Capítulo 23: O Fogo que Anda
O tempo havia passado de forma quase imperceptível para Gabriel. Sua rotina agora era clara: acordar cedo, preparar seus equipamentos, revisar suas magias e partir para a floresta ou montanhas em busca de monstros. Desde que deixara de pegar missões diretas na associação, sua liberdade aumentara. Já não precisava se explicar, não precisava dar satisfação. Caçava o que quisesse, quando quisesse, e voltava apenas para vender os recursos.
Naquele novo dia, o destino seria diferente. Gabriel havia escutado histórias de uma criatura perigosa e evasiva que habitava a região vulcânica ao leste de Nova City: a salamandra mágica de nível 5. Poucos caçadores se aventuravam até lá. Não só pela temperatura escaldante, mas também pela natureza agressiva do monstro.
Segundo relatos, essas salamandras não eram simples lagartos de fogo. Eram criaturas mágicas que se alimentavam da energia do magma e do calor do ambiente. Tinham corpo escamoso avermelhado, com placas negras de proteção nas costas. Seus olhos pareciam brilhar com brasas vivas e, a cada passo, deixavam um rastro de cinzas fumegantes. Algumas, segundo os rumores, podiam cuspir labaredas com poder destrutivo.
Gabriel se preparou com cuidado. Vestiu roupas encantadas com resistência térmica — compradas com parte do dinheiro acumulado nas caçadas — e reforçou suas proteções mágicas. Levava água, alguns suprimentos básicos e, claro, todas as suas magias afiadas, prontas para o combate.
…
A viagem até a zona vulcânica foi longa. O solo começava a mudar sutilmente, passando de terra marrom e grama verde para tons acinzentados e pedras rachadas. A vegetação diminuía, até que tudo ao redor se tornava estéril. Vapores saíam do chão em pequenas fissuras e o ar ganhava um cheiro forte de enxofre.
Gabriel não se abalou.
Após algumas horas de caminhada, ele avistou uma das criaturas. Estava próxima de uma fenda aberta no solo, de onde saía um brilho laranja intenso. A salamandra estava ali, deitada como se estivesse tomando um banho de calor. Seu corpo escamoso parecia brilhar, refletindo a luz do magma.
Gabriel se escondeu por trás de uma pedra e observou. Precisava de uma abordagem rápida. As salamandras eram ágeis, e se percebessem perigo, fugiam para dentro das fendas e túneis subterrâneos. Era agora ou nunca.
Ele levantou a mão discretamente.
— Magia de gelo: Lanças congelantes.
Três lanças cristalinas se formaram ao seu redor, rodando no ar. Com um movimento seco, ele as lançou. As lanças cortaram o ar em alta velocidade, e uma delas atingiu em cheio a lateral da salamandra, que se levantou imediatamente, rugindo.
A criatura cuspiu uma labareda contra o local de onde o ataque veio, mas Gabriel já havia se deslocado, rolando para o lado e surgindo do outro extremo da rocha.
— Magia de gelo: Prisão de Neve.
Uma nevasca localizada surgiu ao redor da salamandra, limitando sua movimentação e abafando parte do calor. Era o choque dos elementos — gelo contra fogo.
A salamandra tentou escapar, mas Gabriel lançou o golpe final.
— Magia de metal: Lâmina giratória!
Uma grande lâmina mágica surgiu, girando com velocidade e precisão, atingindo o ponto vulnerável na barriga da criatura. Com um último rugido, a salamandra caiu, vencida.
…
Gabriel se aproximou e começou a coletar os materiais: as escamas, a pedra de fogo no interior do peito, e uma parte das garras incandescentes.
Ele estava suado, ofegante, mas satisfeito. As salamandras eram fortes, rápidas e exigiam estratégia. Diferente de caçar bandidos ou lobos… isso sim era um desafio. E Gabriel gostava disso.
Ainda havia outras salamandras nas redondezas. E ele não tinha planos de voltar tão cedo.
A região vulcânica parecia um mundo à parte. O calor era constante, opressor, e o silêncio só era quebrado por ocasionais tremores leves e o som distante de rochas se partindo. Gabriel já havia caçado sua primeira salamandra, mas não pretendia parar por ali. Seu corpo estava acostumando com o calor, e ele percebia que, à medida que caçava, suas estratégias evoluíam.
Ainda havia mais salamandras pelas redondezas, e ele queria testar algo novo. Até agora usava magia de gelo para confrontar o fogo das criaturas, ou metal para ataques físicos precisos. Mas e se mudasse a abordagem? Queria observar como as salamandras reagiriam a veneno — um elemento que corroía por dentro, ao invés de atacar com força bruta ou impacto direto.
…
Depois de caminhar por uma trilha de rochas negras, Gabriel encontrou outra salamandra. Esta parecia maior que a anterior. Estava deitada parcialmente dentro de uma cratera, suas escamas brilhando com tons laranja e vermelho, como se fosse feita de lava viva. Ela parecia tranquila, mas qualquer passo em falso poderia despertar sua fúria.
Gabriel não hesitou.
— Magia de veneno: Névoa tóxica.
Um vapor esverdeado começou a se formar à sua frente e se espalhou pelo ambiente como uma névoa rasteira, cercando a salamandra. A criatura imediatamente ergueu a cabeça, incomodada. Seu corpo reagia mal à presença daquela energia corrosiva. Ela tentou escapar, movendo-se para trás, mas a névoa já a envolvia.
Gabriel observava de longe, protegido por uma barreira mágica sutil.
A salamandra rugiu e cuspiu fogo, mas as labaredas se dissipavam parcialmente ao atravessar a névoa. O veneno, embora não fosse letal rapidamente para uma criatura tão robusta, estava enfraquecendo-a, afetando sua respiração e deixando suas movimentações mais lentas.
— Agora — murmurou Gabriel.
Ele avançou com velocidade e conjurou outra magia.
— Magia de metal: Estacas perfurantes!
Do chão, várias estacas metálicas surgiram e perfuraram a criatura ainda envolta na névoa tóxica. A salamandra estremeceu e caiu com um estrondo abafado, derrotada.
…
Gabriel se aproximou para coletar os itens. As escamas dessa salamandra tinham uma coloração mais escura, quase preta, indicando que talvez fosse mais velha ou estivesse em um estágio avançado de poder. A pedra mágica de fogo que ele extraiu do peito dela vibrava com uma energia intensa — algo que poderia valer bastante quando vendesse na associação.
Ele respirou fundo, enxugando o suor da testa. Usar magia de veneno havia sido eficaz, embora exigisse mais paciência. Não era uma técnica para confrontos diretos, mas sim para enfraquecer aos poucos.
Gabriel olhou ao redor. Ainda haviam outras salamandras por ali, e ele sabia que o local era rico em recursos e desafios.
Mas, por hora, ele decidiu que era suficiente. Estava com uma boa quantidade de materiais, e o calor excessivo já começava a incomodar.
Com a mochila reforçada e os mantos encharcados de suor, Gabriel começou a caminhar de volta em direção à cidade. Ao longe, o céu começava a se tingir de vermelho com o entardecer.
Ele ainda era jovem, mas seus olhos carregavam a expressão de alguém que não parava de crescer. E amanhã, ele caçaria novamente.