Capítulo 33 A voz que Ecoa Demais

Capítulo 33: A Voz Que Ecoa Demais

O convite chegou em papel timbrado, com selo do Ministério da Cultura. Formal. Direto.

“Convidamos a escritora Isabel Santiago para compor a mesa nacional ‘Vozes que Rompem o Silêncio’, a ocorrer no Teatro Nacional, com transmissão televisiva.”

Li a carta três vezes.

Não era apenas um convite. Era um reconhecimento.

Uma convocação.

Jonas estava na cozinha quando entrei com a folha nas mãos.

— Chegou.

Ele olhou para mim, sorriu leve.

— Algo bom?

— Ou perigoso — respondi, entregando a carta.

Ele leu, em silêncio. Depois colocou a folha sobre a mesa. Lento. Cuidadoso.

— E vais aceitar?

— Estou a pensar.

Ele hesitou.

— Pensar... por ti, ou por mim?

Senti o baque. Mas respirei fundo.

— Estou a pensar por nós. Porque já sei o que a exposição me custa.

Ele sentou, os olhos evitando os meus.

— Eu só tenho medo, Isabel. De ver-te no fogo outra vez. A mesma Isabel que lutou tanto pra ter paz.

— E achas que minha paz depende de me esconder?

— Não. Mas acho que ela tem limites.

Silêncio.

Longo. Denso.

— Então se eu for... vou sozinha? — perguntei.

Ele demorou. Mas respondeu:

— Vais com meu respeito. Mas com o meu medo também.

Falei com Clara no fim de semana.

— Tu nasceste para isso — ela disse. — E se não fores tu, quem?

— Tenho medo de que, ao gritar pelos outros, perca quem ficou do meu lado em silêncio.

Clara me olhou, firme.

— Mas e se calares... não perdes a ti?

Na semana seguinte, aceitei o convite.

Enviei o e-mail às 6h01 da manhã.

E não contei de imediato a Jonas.

Porque agora, algumas decisões eram minhas.

Não por orgulho.

Mas por identidade.

O dia do painel chegou.

Vesti um casaco azul-claro. Da cor que Teresa usava quando nos defendia sem dizer uma palavra.

O teatro estava lotado. Câmeras. Luzes. Expectativas.

Sentei ao lado de juristas, psicólogas, ativistas. Cada uma com suas cicatrizes.

Quando chegou minha vez de falar, respirei fundo.

E disse:

— Sou filha de uma mulher que amou demais. Irmã de quem precisou de tempo pra me ver. E agora... sou voz de quem não teve escolha de calar.

— Falar dói. Mas o silêncio também. A diferença é que a dor do silêncio nos faz desaparecer. E eu... eu escolhi ficar.

Pude ver Jonas na penumbra da plateia.

O rosto sério.

Mas os olhos... cheios.

De medo, sim.

Mas também de orgulho.

Naquela noite, ele me esperou em casa com o jantar pronto. Um bilhete em cima do guardanapo:

“Foste a voz que eu precisei e não tive. E ainda assim, escolheste me amar. Obrigado por ficar inteira — mesmo quando me assustaste.”

No caderno da mamã, escrevi:

"Alguns homens amam nossas sombras. Outros, nossas luzes. Mas o verdadeiro amor é o que nos acompanha... mesmo quando nossa voz ecoa alto demais para o mundo suportar."

E então dormi.

Com o coração exausto.

Mas firme.

Porque agora eu sabia:

A filha favorita não era a que agradava.

Era a que sobrevivia — e escolhia falar.