Capítulo 24 O lugar que me reconhece

Lisboa me recebeu com vento nos cabelos e cheiro de rio no ar. Era uma cidade que já conhecia como visitante, mas agora, cada rua me parecia nova. Como se só agora eu pudesse, de verdade, habitar aquele lugar — inteira, por dentro e por fora.

O apartamento era pequeno e claro. Com janelas voltadas para o Tejo e um canto perfeito para minha escrivaninha. Desfiz as malas devagar. Cada objeto colocado no seu lugar com reverência.

No parapeito da janela, deixei o retrato da mamã.

E ao lado, o texto de Lara, já emoldurado.

Como quem diz: não estou sozinha.

O trabalho era intenso. Reuniões com professores, decisões sobre livros didáticos, viagens por escolas do país. Mas havia uma beleza em tudo aquilo — a de sentir que, finalmente, eu fazia parte de algo que podia transformar vidas.

Numa tarde chuvosa, sentei-me na sala da Direção para revisar um projeto. E ali, no silêncio entre papéis e ideias, percebi:

Estou exatamente onde deveria estar.

À noite, as saudades vinham como maré. Fortes, mas previsíveis.

Lara mandava mensagens curtas:

“Comecei outro texto.”

“Hoje fui à biblioteca e sentei no teu lugar.”

“Ainda me escutas mesmo longe?”

E eu respondia sempre:

“Mais do que nunca.”

Com Jonas, as chamadas eram longas e cheias de pausas confortáveis.

— A casa está mais quieta sem ti — ele dizia.

— E a tua voz me faz menos falta da cidade — eu respondia.

Havia planos para o futuro, mas sem pressa. Pela primeira vez, o amor não era correria. Era presença espaçada, mas firme. Como raiz de árvore que se estende mesmo sob o concreto.

Recebi uma carta da Clara.

Sim, carta. Escrita à mão, com tinta azul.

“Não sabia o quanto teu silêncio fazia bem aqui até ele faltar. A mamã estaria orgulhosa. E nós também.”

Guardei a carta na cabeceira.

Uma noite, recebi um convite para falar numa escola pública da zona norte. Era uma palestra sobre como a escrita pode curar o que não tem nome. Aceitei.

Durante a conversa, uma menina de doze anos levantou a mão e perguntou:

— Escrever ajuda a não esquecer?

Pensei em Teresa. Em Lara. Em mim.

E respondi:

— Não. Escrever não impede que a gente esqueça. Mas impede que a gente se perca.

Ela sorriu.

E eu soube: ali também, eu estava plantando.

Ao voltar para casa, sentei na escrivaninha e abri o caderno da mamã. Escrevi uma nova página.

"Hoje, percebo que amor não é lugar. É gesto. É ponte. É promessa que se cumpre mesmo com quilômetros de distância. E eu sigo, como tu me ensinaste: com o coração aberto e a mala leve."

Fechei o caderno.

E dormi em paz.

Porque agora eu sabia:

Este é o lugar que me reconhece.