Capítulo 23 A escolha que leva Nome

Recebi o convite por e-mail, como se fosse só mais uma mensagem comum entre boletins e notificações de editora.

“Prezada Isabel, gostaríamos de convidá-la para assumir o cargo de Coordenadora do Programa Nacional de Leitura e Escrita, com base em Lisboa.”

Li duas vezes.

Fechei o computador.

E deixei a casa em silêncio.

Não era apenas uma promoção. Era uma mudança completa de vida. Um novo lar. Uma nova cidade. Novas pessoas. Uma responsabilidade imensa.

E, acima de tudo, a pergunta que queimava por dentro:

Será que ir adiante significa deixar para trás?

Falei com Jonas naquela noite. Ele ouviu tudo em silêncio.

— Vais aceitar? — perguntou, sem medo na voz. Só curiosidade sincera.

— Não sei. Sinto que estou sendo chamada. Mas também... não quero abandonar tudo o que construí aqui.

Ele pegou minha mão.

— A questão não é o que vais deixar. Mas o que vais levar contigo.

Fiquei em silêncio. Porque ele tinha razão. Eu já não era feita de um único lugar. Era feita de histórias, de vínculos, de raízes que podiam, sim, se mover.

Contei para Lara na semana seguinte. Ela ficou calada por longos segundos.

— Vais embora?

— Talvez. Mas isso não quer dizer que vou te deixar.

Ela olhou para mim com olhos cheios.

— Nunca tive ninguém que ficasse... mesmo longe.

Abracei-a com força.

— Ficar é mais do que presença física. É continuar a ouvir, a guiar, a amar. E isso, eu vou continuar a fazer. Mesmo que esteja em Lisboa.

Ela assentiu, com um nó no queixo. Depois disse:

— Então leva um pedaço de mim contigo.

Entregou-me um envelope.

Dentro, um texto.

Título: “A Filha que Não Nasceu de Ti.”

Chorei ali mesmo.

Conversei com Clara e Miguel. Ambos me encorajaram, cada um ao seu jeito.

— A mamã teria dito que é a tua hora — disse Clara.

— E não vais sozinha — completou Miguel. — Vais com tudo o que ela te ensinou. Com o amor que deixaste aqui. E com a liberdade de continuar.

Na última noite antes da resposta final, sentei-me no canto da casa onde mantinha o retrato da mamã. A vela ainda acesa, o caderno ainda ao lado.

Abri numa página aleatória.

Ali, escrito com sua caligrafia lenta:

“Quando tua hora chegar, não te encolhas. Avança. E leva o amor contigo.”

A decisão veio como brisa: firme, tranquila, natural.

Enviei o e-mail de aceitação às 7h23 da manhã.

E soube, no fundo da alma, que estava a caminhar em direção a algo maior.

Não por ambição.

Mas por legado.

Na mala, levei poucas coisas.

Um vestido azul-claro.

O caderno da mamã.

O texto de Lara.

E o chaveiro que dizia: “Nosso lar começa aqui.”

Porque o lar... agora era onde eu estivesse inteira.

E pela primeira vez, eu era.