o jogo

O fim do dia chegou devagar. O céu no balneário estava pintado em tons alaranjados, e a brisa leve deixava o momento quase poético. Felipe e Paola caminharam até o carro em silêncio, cada um mergulhado em seus próprios pensamentos. A atmosfera entre os dois era mais suave, mas carregada de algo novo — confuso, incerto e perigoso.

No caminho de volta, ele dirigia devagar, com uma das mãos no volante e a outra apoiada na perna. Olhava para frente, mas parecia pensar em mil coisas ao mesmo tempo. Paola observava a paisagem, mas sentia o coração bater mais rápido a cada olhar discreto que ele lançava para ela.

Ao chegarem à mansão, já era noite. A casa silenciosa parecia ainda maior. Ele desligou o carro, saiu e contornou o veículo para abrir a porta para ela. Foi gentil, mas hesitante.

— Obrigada — ela disse, tentando parecer firme.

Quando ela se virou para entrar, ele a segurou levemente pelo braço. Seus olhos se encontraram por um segundo longo demais.

— Espera...

Paola não teve tempo de perguntar nada. Felipe se aproximou e encostou os lábios nos dela em um selinho rápido, suave e inesperado.

Ela ficou paralisada. Não houve reciprocidade, mas também não houve rejeição imediata. Quando ele se afastou, ela o olhou, confusa.

— Por quê?

Ele hesitou, passando a mão pela nuca.

— Eu... Não sei. Foi impulso. Esquece isso, tá?

Ela assentiu, mas o clima entre os dois mudou. O silêncio que seguiu foi desconfortável. Entraram na casa sem trocar mais nenhuma palavra. Felipe subiu para o quarto dele, e Paola ficou um tempo na sala, processando tudo.

"Não posso me deixar envolver", pensava. "Isso aqui é uma prisão disfarçada de mansão."

Naquela noite, ela tomou o remédio que o médico havia deixado. Precisava dormir. Precisava descansar. E, acima de tudo, precisava esquecer aquele beijo.

Dormiu pesado e acordou tarde no dia seguinte. O relógio marcava quase 14h. Ainda sonolenta, levantou-se devagar. Já se sentia um pouco melhor, mas ainda havia cansaço no corpo. O café estava servido. Ela comeu em silêncio.

Os dias seguintes passaram em uma rotina silenciosa. Felipe agia de forma distante, como se o beijo nunca tivesse acontecido. Ambos evitavam se olhar por muito tempo, e a convivência virou uma dança cuidadosa de palavras contadas e gestos medidos.

Três dias depois, no fim da tarde, Felipe apareceu na porta do quarto dela. Estava sério, com as mãos nos bolsos da calça social.

— Preciso falar com você.

— O que foi? — ela perguntou, sentando-se na cama.

— Meus pais vão vir me visitar amanhã. Eles... são formais. Tradicionais. E não sabem nada sobre você. Então... vou precisar que você finja ser minha namorada.

Ela ergueu as sobrancelhas, surpresa. Mas não disse nada. Sabia o tipo de acordo que havia feito com ele.

— Certo. — respondeu com frieza. — Quando eles chegam?

— Pela manhã. E... eu vou mandar comprar roupas novas pra você hoje ainda. Quero você impecável.

Ela assentiu. O olhar dela estava vazio, mas por dentro, um furacão se formava. Fingir um relacionamento com ele... justo agora que os sentimentos estavam tão confusos?

Naquela noite, Paola se trancou no quarto e ficou olhando para o teto por horas. Pensava no pai, na cafeteria, na vida que perdeu, na prisão em que se meteu... e agora, teria que sorrir e posar de "namorada" para os pais dele.

Mal sabia ela que o verdadeiro teatro estava apenas começando.