A última manhã chegou sem aviso. Como costumam vir os finais.
O céu estava limpo, estranho para um dia de perda. A casa cheirava a chá de camomila. Teresa dormia desde a noite anterior. A respiração era lenta, entrecortada, como se o corpo estivesse a se despedir do tempo.
Estávamos todos ali. Miguel lendo um jornal antigo que nem fingia acompanhar. Clara tricotando algo que nunca terminaria. Jonas ao meu lado, em silêncio. E eu... eu segurava a mão dela. Frágil, mas ainda quente.
Havia tanta coisa que eu queria dizer.
Mas não disse nada.
Porque ali, naquele momento, aprendi que o amor não precisa ser explicado. Só vivido.
Pouco depois do meio-dia, Teresa respirou fundo uma última vez.
E partiu.
Sem alarde.
Sem dor visível.
Como quem sabe que cumpriu o que veio fazer.
O luto não veio de uma vez. Veio em ondas. Nos talheres que ela usava. Na cadeira vazia. No cheiro do xampu que ficou na toalha. Mas não doeu como antes.
Porque agora havia estrutura dentro de mim.
Agora eu sabia que, mesmo sem ela, havia legado. Havia marca. Havia amor impresso nas paredes da casa — e em mim.
No funeral, poucas palavras. Pedi para falar. Os olhos de todos voltaram-se para mim. E eu respirei fundo.
— Teresa foi mãe. Foi abrigo. Mas foi, sobretudo, espelho. E agora que ela partiu, percebo que não a perdi. Porque muito do que ela era, eu também sou. E isso... isso ninguém me tira.
Miguel chorou pela primeira vez na frente de todos. Clara segurou minha mão. Jonas me abraçou como quem guarda. E eu entendi: não estava só.
Semanas depois, mudámos para a nova casa. Pequena, aconchegante. Com luz pelas janelas e livros em cada canto. Jonas pintou as paredes com tons suaves. Eu trouxe o caderno da mamã e deixei-o na estante da sala.
Na primeira noite ali, acendi uma vela.
— Por ela — disse.
Jonas sorriu. — E por ti.
Continuei a escrever. Mas agora sem urgência. Como quem conversa com alguém que ainda escuta.
Um dos primeiros textos que publiquei naquela casa começava assim:
"Quando alguém vai embora, a gente aprende a ficar de outro jeito."
E era verdade.
Teresa se foi.
Mas algo nela ficou comigo.
A força.
A doçura.
E a certeza de que fui — e sempre serei — a filha que ela escolheu amar sem medidas.
E assim, entre começos e finais, segui.
Vivendo.
Lembrando.
Amando.
Porque o amor verdadeiro... nunca parte.
Ele apenas muda de forma.
E permanece.