Capítulo 76 : As irmãs que a verdade separou

Recebi a mensagem às 10h da manhã.

“Clara está em Genebra.

Pediu para ver a Fundação.

E quer encontrar Júlia.

Só vocês duas. — Vera”

Meu estômago revirou.

Não pelo encontro em si, mas porque há anos venho empurrando para o fundo da memória o que Clara significa para mim — e para Júlia.

Clara chegou pontualmente às 16h.

Elegante. Sóbria.

Com aquele ar de quem não pede licença nem perdão.

Júlia já estava à minha espera, sentada em silêncio na sala de reuniões da antiga Fundação.

— Trouxeste mesmo ela aqui? — murmurou.

— Ela pediu. E eu achei… que talvez fosse hora.

— Hora de quê?

De fingir que ela sempre foi parte?

Antes que eu pudesse responder, Clara entrou.

Os olhos das duas se cruzaram.

Silêncio.

Denso.

Cortante.

— Olá, Júlia — disse Clara.

— Pensava que ias continuar sendo apenas uma nota de rodapé da nossa história — respondeu Júlia.

Clara riu, mas sem humor.

— Fui mais do que isso. Só que ninguém me escreveu.

Sentei entre elas. Mas nem eu conseguiria ocupar o espaço do que nunca foi resolvido.

— Por que agora? — perguntou Júlia.

— Porque quero entender por que fui excluída.

Por que Teresa me escondeu.

E por que vocês duas viraram filhas públicas…

e eu fui a vergonha invisível.

Júlia rebateu:

— Teresa não nos deu escolha.

Ela amava a Isabel com orgulho.

A mim com indiferença.

E a ti com silêncio.

Clara abaixou os olhos.

— E ainda assim… eu queria tê-la conhecido de verdade.

— Conhecer Teresa? — Júlia sorriu amargo.

— Ela não foi mãe. Foi missão.

E tu, Clara… foste a falha que ela nunca quis confessar.

— E o que eu sou pra ti, Júlia?

— Uma lembrança do que eu nunca fui: livre.

Tu tiveste outra vida.

Outra mãe.

Outra história.

— E mesmo assim, me invejas?

— Não te invejo.

Te culpo.

Clara ficou em silêncio.

E eu… senti o peso das duas.

— Basta — disse, por fim.

— Teresa errou com todas.

Comigo. Contigo. Com Júlia.

Ela nos fragmentou com o peso da missão dela.

Mas o que fazemos com isso… agora é escolha nossa.

Clara me olhou.

— Escolhi vir.

Escolhi perguntar.

Mas não sei se consigo perdoar.

— Nem eu — disse Júlia. — Mas talvez possamos nos ouvir.

Mesmo que doa.

As duas se calaram.

Não se abraçaram.

Não se perdoaram.

Mas naquele momento, pela primeira vez, se reconheceram.

Clara levantou-se.

— Obrigada por me deixares ver o lugar que não foi meu.

— E talvez ainda possa ser — disse eu.

Ela hesitou.

Depois saiu.

Júlia ficou parada.

Depois olhou para mim.

— E tu?

— Eu?

— Foste a favorita.

Foste a herdeira.

Tu achas que foste justa?

— Nunca.

Mas tentei.

E hoje… só quero ser inteira.

Júlia sorriu. Triste.

— Também eu.

Naquela noite, escrevi:

“Clara. Júlia. Isabel.

Três versões da filha que Teresa tentou formar.

Mas a verdade é que nenhuma de nós coube na caixa que ela construiu.

E agora…

talvez possamos nos montar com os pedaços soltos.”