Quando Lara me disse que daria uma entrevista ao vivo, meu coração parou — mas minha boca sorriu.
— Tens certeza?
— Não.
Mas já fugi antes.
Hoje, fico.
Ela vestia uma blusa preta simples, sem maquiagem, com o cabelo solto como quem diz: “eu não preciso ser filtrada.”
A entrevista começou às 21h.
Estúdio minimalista, apresentadora experiente, iluminação suave.
Do outro lado da tela, milhares de pessoas aguardando o momento certo para amar… ou atacar.
— Boa noite, Lara Guarda.
O que te motivou a escrever um livro tão íntimo, tão brutal?
Lara respirou fundo.
— Eu cresci sendo filha de uma mulher admirada…
e neta de um nome que carrega estátuas e silêncio.
Escrevi porque, entre tanto legado,
eu só queria ter espaço para existir.
O chat disparava.
“Ah pronto. Mais uma vítima do sobrenome.”
“Se não fosse filha da Isabel, ninguém lia isso.”
“Rebelde mimada.”
Ela continuou:
— Eu não escrevi para ganhar medalha.
Escrevi porque, se não o fizesse, a dor me sufocava.
Eu assistia de casa.
As mãos suando.
A alma entre a tela e o abismo.
Então veio a pergunta da apresentadora:
— Achas que foste usada para proteger o nome da tua mãe?
E da tua avó?
Lara hesitou.
Engoliu seco.
— Acho que… às vezes fui o escudo.
E às vezes fui a culpa.
Mas hoje… sou só eu.
E pela primeira vez, isso basta.
Nesse momento, os comentários explodiram:
“Drama vendido como empoderamento.”
“Manda ela voltar pro palácio da fundação.”
“Filha de terrorista!”
A apresentadora tentou continuar.
Mas os olhos de Lara tremiam.
Eu me levantei.
Peguei o casaco.
Disse a Jonas:
— Vou ao estúdio.
— Tens certeza?
— Ela me defendeu durante toda a vida.
Hoje… é minha vez.
Cheguei em 12 minutos.
Passei direto pela receção, dizendo apenas:
— Sou Isabel Guarda. Mãe dela.
Seguranças hesitaram.
Mas o produtor liberou.
— Deixa entrar. Vai ser histórico.
Entrei no estúdio ao vivo.
O mundo assistia.
Lara me olhou, surpresa.
A apresentadora tentou improvisar:
— Temos agora a presença inesperada de Isabel Guarda…
Peguei o microfone.
Minhas mãos tremiam.
Minha voz não.
— Durante anos, usei o silêncio como forma de proteger minhas filhas.
Achei que, calando, as pouparia.
— Mas o silêncio mata também.
E hoje estou aqui para dizer:
nenhuma delas me deve perfeição.
Nem lealdade cega.
Nem gratidão eterna.
Olhei para Lara.
— A Lara não é reflexo da minha culpa.
É meu espelho mais honesto.
Porque ela fala…
onde eu calei.
A sala ficou muda.
O chat… também.
Por um instante, o mundo inteiro se calou para escutar o que antes ignorava.
— Chamaram-nos de oportunistas.
De projeto de mártir.
De filhas de propaganda.
— Mas somos só isso:
mulheres que sobreviveram à herança de uma história que nunca nos perguntou se queríamos continuar.
Entreguei o microfone à apresentadora.
Abracei Lara.
E juntas…
descemos do palco.
No carro, ela sussurrou:
— Mãe…
— Sim?
— Obrigada por não me salvar.
Obrigada por me deixar falar.
E obrigada…
por aparecer.
Naquela noite, escrevi:
“Hoje vi a voz da minha filha tremer.
Mas ela não caiu.
E no fim…
era o mundo que precisava escutar.
Não ela que precisava provar.”