Capítulo 84: A última carta de Teresa

Capítulo 84 – A Última Carta de Teresa

Narrado por Isabel

Foi Clara quem encontrou.

Estava dentro de um livro de capa dura, escondido entre os volumes do arquivo pessoal de Teresa.

Era um exemplar antigo de O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir — o mesmo que minha mãe lia nos anos em que fingia ser só professora.

No meio das páginas, um envelope fechado com cera vermelha.

Escrito à mão, com sua caligrafia afiada:

“Às minhas filhas, as nomeadas e as esquecidas.”

– Teresa Guarda

Reunimos todas na antiga sala da Fundação — agora silenciosa, transformada em espaço de memória.

Clara entregou a carta nas minhas mãos.

Por um momento, tremi.

Júlia, sempre emocional, segurava a respiração.

Lara observava com os olhos da escritora.

Lou e Beatriz se entreolharam.

Vivian… apenas cruzou os braços. Esperava. Como sempre.

Abri o envelope.

E li.

**“Se estás a ler isto, é porque já não estou aí para defender-me.

E talvez isso seja justo.

Passei a vida protegendo causas, pessoas, ideias.

Mas protegi pouco as que me chamavam de mãe.

Isabel, foste a que mais recebeu de mim — mas também a que mais cobrei.

Perdoa-me por amar-te com armadura.

Júlia, foste a flor que reguei com pressa.

Nunca soube como cuidar de quem floresce por beleza, e não por batalha.

Clara, foste o erro que enterrei por covardia.

Não por vergonha tua — mas da mulher que fui ao te negar.

Lou, nunca vi teu rosto.

Mas tua existência foi minha forma de redimir o que fiz às outras.

Vivian, foste levada de mim pelo medo.

E talvez Deus jamais me perdoe por isso.

Lara, foste a neta que desejei, mas nunca segurei.

Talvez em ti, minha história encontre paz.

A todas vocês…

Não fui justa.

Mas fui sincera.

Se me odiarem, entenderei.

Mas se puderem… deixem-me viver em vós.

Não como bandeira.

Não como mártir.

Mas como lembrança humana.”**

O silêncio que se seguiu parecia sagrado.

Clara chorava sem esconder.

Júlia apenas sussurrou:

— Finalmente… ela nos viu.

Vivian murmurou:

— Ela era mais imperfeita do que imaginávamos.

E isso… me alivia.

Lara abraçou Beatriz.

Lou abaixou a cabeça, tocando o colar da flor-de-lis.

Eu fiquei parada.

Com a carta nas mãos.

E o coração… limpo.

Mais tarde, sentamos todas à mesa.

Ninguém brigava mais.

Não porque concordávamos com tudo.

Mas porque tínhamos escutado o que mais importava:

A verdade.

Antes de dormir, coloquei a carta dentro do diário de Teresa.

E escrevi por cima da última página:

“Agora sim.

Ela partiu.

E nós…

estamos prontas para ficar.”