30 - Uma traição

Agora, depois que tudo tinha passado, Salin começava a aceitar a situação, aceitar fazer parte daquilo, aceitar quem Jun-ho era.

— Jun-ho?

— Hm?

— Você acha certo eles verem o meu rosto?

Jun-ho apertou mais o volante. Já tinha conversado sobre isso com Jaeho. Na verdade, esse era o ponto que o pai dele mais tinha enfatizado. Mas ele não sabia qual era o momento certo de falar; fazia só duas semanas desde que tinham estabelecido aquele noivado falso.

— Jun? — Salin insistiu.

Jun-ho suspirou, apreensivo.

— Seu irmão, o Sora, se envolveu muito mais do que você imagina.

— E o que isso tem a ver comigo?

— A Uivante é um grupo que não perdoa. Você, seu pai, sua mãe, seus irmãos mais novos… todos vocês estão na lista.

— O quê?

— Eu já sabia do seu irmão. Ia oferecer proteção se ele priorizasse o pagamento. Em vez disso, encontrei você. Gostei de você, e decidi fazer isso por conta própria. O conselho caiu em cima, começaram os boatos de que estávamos juntos. Não podia confirmar. Se confirmasse, você estaria em ainda mais perigo. Enquanto isso, seu irmão foi parar no hospital. Disseram a ele que matariam você, por isso ele se afastou.

— Então eu estava pronto pra arriscar tudo. Ia sair do hospital naquele dia e encarar o conselho, e eles me forçariam a abdicar do cargo. Mas você me surpreendeu. Aproveitei a chance: não perderia o cargo, nem você, e sua família ficaria protegida. Tudo podia dar certo.

— Espera, espera… tudo isso acontecendo e você não me contou nada? — A surpresa e o medo na voz de Salin eram evidentes.

— Se eu tivesse contado desde o início…

— Eu teria aceitado! — A resposta de Salin pegou Jun-ho de surpresa. Ele reduziu a velocidade do carro para pensar melhor, e Salin continuou: — Achei que só a vida do meu irmão estivesse em risco, mas é de todos nós? Achei que você era quem mais se beneficiava desse noivado. Mas, claramente, sou eu. Meu Deus, esse tempo todo você tem me protegido?

— Salin, isso não é nada. Temos vários devedores sob proteção. Mas você… é o único com quem eu quero me casar. — Seus olhares se encontraram brevemente, e Salin se sentiu atingido pelas palavras.

— Ah, então admite! — Salin deu um tapa de leve no ombro de Jun-ho, fazendo-o sorrir.

— Mas você é tão difícil. Podia ao menos se entregar logo pra mim.

— Você não ia aguentar.

— Só faz o que eu mando.

— E ainda é mandão.

Apesar da troca leve, um certo silêncio pairou entre eles.

— Agora entendo por que seu pai ficou tão irritado quando meu irmão foi espancado. Tinha muita coisa em jogo. Achei que ele só queria me testar.

— Ele queria te testar, mas não mentiu em nada do que disse. Eu realmente falhei. Disse que cuidaria do Sora, mas não consegui.

— Então quer dizer que meu rosto já é conhecido por quem quer me matar?

— Sim. Por isso, esconder agora…

— Não faz sentido. Entendi. Mas e depois?

Salin se perguntou se um dia teria a vida de volta. Um pressentimento ruim percorreu seu corpo, mas a voz calma e decidida de Jun-ho trouxe a resposta:

— Eu vou destruir a Uivante. Nenhum deles vai sobrar. Então, não se preocupe.

— Entendido. — disse ele, tentando não pensar demais, sabendo que Jun-ho não estava mentindo.

— Mas tenho pouco tempo. — Ele sorriu. — A não ser que você queira estender…

Salin achou melhor não responder o óbvio, enquanto Jun-ho mantinha o sorriso, até que o celular tocou.

Ele encostou o carro, e Thomas André parou o veículo logo à frente.

O sorriso de Jun-ho sumiu na hora.

Ele bateu com força no volante, assustando Salin.

— Droga! — Seu olhar tenso encontrou o de Salin. — Desculpa, Sali. Pode ir pra casa com o Jaeho? Preciso verificar uma coisa.

— O Jaeho já deve estar longe daqui. Se for urgente, vamos logo. Eu não saio do carro, me escondo se precisar. — Sentindo o clima pesado, Salin não queria ser um estorvo.

Jun-ho suspirou, voltando a pensar com clareza.

— Não precisa se esconder, provavelmente não vai ter ninguém lá. — Ele franziu a testa, frustrado. — Vamos.

Ele religou o carro e seguiu em frente. Thomas André e Lee Dong foram logo atrás; eles já sabiam do que se tratava.

Salin apertou mais o cinto. Jun-ho estava tenso. Algo tinha acontecido.

O caminho escureceu. Mesmo sendo dia, os carros entraram em ruas sinuosas e becos estreitos até chegarem a um galpão.

Salin ficou inquieto ao ver Jun-ho saindo do carro.

O herdeiro da Golden entrou no galpão vazio e imediatamente sentiu o peso esmagador da traição.

O lugar, que deveria estar cheio de aliados e armas, estava deserto. Só o eco dos próprios passos preenchia o silêncio. No chão, havia uma folha dobrada sob uma pedra. Ele pegou e leu as palavras que lhe causaram repulsa: “Eles pagam melhor.”

Sua mente girava. Alguém tinha traído sua confiança, e isso mancharia sua reputação. Seu pai e o conselho nunca aceitariam outra falha como essa. Mas ali estava ele.

O silêncio que se seguiu pareceu eterno.

Thomas André sempre dissera que o medo era a base da lealdade, que pra liderar com autoridade, era preciso manter todos sob controle. Jun-ho não sentia que tinha falhado nisso. E, ainda assim, agora, sua autoridade estava em risco. A confiança que lutava tanto para reconquistar estava de novo ameaçada por uma traição que ele não viu chegar.

De novo, ele estava passando por isso. De novo.

Sua ex-esposa tinha feito o mesmo, deixando um bilhete certa noite:

“Você nunca vai mudar.”

Ele amassou o bilhete com força. Respirou fundo, tentando conter a raiva, mas os punhos cerrados e o maxilar tenso entregavam sua frustração.