Os dias seguintes ao painel foram uma avalanche.
Recebi mensagens de agradecimento, de jovens, mulheres, até homens — todos dizendo que, de algum modo, minha voz atravessou os deles.
Mas vieram também os ataques.
“Quer atenção.”
“Vitimiza-se.”
“Mais uma mulher que se alimenta do trauma alheio.”
Jonas lia tudo com o maxilar tenso, mas respeitava meu espaço. Não me protegia — me acompanhava.
Lara escrevia todos os dias. Pequenas frases, como orações laicas.
“A tua coragem me ensinou que não preciso baixar os olhos quando falo da dor.”
E então... veio o e-mail.
Assunto: “Não esperava te ver assim.”
Remetente: Tomás A.
O nome me paralisou.
Tomás.
Meu primeiro amor. O único que me fez sentir visível numa adolescência marcada por silêncios.
Mas também o que partiu sem aviso, levando com ele a promessa de ser exceção.
Abri.
"Vi teu discurso. Vi tua força. E lembrei de quando a menina que tu eras me olhava como se eu fosse abrigo. Hoje... tu és abrigo para muitos. E isso me quebrou. Podemos tomar um café? Sem passado. Só pra te ouvir de novo."
Fechei o computador sem responder.
Mas a inquietação ficou.
Contei para Clara.
— Estás a pensar em ver ele?
— Não sei. Parte de mim quer mostrar quem me tornei. Outra parte só quer esquecer que um dia esperei algo dele.
— Tu não tens mais que provar nada a ninguém, Isabel.
— Eu sei. Mas a dor antiga ainda lateja. E às vezes, ela quer ser vista.
Dois dias depois, respondi.
“Café. Sem expectativas.”
Marcamos num lugar neutro, longe da biblioteca, longe da minha casa.
Ele chegou pontual. O mesmo sorriso de antes. Mas o olhar... cansado. Menos vaidoso. Mais real.
— Tu estás diferente — disse ele, depois de dois goles.
— Estou inteira.
— É. Antes tu tinhas a alma em pedaços. E ainda assim... me ofereceste tudo.
— E tu partiste.
Ele abaixou os olhos.
— Porque fui covarde. Porque me assustei com o quanto tu merecias. E porque eu... ainda não me via.
Ficamos em silêncio.
Depois, ele disse:
— Não quero voltar. Não quero invadir. Só queria te dizer: eu vi. E lamento não ter ficado.
Assenti. E pela primeira vez, sem dor.
— Obrigada. Mas hoje... quem fica sou eu. Comigo mesma.
Na saída, ele tentou um toque leve no meu braço.
— Tu ainda amas ele? — perguntou, referindo-se a Jonas.
— Sim. Mas mais do que isso, amo o que sou com ele.
Ele sorriu. Não triste. Apenas resignado.
— Então talvez tu nunca tenhas sido minha. Só de ti mesma.
— Exatamente.
No caderno da mamã, escrevi:
"O passado volta não para ser retomado, mas para provar que a gente não precisa mais dele para continuar."
À noite, Jonas me esperava com chá e silêncio.
Sentei ao lado dele.
— Fui ver o Tomás.
Ele não reagiu. Apenas me olhou.
— Quis dizer o que nunca disse. Quis encerrar a história certa. Com a mulher que sou agora.
Ele assentiu.
— E?
— E estou mais livre.
Ele segurou minha mão.
— Então obrigada por voltar.
— Eu não voltei, Jonas. Eu nunca saí.
A filha favorita, talvez, não seja aquela que recebeu o amor mais fácil.
Mas a que aprendeu a se amar — mesmo quando o mundo só oferecia partida.
E agora, ela escolhia ficar.