Capítulo 29: Ossos do Silêncio

Capítulo 29: Ossos do Silêncio

Algum tempo se passou

Os ventos frios que sopravam no final da tarde traziam consigo o cheiro antigo da terra úmida e folhas secas. Gabriel caminhava por uma trilha entre colinas cobertas por árvores de casca retorcida. Era um lugar antigo, conhecido por ser um cemitério abandonado de tempos passados — e agora, um terreno fértil para monstros do tipo morto-vivo.

O alvo do dia era um monstro que ele nunca havia enfrentado: o Esqueleto de Nível 6.

Segundo as informações obtidas na associação, esses monstros se formavam a partir dos restos mortais de guerreiros que morreram em batalha e foram corrompidos por energia mágica escura. Seus ossos eram densos e cobertos por marcas rúnicas, seus olhos brilhavam em vermelho e, apesar da aparência frágil, eram rápidos e precisos, usando espadas enferrujadas encantadas que ainda carregavam vestígios de magia letal.

Gabriel parou ao avistar o primeiro deles.

A criatura se levantava lentamente de uma fenda no chão. Ossos rangendo, as juntas estalando como galhos secos. Tinha quase dois metros de altura, seu crânio rachado reluzia sob a luz opaca do céu nublado, e sua armadura partida dava a ele um aspecto de guerreiro espectral. Carregava uma espada curva e uma espécie de escudo improvisado feito de ossos trançados.

Gabriel não perdeu tempo. Sabia que aqueles monstros poderiam se mover em grupos. Ele ergueu uma das mãos e conjurou magia de raio nível 6, fazendo a energia crepitar em torno de seus dedos.

O esqueleto avançou.

Rápido demais para algo sem carne.

Gabriel desviou do primeiro ataque por pouco, o som metálico da espada roçando contra o chão ecoou sinistro. Ele recuou dois passos, então lançou um raio direto no peito do esqueleto. A energia percorreu os ossos da criatura, fazendo-a estremecer por um instante — mas não foi o suficiente para derrubá-la.

— Resistente… — murmurou Gabriel, então mudou de estratégia.

Dessa vez, canalizou magia de gelo, e uma rajada cortante surgiu de suas mãos, cobrindo os ossos da criatura com cristais azulados. O esqueleto tentou se mover, mas parte de suas articulações estavam congeladas. Gabriel então se aproximou com rapidez e, com um movimento preciso, desferiu um golpe com sua espada curta de ferro — bem na junção do pescoço com o tórax.

A cabeça rolou pelo chão, os olhos vermelhos se apagaram lentamente, e o resto do corpo caiu em pedaços.

Silêncio.

Gabriel respirou fundo, observando ao redor. Não havia mais monstros à vista. Ele se abaixou para examinar os restos do esqueleto, pegando um fragmento de osso mágico ainda vibrando com energia negra.

— Vai valer alguma coisa na associação.

Ao longo da tarde, enfrentou mais dois esqueletos. Todos tinham aparências semelhantes, mas cada um parecia carregar pequenas variações de armaduras e armas, como se realmente tivessem sido guerreiros de diferentes épocas. Um deles, inclusive, usava um elmo inteiro, com chifres dourados e símbolos mágicos gravados na testa.

Gabriel precisou usar magia de fogo e raio ao mesmo tempo para destruí-lo.

Quando o sol já estava baixo no horizonte, ele recolheu todos os recursos dos esqueletos caçados e começou o caminho de volta. A luta tinha sido intensa, mas satisfatória. Havia algo de poético em enfrentar os restos de guerreiros antigos — como se ele também trilhasse um caminho para se tornar lenda algum dia.

Com os ossos embrulhados em um tecido encantado e guardados no cinto de utilidades, ele desapareceu entre as árvores, rumo à cidade.

Na manhã seguinte, levaria os itens à associação e decidiria se continuaria caçando monstros… ou bandidos.

Gabriel estava satisfeito com a luta anterior, mas ainda sentia que podia ir além. Ele havia recuperado rapidamente sua energia mágica, e sua vontade de continuar era alimentada por algo mais profundo — uma mistura de curiosidade, confiança e aquela sensação constante de que o mundo ainda não tinha desafiado seu verdadeiro potencial.

Enquanto caminhava por uma clareira mais profunda da floresta, ele sentiu a presença deles antes mesmo de vê-los.

Dez esqueletos de nível 6 marchavam lentamente entre as árvores, formando uma fileira irregular. Cada um empunhava uma arma diferente: espadas, lanças, machados, até mesmo uma foice. Seus olhos vermelhos brilhavam como brasas no fim do crepúsculo. As armaduras antigas e enferrujadas refletiam a luz alaranjada do entardecer, e seus ossos, cobertos por símbolos arcanos, vibravam com uma aura de magia corrompida.

Gabriel parou, avaliando a situação com frieza.

— Dez de nível 6, hein...

Ele lembrou de uma regra fundamental entre os caçadores:

Um caçador de nível 2 geralmente conseguia enfrentar até cinco adversários de nível 1.

E com monstros, a proporção era maior — um caçador de nível 2 podia vencer até dez monstros de nível 1, se estivesse bem preparado.

Essa lógica se repetia para os demais níveis, por isso a maioria dos caçadores evitava lutar contra grandes grupos de monstros do mesmo nível. Dez esqueletos de nível 6 era um desafio que assustaria qualquer um. Mas Gabriel não era como os outros.

— Vocês vão me dar trabalho... mas não tanto assim.

Erguendo as mãos, ele começou a canalizar energia mágica. O ar ao redor crepitou com eletricidade e calor.

Magia de Raio Nível 6.

Magia de Fogo Nível 6.

Ambas em área.

Um círculo mágico enorme se formou abaixo dos pés de Gabriel, brilhando com runas complexas. Os esqueletos, alertados pela ativação do feitiço, aceleraram seus passos, agora correndo em sua direção como uma onda de morte.

Mas Gabriel já havia finalizado o encantamento.

— Queimem.

Uma chuva de chamas desceu do céu como meteoros, explodindo entre os esqueletos. O chão tremeu com o impacto das explosões. O calor fez as árvores próximas enegrecerem e folhas pegarem fogo. Antes que a poeira abaixasse, uma corrente de relâmpagos atravessou o campo de batalha, eletrocutando tudo que ainda se movia.

O cheiro de ossos queimados tomou conta do ar.

Cinco esqueletos caíram instantaneamente. Os outros resistiram por pouco — alguns tiveram membros arrancados, outros cambalearam com os olhos ainda brilhando, mesmo com rachaduras visíveis nos crânios e torsos.

Gabriel não recuou.

Correu em direção ao grupo restante, finalizando-os com golpes certeiros da espada e pequenos disparos de magia concentrada. Quando o último caiu, Gabriel soltou o ar num suspiro leve, observando os corpos fragmentados ao chão.

— Isso foi mais divertido do que imaginei...

Pegou os recursos: fragmentos ósseos mágicos, núcleos corrompidos e algumas armas rúnicas danificadas, mas que poderiam render algum valor na associação.

Ele sabia que enfrentaria desafios maiores no futuro. Monstros mais fortes, mais inteligentes. Mas naquele momento, cercado por cinzas e faíscas que ainda dançavam no ar, ele sentia-se soberano.

Caminhou de volta em silêncio, como se aquela luta não tivesse sido nada demais. Para Gabriel, era apenas mais um passo. Mais uma caçada. Mais uma vitória.

E ele não iria parar tão cedo.