Capítulo 82 - A voz que não tremia Mais

Quando Lara me disse que daria uma entrevista ao vivo, meu coração parou — mas minha boca sorriu.

— Tens certeza?

— Não.

Mas já fugi antes.

Hoje, fico.

Ela vestia uma blusa preta simples, sem maquiagem, com o cabelo solto como quem diz: “eu não preciso ser filtrada.”

A entrevista começou às 21h.

Estúdio minimalista, apresentadora experiente, iluminação suave.

Do outro lado da tela, milhares de pessoas aguardando o momento certo para amar… ou atacar.

— Boa noite, Lara Guarda.

O que te motivou a escrever um livro tão íntimo, tão brutal?

Lara respirou fundo.

— Eu cresci sendo filha de uma mulher admirada…

e neta de um nome que carrega estátuas e silêncio.

Escrevi porque, entre tanto legado,

eu só queria ter espaço para existir.

O chat disparava.

“Ah pronto. Mais uma vítima do sobrenome.”

“Se não fosse filha da Isabel, ninguém lia isso.”

“Rebelde mimada.”

Ela continuou:

— Eu não escrevi para ganhar medalha.

Escrevi porque, se não o fizesse, a dor me sufocava.

Eu assistia de casa.

As mãos suando.

A alma entre a tela e o abismo.

Então veio a pergunta da apresentadora:

— Achas que foste usada para proteger o nome da tua mãe?

E da tua avó?

Lara hesitou.

Engoliu seco.

— Acho que… às vezes fui o escudo.

E às vezes fui a culpa.

Mas hoje… sou só eu.

E pela primeira vez, isso basta.

Nesse momento, os comentários explodiram:

“Drama vendido como empoderamento.”

“Manda ela voltar pro palácio da fundação.”

“Filha de terrorista!”

A apresentadora tentou continuar.

Mas os olhos de Lara tremiam.

Eu me levantei.

Peguei o casaco.

Disse a Jonas:

— Vou ao estúdio.

— Tens certeza?

— Ela me defendeu durante toda a vida.

Hoje… é minha vez.

Cheguei em 12 minutos.

Passei direto pela receção, dizendo apenas:

— Sou Isabel Guarda. Mãe dela.

Seguranças hesitaram.

Mas o produtor liberou.

— Deixa entrar. Vai ser histórico.

Entrei no estúdio ao vivo.

O mundo assistia.

Lara me olhou, surpresa.

A apresentadora tentou improvisar:

— Temos agora a presença inesperada de Isabel Guarda…

Peguei o microfone.

Minhas mãos tremiam.

Minha voz não.

— Durante anos, usei o silêncio como forma de proteger minhas filhas.

Achei que, calando, as pouparia.

— Mas o silêncio mata também.

E hoje estou aqui para dizer:

nenhuma delas me deve perfeição.

Nem lealdade cega.

Nem gratidão eterna.

Olhei para Lara.

— A Lara não é reflexo da minha culpa.

É meu espelho mais honesto.

Porque ela fala…

onde eu calei.

A sala ficou muda.

O chat… também.

Por um instante, o mundo inteiro se calou para escutar o que antes ignorava.

— Chamaram-nos de oportunistas.

De projeto de mártir.

De filhas de propaganda.

— Mas somos só isso:

mulheres que sobreviveram à herança de uma história que nunca nos perguntou se queríamos continuar.

Entreguei o microfone à apresentadora.

Abracei Lara.

E juntas…

descemos do palco.

No carro, ela sussurrou:

— Mãe…

— Sim?

— Obrigada por não me salvar.

Obrigada por me deixar falar.

E obrigada…

por aparecer.

Naquela noite, escrevi:

“Hoje vi a voz da minha filha tremer.

Mas ela não caiu.

E no fim…

era o mundo que precisava escutar.

Não ela que precisava provar.”