As semanas seguintes foram feitas de silêncios que não gritavam — mas cutucavam por dentro.
Mesmo depois de ver Tomás e encerrar aquele ciclo, algo em mim seguia inquieto. Era como se um novo capítulo estivesse para começar, mas as páginas ainda estivessem coladas.
Jonas tentava ser presente, atencioso, o homem que reaprendi a amar. Mas eu via nos olhos dele um medo que nunca antes tinha notado: não o medo de me perder — mas o medo de me conhecer inteira. A Isabel pública, confiante, que subia em palcos, que se tornava símbolo, que dizia verdades com a voz firme e sem pedir desculpa.
Ele amava a mulher silenciosa que eu fui.
Agora precisava aprender a amar a mulher que eu me tornei.
E isso… tem um preço.
Lara começou a evitar a casa.
Primeiro, foram os adiamentos das visitas. Depois, mensagens mais secas. Até que, uma tarde, entre livros na biblioteca, ela me olhou diferente. Como quem esperava uma queda.
— Posso perguntar uma coisa? — disse ela, a voz sem doçura.
— Claro.
— Tu e o Jonas… estão bem?
A pergunta me pegou de surpresa.
— Sim. Estamos. Por quê?
Ela hesitou.
— Porque às vezes parece que estás com ele por hábito. Ou por medo de ficar sozinha.
— Isso vem de ti... ou de outra pessoa?
Ela desviou os olhos.
E então entendi.
Não era ciúmes.
Era projeção.
Lara estava apaixonada por alguém que não sabia amar. E ao me ver firme, escolhida, respeitada — aquilo doía.
— Lara… o amor verdadeiro não é ausência de dor. É a escolha de continuar, mesmo quando se conhece os limites um do outro.
— E tu conheces os do Jonas?
— Conheço. E ele conhece os meus. Por isso ainda estamos aqui.
Ela ficou em silêncio.
E foi nesse silêncio que senti a rachadura.
Aquela menina que eu acolhi com tanto cuidado agora me via como mulher — e isso a assombrava.
Na mesma semana, recebi uma carta anônima deixada na caixa de correio do centro cultural onde trabalho.
Sem remetente. Apenas um envelope branco.
Dentro, um recorte de jornal antigo. Título:
"Diretor de ONG é investigado por manipulação de doações e favorecimento pessoal."
A foto em preto e branco mostrava Jonas, anos mais novo. O texto não dizia nada explícito, mas plantava dúvida. Mencionava falta de prestação de contas. Um relatório que nunca veio à tona. O caso havia sido arquivado. Mas a mancha… permanecia.
Sentei sozinha na varanda com o papel no colo. O vento batia leve, e pela primeira vez em muito tempo, senti medo do que já tinha escolhido.
Não por ele.
Por mim.
Eu confiava?
Confiava mesmo?
Ou tinha apenas decidido que precisava que aquilo funcionasse?
Ele chegou horas depois.
— Estás bem? — perguntou, ao ver meu rosto.
Estendi o recorte sem dizer nada.
Ele leu. Ficou quieto.
— Estava esperando que isso aparecesse um dia — disse.
— Por que nunca me contaste?
— Porque não era uma história com final claro. Foi um erro de gestão. Confiei nas pessoas erradas. E quando me acusaram… preferi sair. Não lutei. Estava cansado.
— Cansado de quê?
— De tentar ser o homem certo para todos.
Fiquei em silêncio.
— Mas para mim… tu achaste que podia esconder?
Ele se aproximou. A voz firme, mas sem agressividade.
— Para ti, achei que não importava o que eu fui. Só o que sou agora.
— Jonas… tudo importa. Porque o homem que tu és agora… é feito também das escolhas que tentaste enterrar.
Ele sentou. Os ombros baixos.
— Queres saber tudo?
Assenti.
— Então escuta
— Tudo começou há sete anos — disse Jonas. — A ONG se chamava Raízes. Era um projeto que nasceu de um ideal bonito, mas mal administrado. Eu acreditava nas pessoas erradas. Um dos coordenadores falsificou documentos de prestação de contas. E eu… assinei relatórios sem ler, confiando cegamente.
— E quando descobriram?
— Fui o rosto público da ONG. E, claro, fui o nome mais fácil de destruir.
Ele respirou fundo. Olhava para frente, como se recontasse um filme antigo.
— Quando tudo estourou, eu podia ter ido à imprensa. Podia ter me defendido. Mas preferi desaparecer. Havia uma parte de mim que… achava que merecia o castigo.
— Por quê?
Ele hesitou. A voz falhou por um instante.
— Porque não era a primeira vez que eu fugia. Fugi da adoção com Ana. Fugi da dor da minha mãe quando ela adoeceu. Fugi de ti... antes mesmo de saber que te amava.
Fechei os olhos.
A sinceridade doía mais do que qualquer mentira.
— E agora? Estás pronto para não fugir?
Ele me olhou. E naquele olhar, havia vergonha. Mas também algo mais raro: humildade.
— Eu quero ficar. Mesmo se ficar significar ver-te decepcionada comigo.
Passei aquela noite sem dormir.
Olhei para o teto durante horas, tentando entender onde terminava o erro dele... e onde começava a minha necessidade de redenção.
Será que eu queria amar Jonas pelo que ele era?
Ou pelo que eu esperava que ele fosse?
Na manhã seguinte, fui caminhar.
O céu estava nublado, e a cidade parecia suspensa no tempo.
Passei por um cartaz colado num muro:
“Amar é também aceitar que o outro falhou — e ainda assim ficou.”
Não sei quem escreveu. Mas senti que era pra mim.
Conversei com Lara no fim do dia.
— Estás magoada? — ela perguntou.
— Estou em conflito.
— E vais perdoá-lo?
— Ainda não sei.
Ela assentiu, e depois disse:
— Sabes o que me dói? Ver que até o homem que tu escolheste tentou te dar menos do que tu merecias.
Aquela frase me atravessou.
Não por Jonas.
Mas por mim.
Porque, de alguma forma, eu também aceitei isso.
Naquela noite, Jonas dormiu no sofá. Por escolha dele.
Disse que não queria invadir meu espaço com o peso das próprias falhas.
Eu não discordei.
Fechei a porta do quarto e fiquei ali, sentada na cama, tentando lembrar de todas as versões de mim que existiram para caber dentro de amores parciais.
E então escrevi:
"A filha favorita aprendeu a ser muitas para agradar a todos. Mas agora, só deseja ser uma: a que não aceita menos do que o inteiro."
Jonas saiu cedo. Deixou um bilhete simples:
“Estarei aqui. Quando e se quiseres me ver com olhos novos. Sem véus. Sem mitos. Só eu.”
Fiquei olhando o papel por longos minutos.
E soube: a escolha não era mais dele.
Era minha.
Mas eu ainda não estava pronta para fazê-la.
No dia seguinte à confissão de Jonas, o mundo parecia mais devagar. Cada passo que eu dava trazia o peso de uma história que não era minha, mas que agora vivia dentro de mim.
Tentei ocupar-me com as tarefas simples: arrumar os livros espalhados na sala, revisar anotações da próxima oficina, responder e-mails da editora. Mas nada tirava de mim a imagem de Jonas, sentado na ponta do sofá, confessando sua vergonha como quem entrega o próprio nome.
Quis vê-lo como vítima de um sistema mal gerido. Quis acreditar que a culpa era dos outros. Mas parte de mim sabia que ele não foi apenas enganado — foi também omisso. E essa parte doía mais do que qualquer escândalo.
Lara apareceu à tarde. Entrou sem bater, com os olhos ligeiramente vermelhos. Estava nervosa. Tensa.
— Foste tu? — perguntei, sem rodeios.
Ela me encarou.
— Fui eu quem te deu o recorte, sim.
Fechei os olhos. O estômago apertou.
— Por quê?
— Porque tu mereces saber. E ele não ia te contar. Eu só… não queria que acordasses um dia e visses tudo desmoronar sem aviso.
— Achaste que eu precisava ser salva?
— Achei que estavas cega. Achei que estavas apaixonada demais para ver.
— Mas quem te pediu isso, Lara? Quem te deu esse direito?
Ela respirou fundo. A voz embargada.
— Eu só não quero que te percas como eu me perdi.
Foi a primeira vez que a vi frágil de verdade. Sem pose. Sem frases de efeito.
— Eu agradeço — disse, com sinceridade. — Mas isso não justifica esconder. Não justifica agir como se soubesses o que é melhor para mim.
— Eu só tenho medo de te perder.
— Então não me testes.
Ela assentiu. E saiu. Devagar. Como quem entende que ultrapassou uma linha.
Horas depois, recebi uma mensagem de um número desconhecido.
“Não se iluda. O rosto bonito do teu companheiro é só fachada. Se quiser, posso te mostrar tudo o que ele apagou.”
Anexado, um link.
Não abri.
Mas agora estava claro: alguém estava decididamente tentando destruir Jonas — ou me afastar dele.
A questão era: por quê?
Contei a ele naquela noite. Mostrei a mensagem.
Ele não se alterou.
— Eles vão tentar mais. Já tentei enterrar essa parte de mim por muito tempo. Mas agora, querem que eu pague em público.
— E tu vais pagar?
— Se for preciso. Mas não fujo mais.
— Nem de mim?
— Nunca mais de ti.
Fui até a estante da sala. Peguei o caderno da mamã. Sentei à mesa. E escrevi:
"Às vezes, o amor é menos sobre o que enfrentamos juntos… e mais sobre o que escolhemos não esconder."
Fechei o caderno com cuidado.
Voltei até ele.
— Se formos cair… que seja de frente.
Ele sorriu, com os olhos marejados.
— Então vamos cair. Mas juntos.
Na manhã seguinte àquela conversa angustiante, o clima na cidade parecia carregado de presságios. Ainda inquieta com a mensagem ameaçadora que havíamos recebido, Jonas e eu passamos horas discutindo — não em voz alta, mas em olhares e silêncios compartilhados. A verdade, como sempre, emergia devagar, como um rio que escapa das margens.
Pouco depois, meu e-mail foi inundado de convites e notificações. Uma das mensagens, em especial, chamou a minha atenção: tratava-se de um convite para que eu participasse de um evento público organizado pelo Instituto de Justiça Social, onde personalidades e ativistas se reuniam para debater a transparência e a responsabilidade em instituições filantrópicas.
O título do painel era provocativo — “Quando a Verdade Vira Bastão: Responsabilidade e Repercussão” — e, com um misto de receio e determinação, aceitei o convite.
Enquanto preparava o meu discurso, senti o peso de cada palavra que escolhia. Eu sabia que, ao subir naquele palco, estaria não só me expondo, mas também colocando a integridade de Jonas sob uma nova luz. O convite, embora aparentemente voltado para questões institucionais, viria a ser também o palco onde o dilema pessoal se misturaria com a política do silêncio e da revelação.
Naquela noite, sentado ao lado da janela, escrevi no meu caderno da mamã:
"Se a verdade é um bastão que fere, que fique ele em minhas mãos. Não serei refém do passado, nem do medo de ser julgada. Se o amor sobreviver às dúvidas, que ele se erga em plena luz, mesmo diante do fogo que consome a falsidade."
Minhas mãos tremiam levemente. Mas, ao mesmo tempo, sentia uma estranha sensação de alívio — como se, finalmente, eu estivesse disposta a encarar de frente cada parte do que vivi.
No dia do evento, o teatro estava lotado e as câmeras não perdoavam a menor hesitação. Sentei-me nas primeiras fileiras, rodeada de rostos que vigiavam, avaliavam, esperavam respostas. Quando meu nome foi chamado, respirei fundo e subi ao palco com os olhos fixos no auditório.
Ao iniciar meu discurso, falei com toda a convicção que havia sido esculpida nos momentos de solidão e de confronto.
— “Crescer é carregar dores e aprender com elas. Aprendi, por exemplo, que o silêncio nem sempre é respeito; às vezes, ele é cumplicidade com a injustiça. Hoje, subo aqui para exigir que a verdade seja tratada com o respeito que merece. Não estou aqui para destruir a imagem de ninguém — muito menos a de quem amei. Mas estou aqui para dizer que, se queremos construir um futuro onde o amor não seja apenas uma fachada, precisamos encarar os erros do passado.”
A cada palavra, sentia que deixava para trás uma parte do fardo que carregava. Lembro-me de ter notado olhares de surpresa e, em alguns casos, de crítica. Mas também vi lágrimas discretas que confirmavam o quanto a minha verdade, por mais dura que fosse, tocava as pessoas.
Quando terminei, o silêncio se prolongou por um momento que me pareceu uma eternidade. Então, aplausos tímidos foram se transformando em uma ovação crescente. Naquele instante, sabia que não estava sozinha: muitas vozes clamavam por justiça, por transparência, por um amor que não temesse a complexidade.
Ao descer do palco, fui recebida por jornalistas e ativistas. Um deles se aproximou e, com uma expressão grave, disse:
— Sua coragem é inspiradora, Isabel. Mas saiba que essa verdade que você expôs tem um preço. Hoje, muitos já estão decidindo onde ficarão e onde serão silenciados.
Recostei-me na recepção do teatro, olhando para o céu nublado através das janelas altas. Aquela tarde, as manchetes começaram a surgir. Em uma delas, o nome de Jonas estava logo abaixo do meu, insinuando sua relação com o caso da ONG Raízes e mencionando as investigações passadas.
Meu coração acelerou. Senti um misto de indignação e preocupação. Jonas, que tantas vezes me jurara que o importante era o que estávamos tentando reconstruir juntos, poderia agora estar à mercê de velhas feridas reabertas pelo clamor do público.
Enquanto caminhava de volta para o camarim, telefone tocando a cada instante, tentei reunir meus pensamentos. Cada passo era uma batida que marcava o tempo de uma nova era em nossas vidas — uma era em que o amor, a verdade e a vulnerabilidade precisavam conviver lado a lado, mesmo que isso significasse expor feridas que jamais deveriam ter sido abertas.
Naquela mesma noite, Jonas me ligou. A voz dele estava embargada por uma emoção que eu não conseguia decifrar — talvez fosse a ansiedade, a vergonha ou a dor de ver como o mundo podia ser cruel com aqueles que ousavam ser verdadeiros.
— Isabel... — começou ele, e eu senti o peso de cada sílaba. — Eu sei que posso ter te decepcionado, não apenas por aquele episódio, mas por não ter contado tudo desde o começo.
— Eu não pedi perfeição, Jonas. Pedi honestidade. — Respondi, tentando manter a firmeza que agora, sob tanta pressão, parecia se desvanecer. — Mas este palco, hoje, me forçou a enfrentar nossas sombras. E agora, a dúvida ecoa em mim: será que o amor que estou tentando reconstruir é forte o bastante para resistir aos trovões do passado?
Ele permaneceu em silêncio por algum tempo, e então disse:
— Eu quero provar a você que posso ser diferente. Que posso encarar o que fujo. Se me deixares... se me permitires recomeçar, prometo não fugir de mais nada.
Enquanto a conversa seguia, ouvi ao fundo uma voz de jornalista que parecia capturar todos os nossos momentos.
Eu sabia que, a partir daquele instante, nossas vidas jamais seriam as mesmas. A verdade que eu havia exposto hoje não era algo que se apagava com o tempo ou com palavras de conforto. Ela vinha para assentar as contas com o passado — e, talvez, para construir um novo futuro, mesmo que em meio à tempestade.
E assim, naquela noite, ao voltar para casa exausta, mas com o coração inflamado por uma chama renovada de determinação, percebi que não tinha mais escolha a não ser seguir adiante.
Dentro de mim, as dúvidas se misturavam com a esperança. Cada palavra dita no evento, cada olhar trocado com Jonas e até mesmo cada crítica que surgia na mídia me lembrava que o amor verdadeiro exige coragem para ser vulnerável.
Eu sabia que o caminho seria árduo. Que haveria dias em que a solidão e o peso do julgamento público quase me derrubariam. Mas também sabia que, se eu pudesse aprender a amar sem medo, se pudesse aceitar as imperfeições do outro e as minhas próprias cicatrizes, talvez encontrasse algo que transcendesse a dor.
Ao virar as luzes do meu quarto, com o caderno da mamã e a carta anônima repousando sobre a mesa, prometi a mim mesma que continuaria a lutar — não só pelo Jonas que eu queria acreditar que pudesse ser diferente, mas por mim mesma. Por aquela Isabel que já não aceitaria ser metade, que não se contentaria em viver nas sombras das dúvidas.
E, mesmo quando os holofotes acendessem para expor nossas fraquezas, escolhi a esperança, a verdade nua e crua, e um amor que, mesmo que virasse bastão, ainda mesmo poderia ser Brandido com dignidade e coragem
O silêncio de Jonas durou dois dias.
Não foi aquele silêncio confortável que aprendemos a dividir quando as palavras não eram necessárias. Foi outro — um tipo de ausência que começa com o sumiço das pequenas coisas: a xícara dele na mesa do café, o casaco dobrado no encosto da cadeira, a notificação de "cheguei" ao fim do dia.
Na manhã do terceiro dia, uma caixa surgiu na minha porta. Dentro, apenas três itens:
O bilhete que escrevi no primeiro jantar juntos: “Se fores verdade, fico.”
O livro dele favorito, com uma anotação nova: “Agora, tento ser.”
Um papel com um endereço. Um lugar fora da cidade.
Nenhuma palavra além disso.
Senti raiva.
Porque ele fugiu outra vez.
Porque justo quando tudo pedia presença, ele escolheu o contrário.
Mas também senti pena. E medo.
Será que minha verdade era demais para ele?
Será que minha voz, agora tão alta, não deixava mais espaço para ninguém ao lado?
Comecei a duvidar da mulher que me tornei.
E isso era mais perigoso do que qualquer ataque da imprensa.
Como se não bastasse, uma nova figura entrou em cena.
Chamada de Aline Duarte, uma ex-funcionária da ONG Raízes, apareceu em um programa de televisão para contar “sua versão dos fatos”.
— Jonas sempre foi manipulador — dizia ela, ao vivo. — Sabia do que acontecia e escolheu calar. Ele é carismático, mas isso não apaga o estrago.
Depois de vinte minutos de exposição, alguém no estúdio mencionou meu nome.
— E Isabel Santiago, a escritora que virou símbolo de integridade? — o apresentador perguntou. — Está com ele. Isso não contradiz o que ela defende?
Aline sorriu. O tipo de sorriso que tenta ser sutil, mas carrega veneno.
— Às vezes, até as mulheres mais inteligentes escolhem homens que não as merecem.
Ou escolhem esquecer o que sabem — para não perder o que sentem.
Fechei os olhos.
Aquela frase me destruiu mais do que qualquer manchete.
Porque não era só uma insinuação pública.
Era um reflexo do que eu já temia em segredo.
Passei o dia inteiro em silêncio. Recusei ligações. Ignorei Lara. Nem sequer escrevi.
Fiquei olhando o retrato da mamã por horas, tentando lembrar quem eu era antes de amar Jonas. Antes de voltar a acreditar.
E no meio daquele torpor emocional, ouvi minha própria voz dentro de mim:
"Tu vieste até aqui sozinha. E se for preciso, segues só de novo. Mas nunca mais te encolhes para caber no coração de alguém que desaparece diante da tua luz."
Foi só então que chorei.
Mas chorei com decisão.
Porque se ele não soubesse ficar agora...
Eu também saberia partir.
No final da noite, escrevi no caderno da mamã:
"O que me faz inteira não é quem fica. É quem não tenta me apagar para se sentir menos exposto. E se o amor exige silêncio... então ele não me serve."
Fechei o caderno com força.
E prometi:
Se Jonas voltasse, seria diferente.
Mas se não voltasse...
Eu saberia continuar.
Na manhã seguinte, acordei com uma sensação diferente.
Não era alívio.
Também não era desespero.
Era clareza.
Pela primeira vez em muito tempo, a ausência de Jonas não doía como abandono — doía como o eco de uma escolha que ele não teve coragem de fazer. E se havia uma coisa que aprendi com Teresa, com Lara, com a dor e com o amor, era que ninguém pode escolher por ti o que manter.
Eu precisava me manter.
Recebi um convite para uma entrevista ao vivo em rede nacional. Queriam que eu comentasse o caso Raízes, a fala de Aline, o “silêncio suspeito” de Jonas.
Poderia ter recusado.
Mas aceitei.
Não por vingança.
Mas por verdade.
No estúdio, me sentei diante das luzes quentes, das câmeras, das perguntas afiadas.
— A senhora ainda defende Jonas? — foi a primeira.
Respirei fundo.
— Não estou aqui para defender homens. Nem para atacá-los. Estou aqui para dizer que mulheres como eu, que sobreviveram ao apagamento emocional, têm o direito de errar ao amar. Mas também têm o direito de se reerguer quando percebem que amar não pode custar sua voz.
— A senhora acredita que foi enganada?
— Acredito que me enganei, sim. Quando achei que podia salvar alguém do próprio passado. E isso... não é amor. É ilusão.
— E se ele voltar?
Olhei direto para a câmera.
— Que volte só se for inteiro. Porque metade... já não me serve.
A entrevista viralizou. Não pelas polêmicas, mas pela força.
Alguns me chamaram de corajosa. Outros, de cruel. Mas dessa vez... eu não precisava da aprovação de ninguém.
Naquela noite, ao chegar em casa, encontrei um envelope sob minha porta.
Reconheci a letra dele.
Abri.
"Isabel,
Eu te amei. De um jeito imperfeito, desesperado, e às vezes, covarde.
Assisti à entrevista com o peito queimando. Não de raiva. De vergonha.
Tu disseste tudo o que eu nunca consegui dizer.
E por isso, não volto.
Não agora.
Porque, pela primeira vez, sei que o amor precisa de silêncio para crescer e de ausência para aprender.
Quando — e se — eu for digno de te olhar nos olhos de novo... eu volto.
Mas por agora, escolho sumir. Para não te arrastar comigo."
Chorei em silêncio.
Mas dessa vez, não me senti deixada.
Senti-me respeitada.
Porque ele, enfim, escolheu não me roubar mais nada.
Nem tempo.
Nem voz.
Nem a mim.
Fui até o caderno da mamã.
Escrevi com mãos firmes:
"A filha favorita não é a que todos escolhem.
É a que escolhe a si mesma quando ninguém mais tem coragem."
Fechei o caderno.
E fui dormir com a alma leve.
Porque não era o fim do amor.
Era o início do amor certo.
Aquele que começa dentro.
E, só depois, se oferece ao mundo.