O diário de Teresa estava velho, mas vivo.
Cada página cheirava à madeira envelhecida, chuva e medo.
Era como se ela sussurrasse pelos cantos, empurrando-me para frente. Como sempre fez. Como sempre temido.
Na margem inferior de uma das primeiras páginas, havia um trecho em francês, rabiscado apressadamente:
“Há nomes que não podemos escrever em voz alta. Mas os rostos deles vivem em cada canto onde a injustiça germina. Protejam a Menina 04.”
Menina 04.
O nome ecoava na minha mente como uma promessa não cumprida.
Uma ausência com código.
Vera me ajudou a digitalizar o diário e aplicar reconhecimento de palavras-chave. Em menos de dois dias, identificamos sete entradas que mencionavam a misteriosa criança. E todas ligavam a uma casa segura na região de Marselha, no sul da França.
— Teresa operava mais do que redes de fuga para mulheres — disse Vera. — Ela também escondia crianças marcadas para sumir. Inclusive filhas de ativistas ameaçados.
— E essa menina?
— Sumiu dos registros em 1997.
O mesmo ano em que minha mãe morreu.
O mesmo ano em que Lara nasceu.
E o mesmo ano em que me disseram que a outra bebê — Vivian — tinha morrido.
Não era coincidência.
Era estrutura.
— Queres ir até lá? — perguntou Jonas, já com mais força após a cirurgia.
— Preciso. Mas não sei o que vou encontrar.
Ele segurou minha mão.
— Talvez o que encontraste até agora nunca tenha sido o fim. Mas só a beira.
Enquanto eu me preparava para viajar, Vivian enfrentava seu próprio inferno.
Na noite anterior, imagens antigas dela — antes das cirurgias, antes da maquiagem — foram vazadas por um perfil anônimo com a legenda:
“A nova face da hipocrisia. Bela por fora. Falsa por dentro.”
A imprensa reagiu como urubus sobre carne viva.
Vivian se trancou no quarto.
Fui até ela.
— Filha, sabes que essas imagens não dizem quem tu és.
— Mas mostram o que tentei esconder a vida toda.
— E esconder não é crime. É defesa.
— Eu passei a vida inteira tentando ser amada por um rosto que não era meu. Agora querem me odiar por quem fui?
Sentei ao seu lado.
— Agora é hora de escolheres: ou te escondes de novo… ou mostras que tua verdade vale mais do que o filtro.
Ela me olhou.
— Eu vou falar.
Mas quero que seja no nosso canal. No canal da Fundação Teresa.
— Então vamos escrever juntas.
Na manhã seguinte, publiquei nas redes:
“Vivian Guarda irá ao vivo, amanhã, contar sua história com o rosto limpo e o coração aberto. Não por defesa. Mas por libertação. Quem quiser ouvir, que ouça. Quem quiser atacar… que traga espelho.”
O anúncio causou rebuliço.
A contagem regressiva começou.
Enquanto isso, Lara me ligou dos Estados Unidos.
Havia algo diferente na voz dela.
— Mãe… preciso te contar uma coisa.
Sobre Leandro.
— Ele te fez mal?
— Não. Ele me fez lembrar de quem eu era antes de tudo. Antes de ti, antes da história.
— Isso é bom?
— Assustador.
Ela contou que os dois haviam se reencontrado na universidade e, ao final de uma oficina, ele a chamou para caminhar pelo campus. Lá, ele revelou que, na época em que a conheceu em Lisboa, tentou procurá-la novamente — mas foi impedido por superiores que viam a jovem “filha de Isabel Guarda” como imagem pública a ser protegida.
— Então tudo aquilo foi real? — ela perguntou a ele.
— Foi. Mas real não basta. É preciso coragem. E eu… não tive.
— E agora?
— Agora ainda quero saber quem tu és, Lara. Mas sem fazer de ti um símbolo.
Ela estava confusa. Dividida entre a Lara escritora… e a Lara mulher.
Entre voar… e pertencer.
— Mãe, como sabes quando uma escolha é tua… e não de quem espera que tu escolhas algo?
— Quando ela te assusta… mas não te fere.
— Então talvez eu esteja pronta.
No dia seguinte, parti para Marselha com Vera.
O endereço no diário nos levou a uma antiga casa de campo abandonada.
Lá dentro, tudo estava coberto de poeira — exceto uma cômoda intacta.
Dentro, havia um caderno de registros com nomes em código:
Menina 01, Menina 02, 03… e 04.
Ao lado, um envelope lacrado com as iniciais T.G.
Abri com as mãos trêmulas.
Dentro, uma ficha médica.
Uma data de nascimento: 7 de junho de 1997.
Mesmo dia de nascimento de Lara e Vivian.
— Meu Deus — murmurei.
Mas o nome real da menina estava riscado. Substituído por um carimbo em vermelho:
“ADOTADA. SOB SIGILO.”
— Ela está viva — disse Vera.
— E foi escondida de mim. Talvez… por minha própria mãe.
— E talvez por isso tu foste protegida também.
Fechei os olhos.
Três nascidas no mesmo dia.
Duas comigo.
E uma perdida no mundo.
Ainda.
Perfeito! A seguir está a Parte 2 do Capítulo 66 de A Minha Favorita Filha, com aproximadamente 1200 palavras, continuando este capítulo especial de 5000 palavras. Neste trecho, acontece a aguardada transmissão ao vivo de Vivian, com repercussão mundial e efeitos inesperados. Além disso, Júlia descobre a primeira pista concreta da Menina 04, em um lugar que ninguém esperava — iniciando uma nova busca, agora com urgência e emoção.
Na noite do pronunciamento, Vivian se sentou diante da câmera com o rosto nu. Sem base. Sem cílios. Sem armadura.
— Olá.
Sou Vivian Guarda.
E hoje, vou contar a minha história… pela última vez.
Mas com o rosto certo.
Respirei fundo, acompanhando da sala ao lado, com Jonas de mãos dadas comigo.
A live havia começado há apenas três minutos e já somava meio milhão de acessos.
Vivian continuou:
— Fui criada por alguém que me fez sentir que o meu rosto era um erro.
Passei minha adolescência me escondendo. Me transformando. Me apagando.
Até descobrir que tudo o que fizeram comigo era mentira.
Que eu tinha mãe.
Irmã.
Família.
E que nenhuma maquiagem do mundo esconderia isso.
Ela respirou fundo.
— Esta é minha verdade.
E se a minha cara sem filtro incomoda…
É porque a mentira vicia mais do que a realidade liberta.
O silêncio após a última frase foi poderoso.
E então… os comentários explodiram.
“Obrigada, Vivian. Me vi em ti.”
“A tua coragem me deu coragem.”
“Tu não estás sozinha.”
E, claro, os ataques vieram também.
Mas pela primeira vez, Vivian não fugiu deles.
Ela respondeu com calma.
Com dignidade.
E com rosto limpo.
A imprensa repercutiu a live como “ato político estético”.
Artigos, entrevistas, análises.
Vivian virou símbolo — dessa vez, com controle sobre sua própria imagem.
Ela me abraçou ao final da noite.
— Pela primeira vez… eu gosto de mim.
— E eu sempre gostei. Só esperava que tu conseguisses ver o que vejo.
Ela chorou em silêncio.
Mas era um choro novo.
Não era dor.
Era alívio.
Enquanto isso, Júlia me enviava uma série de mensagens agitadas:
“Mãe, descobri algo. Grave.”
“Estava editando o episódio da fundação com mulheres migrantes e uma delas contou algo que tu precisas ouvir.”
Liguei na mesma hora.
— Diz-me, filha.
— Uma das mulheres entrevistadas — Dalilah, do norte da Argélia — contou que conviveu por três anos, em um abrigo em Marselha, com uma jovem chamada Lou. Ela dizia que tinha nascido em 7 de junho de 1997. Que tinha pesadelos com fogo. E que uma mulher chamada Lis havia deixado um colar com ela antes de desaparecer.
Meu coração disparou.
— Lou? Ela ainda está viva?
— Sim. Vive hoje em Zurique. Trabalha como cozinheira num restaurante social. Nunca foi adotada oficialmente. E nunca teve documentos reais.
— Tens certeza?
— Mandei a descrição dela para um especialista em reconhecimento facial.
Compararam com fotos antigas da casa de Marselha. A semelhança é impressionante.
— E ela sabe de tudo isso?
— Não.
Mas suspeita.
Procura.
E, segundo Dalilah, ela sempre disse: “Sinto que fui esquecida por alguém que me amava.”
No dia seguinte, reservei passagens para Zurique.
Vivian pediu para ir junto.
E Lara, mesmo à distância, mandou um áudio:
“Se ela for mesmo nossa irmã… diz a ela que o que temos é casa.
Mesmo que venha ferida.”
Chegamos a Zurique no fim da tarde.
O restaurante onde Lou trabalhava era modesto, com uma fachada azul-clara e janelas cheias de plantas.
Entramos sem dizer nada.
Sentamos num canto.
E esperamos.
Ela apareceu com um avental branco, cabelo preso e olhos grandes, marcados por uma vida dura.
Mas o mais impressionante… era o rosto.
Entre o de Lara e o de Vivian.
Como uma ponte entre as duas.
Meu coração parou.
Vivian murmurou:
— Meu Deus. É ela.
Lou se aproximou com o cardápio e um sorriso gentil.
— Boa tarde. Desejam…?
Ela me olhou.
Depois, olhou Vivian.
E congelou.
— Eu… conheço vocês?
Engoli em seco.
— Talvez.
Ou talvez estejas prestes a te reconhecer em nós.
Ela franziu a testa.
— O que queres dizer?
— Lou…
Qual é a tua data de nascimento?
— Não tenho certeza. Mas sempre disseram… 7 de junho de 1997.
Vivian sorriu.
Chorando.
— A nossa também.
— E o colar que tu usas?
Ela puxou. Era uma flor de lis. Envelhecida.
O símbolo da minha mãe.
— Disseram que uma mulher me deixou isso quando criança.
Lis.
Mas nunca soube quem era.
Respirei fundo.
— Talvez ela tenha sido minha mãe.
E talvez…
tu sejas minha filha.
Lou se afastou um passo.
— O quê?
— Teresa era minha mãe. E antes de morrer, ela protegeu três meninas.
Tu foste uma delas.
Ela começou a tremer.
— Não… isso não pode…
— Não queremos nada de ti.
Só te dar… o que foi negado.
Um nome.
Uma história.
Uma escolha.
Ela sentou.
— Sempre sonhei com este dia.
Mas agora que chegou…
Tenho medo.
— Nós também tivemos.
Vivian segurou sua mão.
— Tu não precisas decidir agora.
Mas queremos que saibas:
Somos tuas irmãs.
Se quiseres.
Lou chorou.
— Eu não sei quem sou.
— Então vem descobrir com a gente — disse eu.
Naquela noite, sentamos as três em silêncio.
Em um banco de madeira, perto do lago Zurique.
A lua refletia sobre a água.
E naquele reflexo…
três rostos se uniram.
Não por acaso.
Não por genética apenas.
Mas por sobrevivência.
E naquele instante, soubemos:
As filhas do silêncio finalmente se ouviram.
Excelente! A seguir está a Parte 3 do Capítulo 66 de A Minha Favorita Filha, com cerca de 1200 palavras, aprofundando a chegada de Lou à vida da família Guarda, com encontros emocionantes com Jonas e Júlia, revelações surpreendentes sobre seu passado biológico, e o surgimento de uma nova ameaça política, que tenta apagar o nome de Teresa da história oficial — iniciando uma batalha pública por memória, identidade e verdade.
Levei Lou para Genebra dois dias depois.
Ela aceitou o convite com um sim tímido, quase inaudível, como quem ainda não acredita que pode dizer "sim" sem consequências.
Jonas nos recebeu à porta com o mesmo sorriso que deu a Vivian quando ela chegou.
Um sorriso que diz: “não entendo tudo, mas estou aqui.”
— Bem-vinda — disse ele. — Esta casa nunca teve número certo de quartos.
Só de portas abertas.
Lou olhou em volta, como se pisasse num filme. Tocou nas molduras, nos livros, nos móveis.
— Aqui cheira a verdade — murmurou.
— Cheira a luta — respondi. — E a recomeços.
Apresentei-a a Júlia no fim da tarde.
— Então… somos três? — disse Júlia, meio em choque.
— Três — disse Vivian. — Mas com tempo. Cada uma à sua medida.
Lou riu nervosa.
— Eu não sei nem quem fui. Muito menos quem sou.
— Nós também não sabíamos — disse Lara por chamada de vídeo. — Só aprendemos tentando.
— E se eu me perder?
— Estaremos contigo quando isso acontecer.
E quando te achares também.
Naquela noite, Lou me perguntou:
— Por que tua mãe me escondeu?
— Para te proteger. E para me proteger também.
— Mas… de quem?
Essa era a pergunta.
E a resposta viria no dia seguinte.
Recebi um e-mail anônimo com o assunto:
“Apaguem Teresa. Ou sofrerão as consequências.”
Dentro, imagens forjadas, distorcendo eventos do passado. Montagens com Teresa ao lado de ditadores, acusações falsas, e uma ameaça clara:
“Se não retirarem o nome Teresa do Comitê, vamos revelar tudo.
Verdade ou mentira… não importa.
O mundo vai crer no que for mais escandaloso.”
Mostrei o e-mail a Vera.
— Sabia que isso viria. O sucesso do documentário. O crescimento da fundação. A visibilidade de vocês três…
— É ameaça política?
— É chantagem simbólica. Querem apagar Teresa da história. E com ela, tudo que construíste.
Júlia propôs uma resposta imediata.
— Vamos à imprensa. Mostrar o que estão fazendo. Lançar uma campanha pela proteção da memória de Teresa.
— E se isso for exatamente o que eles querem? Barulho?
— Então que tenham. Mas com verdade.
Vivian sugeriu:
— E se fizermos um novo episódio?
Teresa: O Nome Que Eles Querem Calar.
— Excelente — disse Jonas. — Mas que seja pessoal. Humano. Não só defesa. Emoção e verdade.
Lou ficou em silêncio.
Depois disse:
— Posso participar?
Todos a olharam.
— Eu não sei quase nada sobre Teresa. Mas sei o que foi ser protegida por ela.
Mesmo sem saber.
E agora… quero protegê-la de volta.
A gravação começou na manhã seguinte.
Usamos a biblioteca da fundação. As filhas de Teresa — biológicas ou não — sentaram-se em círculo.
Vivian falou sobre ser rejeitada e reencontrada.
Lara leu trechos de cartas nunca publicadas de Teresa.
Lou mostrou o colar da flor de lis, dizendo:
— Esse símbolo me deu nome antes de ter sobrenome.
E eu, no encerramento, disse:
— Se querem apagar Teresa, terão que nos apagar primeiro.
Mas saibam: somos três.
Somos múltiplas.
E somos memória viva.
Enquanto a edição era finalizada, Vera apareceu com um dossiê nas mãos.
— Encontramos documentos que revelam o nome completo de Lou antes do abrigo.
— E?
— O pai biológico dela era um jornalista desaparecido na Argélia, Youssef Ben Rami.
Ele fazia parte de uma rede de denúncias contra corrupção internacional.
Teresa ajudou a esconder a filha dele quando ele foi morto.
— Então ela salvou Lou… por amor ao pai?
— Por lealdade à verdade.
Fiquei em silêncio.
Lou, ao saber, apenas disse:
— Ele foi morto por dizer a verdade?
Então agora… eu vivo para honrar isso.
Na véspera do lançamento do novo episódio, recebemos uma segunda ameaça.
Desta vez, direta:
“Se publicarem o nome de Teresa novamente, daremos fim à Fundação.
Temos acesso. Temos poder.
Último aviso.”
Vivian respirou fundo.
— Sabem o que significa isso?
— Que estamos vencendo — respondeu Lara por chamada.
— E que estamos perto demais da verdade — disse Júlia.
Olhei para as minhas filhas.
Minhas mulheres.
E soube que não iríamos recuar.
— Publiquem.
Às 20h de uma sexta-feira, o episódio foi ao ar.
Em menos de 15 minutos, estava entre os vídeos mais assistidos da Europa.
E os comentários…
Foram avassaladores.
“Teresa vive em cada uma delas.”
“Ninguém apaga raízes tão fundas.”
“Essas mulheres são o que o mundo precisa ouvir.”
As ameaças continuaram por dois dias.
Depois… silenciaram.
Porque a verdade, quando ecoa forte demais,
fica impossível de abafar.
Na última noite da semana, estávamos reunidos na sala.
Júlia editava.
Jonas lia.
Lou e Vivian escreviam cartas para mulheres do projeto.
Lara, por chamada, lia seu novo poema:
“Se eu for apagada,
Que seja por inteiro.
Porque metade de mim…
Já não aceito mais ser.”
Olhei para elas.
E entendi.
Teresa venceu.
Porque nós estamos vivas.
Excelente! A seguir está a Parte 4 do Capítulo 66 de A Minha Favorita Filha, com cerca de 1200 palavras, aproximando-nos do clímax deste capítulo especial. Nesta parte, Lara toma uma decisão inesperada que abala a família, enquanto Vivian e Lou aprofundam seus laços e descobrem uma carta jamais aberta, escrita por Teresa especialmente para Lou — um segredo que pode redefinir tudo o que elas pensavam saber sobre amor, sacrifício e maternidade
A calma após o episódio não durou.
Na manhã de segunda-feira, recebi uma mensagem de Lara:
“Mãe, preciso conversar contigo.
Tomei uma decisão.
É sobre mim… e sobre ficar.”
Meu coração apertou.
Quando a chamei por vídeo, ela apareceu com o cabelo preso, olhos firmes — mas havia algo em sua voz que denunciava incerteza.
— Aceitei o convite para lecionar por dois anos nos Estados Unidos.
— Dois anos?
— Eles querem que eu lidere um núcleo de literatura de resistência feminina. Com bolsa, casa, equipe própria. E mais: vão publicar minha nova obra lá. Um romance sobre nós três.
— E queres ir?
Ela hesitou.
— Eu quero construir algo que seja só meu.
E… também preciso sair da sombra da nossa história.
Amo tudo o que vivemos, mas preciso respirar sem o peso da herança.
Sem ser sempre… a filha de Isabel.
Doeu.
Mas entendi.
— Então vai.
Mas leva contigo o que somos.
Não como peso.
Mas como raiz.
Ela chorou.
— Prometes que não vais me substituir?
— Impossível. Porque tu és insubstituível.
Enquanto isso, Vivian e Lou passaram a trabalhar lado a lado na fundação.
A cumplicidade entre elas crescia rápido.
Uma noite, ao reorganizar arquivos antigos deixados por Vera, Vivian encontrou uma pequena caixa com a inscrição:
"Para quando Lou puder entender."
Era uma carta.
De Teresa.
Para Lou.
Nunca aberta.
Nunca lida.
Lou segurou o envelope com mãos trêmulas.
— Eu não sei se quero ler.
— Então não lês agora. Mas ela existe. Isso basta, por enquanto.
— E se ela me disser que eu fui só um acidente no caminho?
— Então diremos a ela que não foste.
Que foste resgate.
E que és casa.
Lou chorou.
Mas guardou a carta.
Sem abrir.
Como quem adia a verdade, mas não a nega.
Na manhã seguinte, Jonas recebeu uma ligação do Ministério da Justiça suíço.
— Querem reconhecer oficialmente a fundação como centro internacional de proteção à memória feminina.
Mas… com uma condição.
— Qual?
— Que eu aceite ser o rosto institucional. Não como ativista. Mas como diplomata.
— E tu?
Ele olhou para mim.
— Se eu aceitar… ficarei longe por tempo. Viagens. Protocolos.
— E tu queres?
— Quero proteger o que construímos. Mesmo de longe.
Abracei-o.
— Então vai.
Porque o amor que criamos não cabe num país só.
Naquela tarde, estávamos todos na fundação quando Lou, sozinha, subiu à biblioteca.
Vivian percebeu.
— Acho que ela vai ler a carta.
Ficamos em silêncio.
Esperando.
Lou voltou meia hora depois, com os olhos inchados.
— Ela… ela sabia tudo.
Ela me amava.
Mesmo de longe.
Mesmo em segredo.
— O que dizia? — perguntei, com cautela.
Ela leu, com voz embargada:
*“Lou,
Não posso te ter por perto.
Mas posso te guardar dentro.
Um dia, talvez me odeies por isso.
Mas eu preferi ser lembrança ausente
a ser presença em perigo.
Tu és coragem.
Tu és luz.”*
Vivian se aproximou.
— Tu és nossa irmã.
De alma.
De guerra.
De esperança.
Lou olhou para mim.
— Posso chamar-te de mãe?
Meus olhos se encheram.
— Podes. Quando quiseres.
E até quando não quiseres.
Ela veio devagar.
E me abraçou.
Como quem escolhe.
Não por sangue.
Mas por amor.
Naquela noite, escrevi em meu caderno:
“As mães que sobrevivem não são as que têm todas as respostas.
São as que esperam pelo momento certo de serem reencontradas.
Teresa… foste mais mãe do que pensei.
Porque deixaste herdeiras.
E agora, somos três.
Inteiras.”
Maravilha! A seguir está a Parte 5 e final do Capítulo 66 de A Minha Favorita Filha, concluindo este capítulo especial de aproximadamente 5000 palavras com emoção, escolhas marcantes e promessas de continuidade. Esta parte traz a despedida de Lara, a primeira vitória internacional da Fundação Teresa, uma decisão surpreendente de Vivian sobre sua imagem pública, e Lou finalmente assumindo sua própria voz, encerrando este capítulo com força, delicadeza e verdade
O dia da partida de Lara chegou com o céu coberto de nuvens baixas.
Jonas tentou disfarçar a emoção preparando café.
Vivian e Lou escreveram cartas em segredo, dobradas com cuidado.
E eu… vesti a mesma blusa que usei no dia em que ela nasceu. Como um rito íntimo. Só meu.
Lara surgiu na escada com a mala de rodinhas e um sorriso doce.
Tímido.
Triste.
Firme.
— Estou pronta — disse ela.
— Nós nunca estamos — respondi.
Vivian foi a primeira a se aproximar. Entregou o envelope.
— Só abre quando te sentires perdida.
— E se eu nunca me perder?
— Então deixa guardado. Só pra saber que estás encontrada.
Lou apareceu com um pequeno caderno.
Capa preta, sem título.
— É teu agora. Se quiseres escrever sobre nós.
Lara olhou nos olhos dela.
— Obrigada.
Por chegares.
Por ficares.
Eu a abracei por último.
— Sê tudo, filha.
Sem medo.
Sem culpa.
Sem me pedir licença.
Ela chorou nos meus ombros.
— Tu és meu ponto de partida.
Mas agora… eu vou construir a minha estrada.
— E ela vai te trazer de volta.
Sempre.
No aeroporto, ficamos até ela sumir no portão de embarque.
Depois, voltamos em silêncio.
Cada uma pensativa.
Cada uma sentindo que alguma parte sua também embarcou.
Dias depois, recebemos a notícia:
A Fundação Teresa foi oficialmente reconhecida como Organização Humanitária Europeia, com direito a sede permanente em Bruxelas, atuação internacional e verba oficial para proteção da memória feminina em zonas de guerra, refúgio e opressão.
Choramos.
Comemoramos.
E prometemos: nada seria em vão.
Vivian então me chamou à biblioteca.
— Preciso te contar uma decisão.
— Diz-me.
— Vou encerrar minhas redes sociais pessoais.
Vou desaparecer da mídia.
Quero que a minha imagem seja só isso agora: uma construção coletiva.
Não mais um rosto.
— Mas por quê?
— Porque entendi que me reconstruí demais.
E agora, quero viver inteira.
Fora dos filtros.
Fora do palco.
— Tu estás certa disso?
— Pela primeira vez… estou.
Ela me abraçou.
— A mulher que tu criaste em mim… agora pode caminhar sozinha.
Lou também fez sua escolha.
— Quero estudar psicologia. Quero ajudar mulheres como eu.
Mas antes disso… quero ir até Marselha.
Quero ver com meus próprios olhos onde fui escondida.
E deixar lá uma flor.
— Queres que vá contigo?
— Não.
Quero ir como filha.
Mas voltar como mulher.
Ela partiu dias depois.
E voltou com uma pedra nas mãos.
— Tirei do chão da casa onde cresci escondida.
Vai ser minha âncora.
Na última cena do mês, estávamos as três sentadas no terraço da fundação.
O céu alaranjado.
As vozes suaves.
E um caderno novo aberto no centro da mesa.
Vivian escreveu a primeira frase:
“Aqui começa o capítulo das que escolheram viver.”
Lou escreveu em seguida:
“Não fomos criadas para agradar. Fomos criadas para continuar.”
E eu escrevi, por fim:
“Sou Isabel.
Filha de Teresa.
Mãe de Lara.
Mãe de Vivian.
Mãe de Lou.
E hoje, sou só…
uma mulher inteira,
escrita por mil silêncios…
e por três vozes.”
Fechei o caderno.
Olhei para o horizonte.
E soube:
a história não acaba aqui.
Ela só aprende a respirar com liberdade.