Capítulo 77 : O nome que nunca foi dito

O silêncio depois do reencontro com Clara durou dois dias.

Júlia evitava o assunto.

Eu tentava respirar entre as lembranças.

Mas algo em mim dizia que aquilo ainda não tinha acabado.

E não demorou a provar-se verdade.

Na manhã de sábado, Clara reapareceu.

Vestia o mesmo casaco cinzento da última visita, mas os olhos tinham outro brilho — o de quem veio com uma decisão tomada.

— Posso entrar?

— Claro.

Nos sentamos no antigo escritório da Fundação, agora esvaziado, com caixas empilhadas e cheiro de final.

Clara foi direta:

— Quero criar um novo projeto.

Uma iniciativa social.

Pequena. Sem grandes ambições.

Mas quero que leve o nome da minha mãe: Eulália.

Fiquei em silêncio.

— Teresa teve nome, legado, história escrita.

Mas a minha mãe foi a mulher esquecida no canto da fotografia.

E eu… cansei de ser filha do apagamento.

— Clara… isso é sobre revanche?

Ela me olhou firme.

— Não. É sobre existência.

Convoquei Júlia.

Ela ouviu em silêncio.

Depois disse:

— E queres nosso apoio?

— Quero que não me vejam como ameaça.

— Então por que construir algo fora do que já existe?

— Porque eu nunca fiz parte do que existe.

— Mas podias fazer agora.

Clara suspirou.

— Não quero viver à sombra de Teresa.

Quero criar algo com outra raiz.

Com outra linguagem.

Com outra dor.

Ficamos em silêncio.

Até que Júlia murmurou:

— Dói… porque me soa como abandono.

— Não é — respondeu Clara. — É só a primeira vez que sou vista em pé.

Não como uma nota de rodapé.

Fiquei entre as duas.

Como tantas vezes estive entre Lara, Vivian e Lou.

Mas agora… era com minhas irmãs.

— Eulália não foi parte do legado político de Teresa — disse eu. — Mas foi tua mãe.

E se ela te moldou… então seu nome também merece ser lembrado.

Clara assentiu.

— Não peço herança.

Peço espaço.

Naquela noite, escrevi:

“Não é só Teresa que deixou filhas.

Eulália também deixou uma.

E agora ela pede o que todas nós pedimos um dia:

O direito de existir com nome próprio.”

Dois dias depois, ajudei Clara a escrever a missão do novo projeto:

Iniciativa Eulália

Por todas as mulheres invisíveis.

Pelas mães que criaram sem aplauso.

Pelas filhas que sobreviveram fora da história oficial.

Enviei para Lou, Vivian e Lara.

Lou respondeu:

— Apoio. Porque sei como é crescer sem nome.

Vivian:

— Bonito. E justo. Desde que não apaguem Teresa pra acender outra.

Lara:

— Talvez agora seja a hora de escrevermos juntas. Três mães. Três filhas. Três histórias.*

Clara voltou à minha casa no fim da semana.

— Achas que Teresa me odiaria?

— Não.

Mas talvez não te entendesse.

Ela amava com a lógica da guerra: ou estás comigo… ou contra mim.

E tu estás… por ti.

Ela sorriu.

— E isso basta?

— Hoje… sim.

No último parágrafo do meu caderno, escrevi:

“Não somos uma árvore com um tronco só.

Somos galhos.

Ramos partidos que florescem em direções opostas.

E isso… também é família.”