Lara passou dias sem responder.
Sem mensagens. Sem poemas. Sem desenhos.
Na terceira manhã, entrei na biblioteca onde nos conhecemos. Ela estava lá. Sentada no mesmo canto. Sozinha, como no início.
Aproximei-me devagar. Sentei em frente, sem pedir.
Ela me olhou, séria.
— Ainda me vês como antes? — perguntei.
Ela abaixou os olhos.
— Não sei.
O silêncio foi um corte preciso. Uma ferida ainda aberta.
— Porque agora sou forte demais? Ou porque me neguei a calar?
Ela demorou para responder.
— Porque sempre pensei que tu fosses como a mamã. Um lugar onde me escondia. Mas agora... tu és espelho. E eu não quero ver certas coisas.
Fechei os olhos, contendo as lágrimas.
— Ser abrigo não é o mesmo que ser invisível, Lara. Eu não te falhei por existir inteira.
Ela engoliu seco.
— Mas tu partiste. E agora voltaste diferente. Mais dura.
— Não mais dura. Mais lúcida. Porque a dor, Lara... a dor ensina a não ser refém da imagem que os outros têm de ti. Nem da que tu mesma criaste.
Ela mordeu o lábio inferior. E pela primeira vez, seus olhos se encheram.
— Eu só tenho medo que tu deixes de ser o que eras para mim.
Apertei sua mão por cima da mesa.
— E eu tenho medo de ser o que esperam... em vez do que sou.
Naquela noite, sentei à escrivaninha. Não escrevi no caderno da mamã. Escrevi para mim:
"Crescer é perder o lugar seguro que inventamos nos outros. E é também aceitar que ser abrigo... não nos obriga a carregar a dor de ninguém sozinha."
Jonas chegou mais tarde, cansado. Trouxe um pão ainda quente e um vinho barato.
— Lara?
— Está se afastando. Porque me viu como eu realmente sou. E talvez isso assuste.
— E se for só o tempo que ela precisa?
— E se o tempo for exatamente o que transforma amor em silêncio?
Ele não respondeu. Apenas ficou comigo. Como sempre.
Sem tentar resolver. Sem me salvar.
Apenas... ali.
Dois dias depois, Lara me mandou uma carta. Escreveu à mão, como Clara fazia.
"Isabel, desculpa por esperar de ti algo pequeno. Tu és enorme. E isso me assustou. Porque eu ainda estou aprendendo a crescer. Mas quero continuar. Se tu ainda quiseres."
Chorei baixinho no sofá.
Não de dor.
De reconhecimento.
Porque agora... ela via.
E ver alguém por completo — com sombras e luz — é o gesto mais puro de amor.
Respondi:
"Quero sim. Mas agora, caminhamos como iguais. Duas mulheres em formação. Com direito à queda, à fúria, e à ternura."
Na semana seguinte, fomos à mesma livraria. Lara leu em voz alta pela primeira vez. Um poema curto. Forte. Sobre perder o chão e ainda assim plantar algo.
O título: “A Mulher Que Me Assustou e Me Salvou.”
Fiquei em silêncio.
Não por dor.
Mas por orgulho.
Porque, afinal...
Ser a filha favorita da minha mãe talvez tenha me feito isso: uma mulher que acolhe... mesmo quando é espelho.