Capítulo 8 – Cansaço Silencioso
Os dias se tornaram uma repetição mecânica.
Acordar. Ir à associação. Seguir pela trilha até a floresta. Observar. Atacar. Recolher os restos. Voltar. Entregar. Repetir.
Gabriel, ainda que silencioso e reservado, não era de ferro. Por mais que o corpo estivesse intacto, a mente começava a se desgastar. Caçar lobos todos os dias — sempre os mesmos movimentos, os mesmos uivos, os mesmos olhos brilhando entre as árvores — estava se tornando algo sufocante.
Ele fazia aquilo por dinheiro, claro. Não precisava da experiência. Essa vinha naturalmente, como um rio que nunca parava de correr. Mas viver preso na mesma missão, nos mesmos lobos, no mesmo caminho… começava a irritá-lo por dentro.
Na última caçada, ao mirar um novo lobo entre as árvores, ele hesitou. Não por medo, não por insegurança. Mas por pura saturação.
— "De novo esse grunhido... de novo esse cheiro..." — pensou, cerrando os olhos por um momento.
Mesmo o sistema, que silenciosamente atualizava seu progresso, não era mais empolgante como antes.
[Progresso: 38%]
Estava crescendo. Estava ficando mais forte. Mas também… entediado.
Ao retornar para a cidade naquele dia, Gabriel não seguiu direto para a associação. Parou em uma das margens do rio que cortava a entrada da cidade, sentou-se numa pedra e apenas observou a água correndo.
Gabriel permaneceu ali, sentado à beira do rio, por longos minutos. O som da água corrente era mais relaxante do que qualquer magia de cura. O brilho do sol refletido na superfície ondulada o hipnotizava, oferecendo uma pausa silenciosa no ciclo repetitivo dos últimos dias.
Mas a pausa, como tudo naquele mundo, não podia durar para sempre.
Levantou-se com um suspiro calmo, sacudindo a poeira das roupas e ajeitando o cinto com os poucos materiais que havia recolhido naquela manhã. Ele ainda precisava encerrar oficialmente a missão — entregar os recursos, coletar o pagamento, manter as aparências.
Caminhou pelas ruas já movimentadas da cidade, os sons familiares de vozes, martelos e rodas preenchendo o ar. Ao entrar na associação, a atendente o cumprimentou com o mesmo sorriso de sempre.
— Mais lobos? — perguntou, já reconhecendo o padrão.
Gabriel assentiu, tirando as garras e peles e colocando sobre o balcão. O processo de avaliação foi rápido. Ela nem precisou dizer o valor — ele já sabia o quanto valia cada parte daquele animal.
Enquanto a atendente registrava os dados, Gabriel desviou o olhar para o quadro de missões na parede. Pela primeira vez em dias, algo dentro dele se moveu.
Um pensamento.
Um impulso.
— Talvez esteja na hora de tentar algo novo — murmurou para si.
[Progresso: 39%]
Gabriel ficou parado por um momento, os olhos fixos nas missões exibidas na parede. Ele sabia que tinha vontade de mudar de atividade, buscar algo mais interessante, mais desafiador. Mas logo se lembrou de algo importante: ele não podia dar passos grandes demais agora. O sistema dele era um tanto peculiar, e enquanto outros caçadores enfrentavam monstros de nível 3 com semanas de treinamento e experiência, ele tinha acabado de chegar ao nível 3.
Qualquer missão acima do nível 2 chamaria a atenção. Não só pela rapidez com que ele evoluía, mas também pelo fato de que ele ainda era um caçador novato, de rank F. Se começasse a pegar missões de nível 3, logo os rumores se espalhariam. A cidade inteira ficaria sabendo de sua rápida ascensão — e isso poderia atrair olhares indesejados.
— “Ainda não é a hora…” — pensou, voltando sua atenção para as missões de nível 2.
Ele se aproximou do quadro e começou a vasculhar as opções, procurando por uma missão que não fosse demasiado notável. Algo simples, uma missão de rotina, mas que não o fizesse parecer um caçador que estava saltando de nível mais rápido do que deveria.
Escolheu, por fim, uma missão de coleta de materiais na floresta. Era um trabalho que muitos faziam. Uma opção segura.
— "Essa servirá," — pensou, e dirigiu-se novamente ao balcão.
Entregou a escolha à atendente, que lhe entregou o pagamento pela caçada anterior, enquanto anotava a nova missão.
Com a missão garantida e a mente já em paz, Gabriel saiu da associação, decidido a seguir com cautela. A velocidade de sua evolução podia ser um segredo bem guardado, mas ele sabia que, para continuar crescendo sem causar alarde, precisaria agir com mais estratégia. O tempo era seu aliado, e enquanto o sistema o sustentasse, ele poderia escolher quando e como chamar a atenção.
E por agora, o mais inteligente seria continuar com as missões mais simples.
Gabriel caminhava pelas ruas da cidade com passos decididos, já tendo em mente o objetivo do dia: completar a missão de coleta de materiais na floresta. Embora a tarefa fosse simples, ele sabia que era a escolha certa, evitando assim qualquer tipo de suspeita. Ele ainda precisava se manter discreto, pelo menos até alcançar um nível mais alto de reconhecimento.
Enquanto atravessava a ponte sobre o rio que cortava a cidade, a paisagem ao seu redor parecia calma. O som do vento nas árvores e o cheiro fresco de terra molhada o acompanhavam, criando uma sensação de tranquilidade que ele não sentia em sua rotina de caçadas.
Ao chegar à entrada da floresta, ele percebeu que a área ainda estava bastante tranquila, com apenas alguns caçadores em vista, se aventurando em suas próprias missões. Gabriel, no entanto, não estava ali para caçar monstros ou criaturas perigosas. Ele seguiria pelos trilhos conhecidos, onde as ervas e os materiais simples cresciam — algo fácil de encontrar, sem grandes desafios, mas suficiente para manter as aparências.
O trabalho de coleta não demoraria muito. Ele conhecia bem o caminho e sabia onde procurar. Os minutos passavam enquanto ele recolhia as ervas, verificando com cuidado para não pegar algo que não fosse necessário. O sol já começava a se pôr, marcando o fim de mais uma tarde tranquila de trabalho.
De volta ao local onde a floresta começava a se abrir para a cidade, Gabriel sentiu que, embora tivesse cumprido sua missão, a sensação de estar preso em um ciclo monótono ainda o incomodava. Contudo, o tempo lhe daria o que ele queria: mais força, mais experiência, mais tempo para explorar possibilidades.
Por enquanto, ele sabia que cada passo dado em direção à ascensão era essencial, mesmo que fosse, como hoje, apenas mais uma missão rotineira.
Gabriel seguiu pela trilha de volta para a cidade, a missão já cumprida e os materiais de coleta guardados em seu cinto. O vento fresco da tarde ainda acariciava seu rosto, mas sua mente estava focada no próximo passo. Chegando à associação, ele fez seu caminho até o balcão onde a atendente estava organizando os registros de outras missões.
— Mais materiais coletados, certo? — ela perguntou com um sorriso cordial, já acostumada com sua presença diária.
Gabriel assentiu e entregou os itens que havia recolhido na floresta. A atendente fez uma rápida avaliação, registrou tudo e então entregou-lhe o pagamento pela missão completada.
— Aqui está sua recompensa, Gabriel. Boa sorte nas próximas.
Ele pegou as moedas, agradeceu com um simples aceno de cabeça e se retirou da associação. O dia já estava no fim, e o silêncio de sua casa o aguardava. Caminhou pelas ruas da cidade, passando por algumas lojas fechadas e ruas mais desertas.
Ao chegar em sua casa, empurrou a porta de madeira com um leve esforço, entrando no espaço simples e acolhedor. Colocou a espada na parede e guardou as moedas no pequeno baú que usava para armazenar seus ganhos.
Sentou-se na cama por um momento, observando o quarto vazio. Não havia pressa, nem urgência. Era mais um dia que passava, mais uma missão cumprida. Mesmo que o cansaço fosse mínimo, ele sabia que, aos poucos, seus dias começavam a se preencher com esse ciclo repetitivo.
E, por mais que sentisse a pressão do tempo, sabia que o progresso estava sendo feito — ainda que devagar.
Fechou os olhos, deixou-se cair na cama e se permitiu um descanso merecido, ciente de que o amanhã traria mais do mesmo. Mas, ao menos, era um passo em direção a algo maior.
E com isso, adormeceu.