Capítulo 83 : Quando As filhas escrevem o fim

Capítulo 83 – Quando As Filhas Escrevem o Fim

Narrado por Lou e Vivian (em cartas para Isabel)

[Carta de Lou – Enviada de Nairobi, Quênia]

Mãe,

Hoje falei para um grupo de meninas que caminham duas horas todos os dias para estudar.

Eu levei histórias.

Mas recebi olhos.

Olhos que sabem o que é crescer invisível.

Uma delas se chama Salima.

Ela me olhou e disse:

— “Eu também sou filha de alguém que não me lembra.”

E eu respondi:

— “Então, lembra-te de ti.”

No fim da palestra, eu chorei.

Não por dor.

Mas porque percebi que o que Teresa fez ao me esconder…

foi o que tu fizeste ao me revelar:

um ato de proteção.

Um gesto de amor torto, mas necessário.

Ainda me dói não ter crescido contigo.

Mas não me dói mais ser tua filha.

Porque agora, eu escolho continuar.

Com amor,

Lou

[Carta de Vivian – Enviada de Istambul, Turquia]

Mãe,

A ONG me enviou para documentar histórias de mulheres refugiadas da Síria.

Passei três dias num abrigo onde quase todas tinham marcas visíveis…

e outras invisíveis.

Uma delas, Rania, me pediu para tirar uma foto dela sorrindo.

Sem maquiagem. Sem filtro.

— “Quero ver quem sou agora” — ela disse.

Mãe, naquele instante…

eu pensei em ti.

Tu foste meu espelho quando eu só via falhas.

Mas hoje, ao ver Rania, entendi:

A beleza não está no que escondemos.

Está no que decidimos mostrar… mesmo com medo.

Ainda tenho dias ruins.

Ainda me olho no espelho procurando aquela menina.

Mas agora…

sei que ela me olha de volta com orgulho.

Te amo.

Vivian

[Carta de Lou – Dia seguinte]

Hoje sonhei com Teresa.

Ela estava sentada numa cadeira de vime, lendo algo que parecia ser um diário.

Quando me aproximei, ela disse:

— “Nunca tive tempo de ser só mulher.

Mas espero que minhas filhas possam.”

Mãe…

acho que agora entendo.

O legado não é sobre continuar a guerra.

É sobre aprender a viver em paz…

mesmo carregando cicatrizes.

Se eu te perguntasse hoje:

“Qual de nós é tua favorita?”

Acho que tu responderias:

“A que se tornou quem precisava ser.

E não quem eu queria.”

[Carta de Vivian – Último dia da missão]

Encerrei o documentário com um texto simples:

“Sou filha da reconstrução.

Filha de Teresa, de Isabel, de mim mesma.

Fui feita de pedaços.

Mas hoje, inteira ou não…

sou real.

Deixei uma cópia para cada mulher que entrevistei.

Mãe, não quero mais provar nada.

Quero só seguir…

sabendo que cada passo que dou

também leva um pouco de ti.

Com carinho,

Vivian

[Narração de Isabel – trecho final do capítulo]

Recebi as duas cartas ao mesmo tempo.

Li sozinha.

Depois li em voz alta para Júlia, para Clara, para Lara.

Cada frase parecia uma costura nova em meu peito antigo.

Não respondi com palavras.

Mas fui até o quarto delas.

Abri a gaveta onde guardo o diário de Teresa.

E escrevi:

“Elas escrevem melhor do que eu.

Porque escrevem com o corpo inteiro.

E talvez seja isso que me torna…

a mãe mais sortuda do mundo.”