Era fim de tarde quando o telefone tocou.
O número não estava salvo, mas a sensação de desconforto foi imediata. Atendi sem pensar.
— Isabel? Aqui é a Ana. Precisamos conversar.
O nome veio como uma lâmina. Ana. A mulher que Jonas havia deixado pouco antes de me reencontrar. A mulher que, segundo ele, tinha ficado para trás.
— Como conseguiu meu número? — perguntei, tentando manter a voz firme.
— Jonas te bloqueou da parte da história que mais importa. Mas a verdade encontra caminho. Sempre encontra.
Ela desligou antes que eu pudesse responder.
Fiquei ali, parada, com o telefone ainda no ouvido. O coração disparado. As mãos frias.
Naquela noite, Jonas ligou por videochamada, como de costume.
— Está tudo bem? — ele perguntou ao notar meu rosto.
— Recebi uma ligação hoje. Da Ana.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos. Depois soltou um suspiro longo, cansado.
— Ela não vai parar...
— O que ela quer, Jonas?
Ele hesitou. — Disse que menti para ti?
— Não. Disse que escondeste a parte mais importante da história.
A expressão dele mudou. Não era surpresa. Era medo.
— Isabel... antes de ti, Ana e eu não estávamos apenas noivos. Estávamos tentando adotar uma criança.
O silêncio entre nós virou um abismo.
— Quando tudo desmoronou, ela perdeu a guarda da menina por causa da instabilidade emocional. E ela... ela me culpa até hoje por isso.
— Por que nunca me contaste? — sussurrei.
— Porque eu quis te proteger desse passado. Porque estava com medo de que isso te afastasse.
Levantei-me, o estômago apertado.
— Jonas, eu não sou uma criança. Não sou alguém que precisa ser poupada de verdades. Eu fui construída com elas.
Ele tentou se explicar, mas eu já tinha encerrado a chamada.
Na manhã seguinte, Ana me esperava à saída da biblioteca. Vestia preto. Um sorriso cínico nos lábios.
— Agora sabes.
— Sei, mas ainda não entendi por que vieste até mim.
Ela se aproximou, o olhar duro.
— Porque ele faz isso. Constrói a própria versão da história. E destrói quem não entra no enredo dele.
— Achas que estou do teu lado agora?
— Acho que tu mereces saber que ele não é tão puro quanto parece. E que há coisas no passado dele que nunca te foram contadas. Nem serão, se depender dele.
Ela tirou um envelope da bolsa e me entregou.
— Isso é só o começo.
Virou-se e foi embora.
Fiquei com o envelope na mão, sem coragem de abrir.
Naquela noite, sentei-me diante do caderno da mamã. Escrevi:
"O amor mais bonito que já vivi agora começa a doer. E não sei se dói por ter sido real... ou por nunca ter sido completo."
Fechei os olhos.
O amor sempre foi uma escolha.
Mas às vezes, é também um risco.
E eu, que tantas vezes fui abandonada pela verdade, agora precisava decidir se era forte o suficiente para enfrentá-la — mesmo que isso significasse perder quem aprendi a amar.