atravessando sua pele.

Instintivamente, seus olhos se arregalaram.

Ela virou a cabeça para o lado com um tranco seco, o fio de uma lâmina passando rente à sua bochecha.

— VOCÊ TÁ LOUCO?! — gritou, o coração disparado, enquanto saltava para trás.

Diante dela, Nidaime permanecia com a mesma expressão relaxada de sempre, o braço esquerdo estendido, segurando a katana curva que agora tilintava em sua mão. Seus olhos estavam semicerrados, como se estivesse observando a reação dela com curiosidade científica.

— Você sentiu a mana por dois segundos, né?

Mabel ofegava, o olhar furioso.

— Você me atacou com uma espada! Eu podia ter morrido, seu lunático!

— Podia. — Nidaime sorriu. — Mas não morreu. O encantamento sensor funcionou. Você não percebeu com os olhos, nem com os ouvidos. Percebeu com a mana. E isso… é o primeiro passo.

Ela ainda sentia o calor do susto percorrendo o corpo, mas, no fundo, sabia que ele estava certo.

— Você é doente… — murmurou, passando a mão na bochecha. — Mas… droga, eu senti.

— Exato. E se continuar sentindo, pode evitar golpes muito mais rápidos do que esse. — Nidaime girou a lâmina e a guardou de volta na bainha, com um estalo seco. — Agora, vamos testar isso em movimento. Quero ver se consegue manter o encantamento ativado enquanto se move.

Mabel o encarou com uma mistura de raiva e entusiasmo.

— Tô começando a entender por que dizem que você é um maldito gênio esquisito…

— Gênio esquisito é o que tá no meu cartão de visitas, obrigado.

E com isso, os dois se prepararam para a próxima etapa do treinamento.

Nidaime olhou para Mabel com um sorriso leve, como se tivesse completado mais um de seus testes malucos.

— Bom trabalho. Agora que você conseguiu sentir a mana, podemos dar uma pausa no encantamento sensor por hora. — Ele fez uma pausa, ajustando o chapéu em sua cabeça, seus olhos pareciam mais focados. — Vamos para os próximos.

Mabel assentiu, ainda respirando pesadamente, mas já tentando se concentrar novamente.

— Eu vou te ensinar o básico, já que a gente não tem muito tempo. — Nidaime continuou, sua voz tranquila, mas cheia de uma certa autoridade. — Você vai aprender os encantamentos mais fáceis: os sensores, defensivos e ofensivos. Vamos deixar os mais avançados para depois, quando você dominar isso.

Mabel não podia deixar de ficar aliviada ao ouvir isso. Ao menos poderia treinar algo mais rápido e prático.

— Ok, então... qual é o próximo passo?

— O próximo passo é aprimorar seu encantamento sensor. — Nidaime apontou para a neve caindo ao redor, o cenário tranquilo dando uma falsa sensação de paz. — Use-o durante a viagem. Perceba a mana ao seu redor, o tempo todo. Comece com o ambiente, as pessoas, tudo. Com o tempo, você será capaz de sentir até os momentos mais sutis de mana em movimento.

Mabel assentiu, não questionando a sabedoria de Nidaime. Ela sabia que ele não dava conselhos à toa. Mas estava ansiosa para começar com as outras categorias.

— E os defensivos? — Ela perguntou, já empolgada para avançar. — Como faço?

— Agora vamos para os defensivos. — Nidaime esticou os ombros, como se estivesse se preparando para um exercício simples. — Quero ver se consegue criar uma barreira de mana. Nada complexo, só uma forma sólida o suficiente para bloquear um golpe moderado.

Mabel concentrou-se. Fechou os olhos, canalizando sua mana e formando uma barreira reta e plana na frente de seu corpo. Era simples, mas parecia sólida e controlada.

— Aqui vai. — Mabel disse com um sorriso de confiança, abrindo os olhos e olhando para Nidaime.

Nidaime ficou em silêncio por um momento, olhando a barreira com um olhar crítico. Então, com a velocidade de um raio, ele avançou e deu um soco direto na barreira.

PÁ!

O soco atingiu a barreira com força média, mas a barreira se quebrou instantaneamente, como vidro quebrando ao impacto.

Mabel ficou paralisada por um instante, com a sensação de vergonha tomando conta dela. Ela viu o pequeno sorriso de Nidaime, mas o riso não era zombeteiro — era mais como uma observação silenciosa.

— Bom… — Mabel disse, tentando esconder a decepção em sua face. Ela havia falhado de forma tão simples. — Acho que não foi o suficiente.

Ela rapidamente tentou esconder sua expressão de frustração, fazendo de tudo para não parecer derrotada. Sabia que poderia fazer melhor, mas o golpe de Nidaime tinha sido mais forte do que imaginava.

Nidaime, por sua vez, deu uma leve risada e passou a mão pela cabeça de Mabel, o gesto quase paternal.

— Não se preocupe, você vai melhorar. — Ele disse de forma casual, como se já soubesse que seria um processo demorado. — O importante é que você já conseguiu criar a barreira. Agora, com mais treino, você vai aprender a fortalecê-la e controlá-la melhor. Vamos fazer mais uma tentativa, depois.

Mabel, agora mais tranquila, assenti. Ela sabia que o treino seria longo, mas o caminho para dominar aquilo tudo parecia claro. Ela apenas precisaria ser paciente.

— Vamos lá, então. — Ela disse com determinação renovada, a vontade de melhorar agora maior do que antes.

Nidaime sorriu, satisfeito com a atitude dela.

— Isso, princesa, é o que eu quero ver. Vamos começar de novo.

Com a barreira destruída e Mabel tentando esconder a frustração, Nidaime cruzou os braços e inclinou levemente a cabeça, como se analisasse uma equação incompleta. Ele então deu alguns passos lentos ao redor dela, como um professor diante de uma aluna teimosa.

— Sabe por que sua barreira é fraca?

Mabel, ainda com a expressão cerrada, balançou a cabeça em silêncio.

— Primeiro — ele ergueu um dedo —, ela não tem densidade. É como se você tivesse jogado uma camada fina de mana no ar e esperado que isso segurasse uma espada. Não segura nem um tapa.

Ela franziu a testa, quase irritada, mas continuou ouvindo.

— Segundo... você foi criada como uma anomalia. Seus pais, os nobres, até mesmo professores e diplomatas… todos falavam sobre sua mana absurda, sobre como você era promissora. Eu lembro desses comentários desde que eu tinha cinco anos. — Ele parou, olhando diretamente para ela. — Onze anos atrás.

Mabel o encarou, surpresa.

— Você ouviu sobre mim desde aquela época?

— É. Na época, eu nem sabia direito conjurar. Mas você já era um nome que rodava pelos salões da Academia, mesmo sem estar lá ainda. E isso... molda a cabeça de qualquer um.

Nidaime se aproximou, tirando o chapéu com uma das mãos e ajeitando o cabelo desalinhado.

— Essa confiança toda que você carrega, de que pode lidar com qualquer coisa... qualquer golpe, qualquer inimigo. Isso mexe com seu inconsciente. Por isso suas barreiras não são de proteção. São só obstáculos. Algo pra atrasar o golpe. Pra reduzir o dano. Você nunca acredita que vai ser atingida de verdade.

Mabel engoliu seco. Aquelas palavras batiam fundo, como se estivessem ecoando algo que ela nunca quis admitir.

— Então o que eu faço?

Nidaime voltou a sorrir, calmo como sempre.

— Você precisa visualizar sua barreira como algo real. Pense na forma dela. Na resistência. Na situação em que está. Não é só sobre empurrar mana e esperar que ela funcione. É sobre adaptação. Instinto. Um reflexo bem guiado.

Ele colocou o chapéu de volta.

— Com o tempo, isso vai se tornar natural. E quando se tornar... você vai conseguir executar encantamentos de restrição tranquilamente. Porque o conceito é o mesmo. Controlar. Manter. Ajustar.

Mabel inspirou fundo, absorvendo cada palavra.

— Certo — disse Nidaime, pegando um punhado de pedras do chão nevado. — Vamos ver se você consegue visualizar algo mais... sólido.

Mabel respirou fundo e estendeu a mão à frente. Sua mana se concentrou e, com esforço, formou uma barreira curva, semelhante a um escudo. Nidaime ergueu uma sobrancelha e lançou a primeira pedra com precisão.

Crack.

A barreira se quebrou ao impacto. Mabel rangeu os dentes e imediatamente refez outra, dessa vez mais espessa e angular.

Tac.

Outra pedra. Outra rachadura.

— Não visualize apenas uma parede. Imagine o material, a tensão, como se estivesse forjando algo com as mãos. — disse ele, girando mais uma pedra nos dedos. — Pense em defesa, não em bloqueio.

Ela tentou de novo. Um domo. Frágil.

Depois, um escudo esférico. Cedeu com duas pedras.

Mais uma tentativa. Mabel estalou os dedos, e a mana se moldou em um padrão hexagonal, como placas de vidro reforçado.

— Hm. Essa foi melhor. — disse Nidaime, lançando uma pedra com mais força. Ela resistiu por dois impactos antes de trincar.

— Maldição... — Mabel murmurou, suando.

— Não se cobre tanto — ele falou, pegando outra pedra. — Você não precisa criar a barreira perfeita. Só precisa entender o conceito. Agora que você sabe o que está tentando construir, o resto é repetição.

Mabel assentiu, arfando um pouco. Refez a barreira, agora em um formato oval, mais maleável. Nidaime jogou mais uma, duas, cinco pedras.

Três delas foram repelidas. Duas racharam.

Ele cruzou os braços, enfim sorrindo de leve.

— Ainda tá ruim. Mas... é um ruim promissor.

Mabel ofegava, suada, mas com um brilho nos olhos.

— Então isso quer dizer que passei?

— Isso quer dizer que você começou a entender. E pra mim, isso já vale ouro.

Nidaime estalou os ombros, ajeitou o chapéu mais uma vez e falou com o mesmo tom descontraído de sempre:

— Agora vamos pra última categoria do dia: os ofensivos. E começamos com o mais básico de todos... A boa e velha bala de mana.

Ele estendeu a mão direita, fazendo um pequeno ponto de luz azulado se formar na palma. Aos poucos, a energia girou em espiral e tomou forma de uma esfera condensada e pulsante.

— Simples. Puxa a mana, condensa e lança. Depois de um tempo, você faz isso no automático, tipo respirar.

Mabel observava atenta, os olhos seguindo cada movimento da energia na mão dele.

— Eu tenho um feitiço assim — ela disse, cruzando os braços com uma certa arrogância natural. — Se chama Chronos Paradis. É uma versão da bala de mana com minha magia de tempo.

— Chronos Paradis, hein? — Nidaime riu pelo nariz, jogando a bolinha de mana no ar e a desfazendo antes que tocasse o chão. — Então você já tem bagagem o bastante pra pular direto pro intermediário.

Ele andou alguns passos pra trás e girou a espada uma vez, apoiando-a no ombro.

— Que tal treinarmos isso com um pouco mais de emoção? Vamos lutar. Você é um gênio, aprende assustadoramente rápido... então vai ser mais fácil se você sentir isso na pele.

Mabel ergueu uma sobrancelha.

— Você quer que eu tente te acertar?

— Claro. E eu vou tentar acertar você. É mais divertido assim.

Ela estalou os dedos, criando uma leve distorção ao redor da mão.

— Você é mesmo um professor estranho.

— Eu prefiro “didático”.

Enquanto Mabel começava a reunir mana na palma, moldando o início de seu Chronos Shot, Nidaime a observava em silêncio.

“Ela aprende rápido demais… Será que é só pela necessidade de se provar? Ou ela sempre foi assim e só não quis se esforçar antes?”

A neve continuava caindo em flocos lentos. A distância entre os dois era pequena, mas a tensão mágica começava a crescer como se estivessem em um duelo real.

— Regras do treino: nada de feitiços — disse Nidaime, levantando um dedo. — Só encantamentos. E de preferência, os que a gente viu hoje. Você precisa aprender a confiar nos fundamentos, Mabel.

Ela soltou um "hmph" e cruzou os braços.

— Parece fácil vindo de alguém que sabe tudo.

— Justamente por isso eu tô te ensinando.

Os dois se distanciaram, formando um círculo imaginário entre eles na planície nevada. O vento frio batia levemente, e a neve se acumulava devagar nas bordas dos cabelos de Mabel. Mas os olhos dela brilhavam. A mesma intensidade de sempre.

— Pronta?

Mabel não respondeu. Sumiu.

A velocidade dela foi absurda, quase invisível. Nidaime nem moveu o corpo. Quando o soco veio por trás, ele se inclinou levemente e desviou como se fosse uma folha ao vento. Mabel apareceu novamente à frente e disparou outra sequência — um chute alto seguido de um soco direto. Nidaime levantou o antebraço e uma barreira curva surgiu, repelindo o impacto sem esforço.

— Tsc — Mabel recuou dois passos e concentrou mana na palma. — Chronos Shot!

Uma pequena esfera de mana foi disparada com velocidade, mas era instável, quase tremeluzente.

Nidaime desviou com um giro leve da espada.

— De novo.

— Chronos Shot! Chronos Shot! Chronos Shot!

As esferas começaram a aumentar de tamanho e velocidade conforme ela encaixava o tempo da conjuração ao seu movimento. Um padrão emergia. O ritmo.

Mesmo assim, Nidaime parecia um veterano brincando com uma aprendiz. Usava barreiras pentagonais para bloquear as mais fortes, desviava com o corpo das medianas, e quando uma vinha de forma errada, simplesmente cortava com a espada como se fosse papel.

Mabel avançava com chutes rápidos, mas era pega pelo pulso, girada no ar e jogada no chão com um baque seco.

— Tenta manter o equilíbrio. — Nidaime já estava dois passos atrás antes dela sequer se levantar.

Ela rangeu os dentes e se ergueu. Avançou de novo, mais rápida.

Um chute lateral. Nidaime travou com o antebraço e girou o corpo dela no ar. Outro tombo. Mais forte.

— Você é boa, mas tá usando força bruta com encantamento. Não vai funcionar assim comigo.

Ela se levantou, os olhos ardendo de raiva. Disparou mais Chronos Shots, agora em ritmo sincronizado com seus próprios passos. Nidaime se manteve impassível. Uma dança. Ele era o centro. E ela, um cometa girando em torno.

Mais uma sequência de socos. Ele desviou todos. A derrubou outra vez, e outra, e mais uma. Cada queda parecia levar um pouco da raiva dela embora e deixar só a frustração.

— Tá aprendendo — ele disse, tranquilo. — Tenta de novo.

Mabel se levantou pela quarta vez. As mãos tremiam, os joelhos ralados ardiam no contato com o frio da neve. A respiração saía pesada, cada vez mais densa no ar gélido. Mas seus olhos ainda estavam acesos. Determinados. Teimosos.

Nidaime ajeitou o chapéu, agora mais sério. Um brilho cortou seus olhos enquanto ele disse:

— Certo... hora de subir o nível.

No instante seguinte, ele desapareceu.

Mabel arregalou os olhos. Mal teve tempo de reagir antes que um leve toque na nuca a fizesse perder o equilíbrio. Ela caiu de cara na neve.

— Agh!

— Você ainda pensa demais. — A voz dele vinha por trás.

Ela rolou, levantou em impulso e girou o corpo num chute lateral.

Ele já estava acima.

— Chronos Shot! — gritou, atirando uma esfera com precisão para onde ele cairia.

Mas Nidaime virou no ar como uma pena, e a bala passou direto. Antes que ela percebesse, uma palma bateu levemente em sua testa. Mabel foi lançada para trás como se tivesse levado um empurrão de um gigante invisível, rolando três vezes até parar com as pernas abertas e o cabelo bagunçado, cheia de neve na boca.

— Ptuh! — cuspiu — MAS QUE DROGA!

— Lembra o que eu disse? Aprender encantamentos é adaptação. Pensamento. Tempo. Fluxo. — Ele começou a caminhar em sua direção, lentamente. — Você tem talento, Mabel. Mas talento sem forma só gera desperdício.

Ela se ergueu com dificuldade. Tentou outro soco.

Ele desviou inclinando o pescoço milimetricamente. Pegou o braço dela no ar, torceu suavemente, e a fez girar três vezes antes de jogá-la direto com as costas no chão.

— UMPH!

— Está tentando me atingir como se eu fosse seu passado.

Ela se ergueu com um grunhido de raiva. Tentou um gancho.

Ele agachou e deslizou por baixo, puxando suas pernas. Mabel caiu de costas, com as pernas para o alto e a saia ensopada de neve.

— Isso foi desnecessário! — gritou, tossindo.

— Você quer aprender encantamentos ou quer um chá quente?

Ela jogou outra Chronos Shot, agora mais instável.

Ele rebateu com um toque do dedo, e ela explodiu no ar como uma bolha de sabão.

— Você é uma gênio. Mas se continuar lutando como uma criança mimada, não vai passar de uma lembrança bonita nos salões da nobreza. Agora levanta. De novo. Vamos ver se você aguenta mais uma rodada sem beijar a neve.

Nidaime respirou fundo, passou a mão no queixo e disse com a voz baixa, mas fria como o aço:

— Chega de brincadeira, Mabel. Agora eu vou atacar. E não vou segurar. Esses golpes são pra matar.

Mabel arregalou os olhos.

— O quê...?

— Se você não se adaptar agora, nesse instante... bem, o futuro vai ter que me executar por assassinato acidental.

E antes que ela pudesse responder, ele avançou.

A neve foi arremessada para os lados com a velocidade. Nidaime surgiu como um raio, espada em mãos, seu corpo curvado para frente, cada passo fazendo o chão tremer como se algo estivesse prestes a explodir. Mabel instintivamente recuou, mas ele já estava lá.

Ela fechou os olhos por um segundo. Sensor, agora!

Um pulso de mana disparou de seu peito. O encantamento ativou, imperfeito, desestabilizado — mas real. Ela sentiu tudo ao seu redor por exatos três segundos. Três segundos em que o mundo parecia ter virado vidro e ela enxergava tudo através dele. Criaturas no subsolo, aves sobrevoando ao longe, Ferme rindo de algo perto da carroça... e Nidaime, brilhando como um farol em movimento, a dois passos dela.

Ela se lançou para o lado com um impulso girado. O golpe dele cortou o ar onde seu pescoço estava. O vento da lâmina rasgou parte de seu manto.

— Boa! — ele sorriu, os olhos brilhando com o desafio.

Ela escorregou, caiu ajoelhada e gritou:

— Chronos Wall! — Uma barreira plana se ergueu no exato instante em que outro golpe vinha.

O impacto rachou a barreira, que quebrou como vidro mágico, mas o suficiente para atrasar Nidaime por meio segundo.

— Tch...

Mabel saltou de novo, conjurou outra barreira atrás dela. Nidaime a quebrou com um soco e avançou implacável.

— Chronos Wall!

— Quebra.

— Chronos Wall!

— Quebra.

Cada barreira se despedaçava no instante seguinte ao ser erguida, mas ela já não era arrastada como antes. Estava resistindo. Atrasando. Vendo.

Seu encantamento Sensor falhava, mas ela tentava ativá-lo repetidas vezes, suando, arfando, os olhos arregalados, sentindo a mana ao redor por breves segundos, tentando manter a consciência em meio ao caos.

— Isso! — gritou Nidaime entre os ataques — Não pare, Mabel! Sinta, veja, adapte-se!

Mabel rangeu os dentes. A cada golpe, uma parede, a cada desvio, uma fagulha. Suas mãos doíam, seus joelhos sangravam, mas algo dentro dela... queimava.

E ela estava ficando mais rápida. Mais precisa.

Mesmo que fosse só por segundos.

A neve rodopiava ao redor dos dois como véus de fumaça em um palco de morte. Mabel arfava, os braços erguidos, o corpo coberto de arranhões e as vestes rasgadas em vários pontos. Nidaime, ainda firme, limpava um filete de sangue no canto dos lábios — a primeira vez que havia se cortado no treino.

Ela já não atacava por impulso. Cada movimento era calculado, encadeado com um encantamento defensivo ou um sensor temporário. Um avanço, um salto, uma barreira — e por fim, uma sequência de Chronos Shots lançadas em diferentes ângulos, forçando Nidaime a bloquear com barreiras pentagonais enquanto se movia para não ser encurralado.

“Ela entendeu. Ela tá lendo meu ritmo.” — pensou ele, desviando de um chute que passou rente ao seu rosto.

De repente, Mabel recuou dois passos. Respirou fundo. Um brilho diferente acendeu em seus olhos.

— Chronos Wall! — ela gritou, erguendo uma barreira à frente.

Nidaime riu.

— De novo? Você sabe que isso não segura mais nada.

— Exato. — disse ela.

E no instante em que ele ergueu a espada para despedaçá-la de novo, Mabel pisou firme no chão, estendeu o braço direito para frente com os dedos fechados e gritou sem perceber:

— Tempora Flash!

Foi como o rasgo do próprio tempo.

Um feixe azul-claro, tão fino quanto uma lâmin, cortou em linha reta tudo à sua frente. A neve evaporou num traço. A barreira foi obliterada, e o feixe atravessou com fúria... exatamente onde Nidaime estava.

Instinto.

Só isso o salvou.

Ele inclinou o corpo no último segundo, girando no ar como uma folha, e o feixe passou rente ao seu peito, cortando a gola de sua camisa e arrancando violentamente seu chapéu, que caiu girando e pousou suavemente no chão congelado.

Um silêncio brutal dominou o campo por alguns segundos.

Nidaime, de pé, encarava a linha de destruição onde o feixe rasgara o chão por quase trinta metros. Mabel tremia, sem saber o que tinha feito.

Ele levou a mão lentamente até o cabelo, onde antes estava o chapéu.

— … Se eu não tivesse desviado…

Ele olhou para ela com olhos mais sérios do que jamais havia mostrado.