Capítulo 30 Quando a coragem incomoda

A semana seguinte começou como um incêndio discreto — invisível à distância, mas consumindo tudo por dentro.

Alguém postou o vídeo da minha fala no café com Diogo. Não sei quem gravou, nem por quê. Só sei que, em dois dias, já circulava em redes sociais, grupos de ex-alunos, fóruns universitários.

"Escritora expõe professor renomado por assédio psicológico na adolescência."

As palavras eram duras. Verdadeiras. Mas também perigosas.

Recebi mensagens de apoio. De outras mulheres. De jovens que nunca haviam falado, mas agora tinham coragem.

Mas também recebi ataques. Chamaram-me de oportunista. De mentirosa. De destruidora de reputações.

Miguel me ligou.

— Estás bem?

— Sim. Mas não preparada para ser símbolo de nada. Só queria minha paz.

— Às vezes, ser verdadeira custa caro.

— E o silêncio também.

Fui convocada pela editora para uma reunião de emergência. Queriam saber se o próximo livro deveria ser adiado. Se meu nome não estava "associado demais" a polêmica.

Olhei nos olhos da diretora e respondi:

— O livro fala de memória. De família. De silêncio. Se isso é polêmico, então o mundo precisa mais ainda dele.

Saí sem pedir desculpas.

Naquela noite, fui visitar Lara. Ela estava diferente. Menos riso, mais olhar evasivo.

— Vi o vídeo — disse ela, sem rodeios.

— E?

— Só não esperava que fosses... assim. Tão feroz.

Aquelas palavras doeram mais do que qualquer comentário anônimo.

— Achaste que eu era o quê, Lara? Só ternura?

Ela hesitou.

— Achei que eras como a mamã. Firme, mas suave. Agora... pareces outra.

— Eu sou a mesma. Só que agora ninguém me atravessa em silêncio.

Ela não respondeu.

E foi ali que percebi: até os mais próximos têm medo de quando uma mulher deixa de ser quieta.

Jonas tentou confortar-me.

— O mundo vai tentar diminuir tua dor para se sentir confortável de novo. Não deixes.

— Mas e quando quem estranha é quem mais confia em ti?

— Então talvez nunca tenham te visto de verdade.

No caderno da mamã, escrevi:

"Quando a gente escolhe se defender, o mundo grita. Mas o que me espanta... é que, às vezes, quem nos ama também se assusta."

Dois dias depois, recebi uma carta. Escrita à mão.

Era de Diogo.

“Eu poderia processar. Mas não vou. Porque sei que tudo o que disseste é verdade. Só espero que um dia consigas perdoar o menino que eu fui. Porque o homem que sou... ainda o carrega.”

Que ironia.

O pedido de perdão veio tarde demais.

E ainda assim... trouxe alívio.

Porque o perdão, eu entendi, não é um presente para o outro.

É a chave que nos liberta do que nos acorrentou.

Mas a dor que ficou... não era por Diogo.

Era por Lara.

Por aquele olhar de dúvida, de decepção — como se ela tivesse perdido um ideal.

E talvez... talvez ela tivesse mesmo.

Mas eu não fui feita para ser ideal.

Fui feita para ser real.

E agora, mais do que nunca, eu era.