Capítalo 34 O homem que sabia ouvir em palavras

Os dias seguintes ao painel foram uma avalanche.

Recebi mensagens de agradecimento, de jovens, mulheres, até homens — todos dizendo que, de algum modo, minha voz atravessou os deles.

Mas vieram também os ataques.

“Quer atenção.”

“Vitimiza-se.”

“Mais uma mulher que se alimenta do trauma alheio.”

Jonas lia tudo com o maxilar tenso, mas respeitava meu espaço. Não me protegia — me acompanhava.

Lara escrevia todos os dias. Pequenas frases, como orações laicas.

“A tua coragem me ensinou que não preciso baixar os olhos quando falo da dor.”

E então... veio o e-mail.

Assunto: “Não esperava te ver assim.”

Remetente: Tomás A.

O nome me paralisou.

Tomás.

Meu primeiro amor. O único que me fez sentir visível numa adolescência marcada por silêncios.

Mas também o que partiu sem aviso, levando com ele a promessa de ser exceção.

Abri.

"Vi teu discurso. Vi tua força. E lembrei de quando a menina que tu eras me olhava como se eu fosse abrigo. Hoje... tu és abrigo para muitos. E isso me quebrou. Podemos tomar um café? Sem passado. Só pra te ouvir de novo."

Fechei o computador sem responder.

Mas a inquietação ficou.

Contei para Clara.

— Estás a pensar em ver ele?

— Não sei. Parte de mim quer mostrar quem me tornei. Outra parte só quer esquecer que um dia esperei algo dele.

— Tu não tens mais que provar nada a ninguém, Isabel.

— Eu sei. Mas a dor antiga ainda lateja. E às vezes, ela quer ser vista.

Dois dias depois, respondi.

“Café. Sem expectativas.”

Marcamos num lugar neutro, longe da biblioteca, longe da minha casa.

Ele chegou pontual. O mesmo sorriso de antes. Mas o olhar... cansado. Menos vaidoso. Mais real.

— Tu estás diferente — disse ele, depois de dois goles.

— Estou inteira.

— É. Antes tu tinhas a alma em pedaços. E ainda assim... me ofereceste tudo.

— E tu partiste.

Ele abaixou os olhos.

— Porque fui covarde. Porque me assustei com o quanto tu merecias. E porque eu... ainda não me via.

Ficamos em silêncio.

Depois, ele disse:

— Não quero voltar. Não quero invadir. Só queria te dizer: eu vi. E lamento não ter ficado.

Assenti. E pela primeira vez, sem dor.

— Obrigada. Mas hoje... quem fica sou eu. Comigo mesma.

Na saída, ele tentou um toque leve no meu braço.

— Tu ainda amas ele? — perguntou, referindo-se a Jonas.

— Sim. Mas mais do que isso, amo o que sou com ele.

Ele sorriu. Não triste. Apenas resignado.

— Então talvez tu nunca tenhas sido minha. Só de ti mesma.

— Exatamente.

No caderno da mamã, escrevi:

"O passado volta não para ser retomado, mas para provar que a gente não precisa mais dele para continuar."

À noite, Jonas me esperava com chá e silêncio.

Sentei ao lado dele.

— Fui ver o Tomás.

Ele não reagiu. Apenas me olhou.

— Quis dizer o que nunca disse. Quis encerrar a história certa. Com a mulher que sou agora.

Ele assentiu.

— E?

— E estou mais livre.

Ele segurou minha mão.

— Então obrigada por voltar.

— Eu não voltei, Jonas. Eu nunca saí.

A filha favorita, talvez, não seja aquela que recebeu o amor mais fácil.

Mas a que aprendeu a se amar — mesmo quando o mundo só oferecia partida.

E agora, ela escolhia ficar.