Sempre achei que o passado era uma coisa que se deixava para trás, como um velho casaco pendurado no armário. Mas, às vezes, ele volta. E não pede licença. Entra, se senta na sala e obriga-nos a reviver memórias que jurávamos enterradas.
Foi exatamente isso que aconteceu numa tarde comum de sexta-feira. Estava em casa, dobrando roupas no sofá, quando ouvi a campainha tocar. Esperei que fosse um vizinho ou alguém vendendo algo. Mas ao abrir a porta, o ar desapareceu dos meus pulmões.
— Olá, Isabel. Quanto tempo.
Era ele. Jonas. O primeiro e talvez o único rapaz que fez meu coração acelerar sem que eu entendesse por quê. O mesmo Jonas que me conheceu no tempo em que tudo doía, e mesmo assim me achou interessante. Que me viu chorar uma vez, sem que eu dissesse uma palavra, e ainda assim ficou ao meu lado.
— Oi... — respondi, confusa, segurando a maçaneta como se ela pudesse me manter firme.
— Eu... desculpa aparecer assim. Passei aqui perto, e não sei... pensei que talvez... — ele sorriu, nervoso. — Que talvez pudéssemos conversar.
A vida tem dessas ironias. Quando finalmente me sinto pronta para abrir meu coração à minha própria família, o passado romântico decide reaparecer para testar os alicerces da nova Isabel.
Deixei-o entrar. A casa parecia pequena demais para o silêncio que caiu entre nós. Ele olhava ao redor como quem procura vestígios do tempo perdido.
— Estás bem? — ele perguntou, depois de alguns minutos.
Assenti. — Melhor do que já estive... e tu?
— Também. Mas confesso que pensei em ti muitas vezes. — Ele abaixou o olhar, depois encarou-me com uma franqueza que me assustou. — Desapareceste. E eu não sabia se era porque não querias mais falar comigo ou se... se tinhas mesmo desaparecido da vida.
Sentei-me lentamente. Não esperava por aquela visita, muito menos por aquela conversa. Ainda assim, algo em mim se acalmou. Como se ouvir aquilo fosse necessário.
— Eu precisei desaparecer, Jonas. Naquela altura, tudo doía. Até as coisas boas. Tu eras bom demais. E eu não sabia o que fazer com isso.
Ele assentiu devagar. — Eu entendi. Demorei, mas entendi. Só que... nunca deixei de torcer por ti. Juro.
Ficamos ali, olhando um para o outro com a estranheza de quem já foi íntimo, mas agora se vê como estranhos de novo. A vida nos molda de maneiras silenciosas, e percebi que ele já não era o mesmo rapaz de antes. E eu, definitivamente, também não era a mesma rapariga.
— E agora? — ele perguntou, baixinho. — Ainda doem as coisas boas?
Respirei fundo antes de responder. — Doem menos. Mas ainda dói confiar. Mesmo quando a pessoa está diante de mim e parece não querer me magoar.
Ele sorriu, como quem entende mais do que quer admitir. — Estou aqui, Isabel. Sem pressa. Nem exigência. Só queria saber se ainda existia espaço para mim, nem que fosse como lembrança boa.
Fiquei em silêncio por um momento. E, pela primeira vez, percebi que nem todas as visitas do passado vêm para ferir. Algumas vêm para curar. Para lembrar que mesmo na dor, existiram momentos de luz. Jonas foi um desses momentos. Talvez ele tenha aparecido agora para me mostrar que eu consigo lidar com isso — com o passado, com os sentimentos não resolvidos, com a possibilidade de voltar a acreditar.
Agradeci pela visita. Não fiz promessas. Não ofereci esperanças. Mas também não fechei a porta. Porque, às vezes, o que mais precisamos é de alguém que volte. Não para continuar uma história, mas para fechá-la com cuidado.
Naquela noite, escrevi no meu caderno:
"Às vezes, o passado não quer ser esquecido. Só quer ser olhado nos olhos e aceito."
E foi isso que fiz.