Capítulo 79 : Quando a árvore Dá Galhos Demais

Durante a noite inteira, pensei se deveria convidar Beatriz para conhecer minhas filhas.

“Minhas filhas.”

A frase soava frágil desde que Clara reapareceu.

Agora… com Beatriz, parecia prestes a desmoronar.

Mas fugir de fantasmas nunca os faz desaparecer.

Então decidi encarar.

Mandei uma mensagem para Lou, Vivian e Lara:

— Preciso que estejam todas em casa amanhã.

Quero que conheçam alguém.

É importante.

Elas não perguntaram.

Só confirmaram.

Mas eu sabia: algo ia mudar depois desse encontro.

Beatriz chegou pontualmente.

Vestia azul-escuro, cabelo preso, expressão firme.

Tinha o jeito de quem esperava ser rejeitada — mas que ainda assim vinha por inteireza.

Lou abriu a porta.

— És tu?

— Beatriz. E tu deves ser Lou.

— Sou.

O aperto de mão foi tenso, mas respeitoso.

Vivian foi a próxima a aparecer.

— Sinceramente? Não esperava outra irmã hoje — disse, meio séria, meio irônica.

— Nem eu — respondeu Beatriz. — Mas às vezes a verdade não espera nossa permissão.

Lara ficou no alto da escada, observando.

— És mesmo filha dela?

— Sou. E não vim para competir.

Só para existir.

Essa frase ficou no ar.

Na sala, sentamos em silêncio por longos minutos.

Eu, no centro.

Beatriz à minha esquerda.

As meninas espalhadas como peças de um quebra-cabeça que já não encaixava direito.

— Teresa me teve durante a guerrilha — começou Beatriz. — A mãe que me criou se chamava Elisa. Teresa pediu a ela que me criasse longe, com outro nome. Para me proteger… ou para me esconder. Ainda não sei.

Lou baixou os olhos.

Vivian cruzou os braços.

Lara escreveu algo num papel, distraída.

Ninguém aplaudiu.

Mas também ninguém a expulsou.

Mais tarde, na cozinha, Vivian me puxou de lado.

— Mãe… vais adotá-la também?

— Vivian…

— É sério. Primeiro Lou. Depois Clara. Agora Beatriz.

Estamos a fazer cadastro para entrar na família?

— Isso não é justo.

— Nem isso é leve.

Júlia chegou à noite.

Ela não sabia que Beatriz ainda estava lá.

Quando viu, parou na porta.

— Ah.

Mais uma.

— Júlia… — tentei.

— Só vim trazer os documentos da Iniciativa Eulália.

Mas vejo que já tens nova fundação emocional aqui.

Beatriz se levantou.

— Tu deves ser Júlia. A que foi deixada de lado… e mesmo assim ficou.

— A que teve nome, mas nunca voz — rebateu Júlia.

— Somos parecidas então.

O clima gelou.

— Eu nasci da guerra — disse Beatriz. — Tu foste criada sob a sombra dela.

Nenhuma de nós venceu.

— Mas algumas de nós ainda sangram — respondeu Júlia, e saiu.

Mais tarde, Lou me perguntou:

— Vais deixar ela ficar?

— Ainda estou decidindo.

— E se nós não quisermos?

— Não é uma questão de querer.

É de aceitar que às vezes… a verdade vem com rachaduras.

Lou suspirou.

— Só não quero perder o pouco que conseguimos construir.

— Também eu.

Na varanda, Beatriz me perguntou:

— A tua mãe era mesmo o que dizem?

— Era. E também não era.

— Sinto que me deram o nome dela…

mas não a chance de conhecê-la.

— Bem-vinda ao clube.

Ela sorriu. Triste.

— Fui filha do silêncio.

Agora… quero ser mulher do que restou.

Naquela noite, escrevi:

“O sangue não garante lugar.

Mas a coragem de se apresentar…

Essa merece uma cadeira à mesa.

Mesmo que a mesa fique pequena.

Mesmo que o coração fique apertado.

Porque uma árvore com galhos demais…

ainda é árvore.

E ainda dá sombra.”