Episódio 3

Temporada 2 – Episódio 3: Vozes Que Assustam o Silêncio

Narrado por Isabel

Estávamos há menos de um mês em Angola quando o passado decidiu gritar.

Clara tinha acabado de receber a confirmação: seria consultora de uma ONG que investigava violações durante a guerra civil.

Documentos, testemunhos, arquivos perdidos — tudo aquilo que Angola fingiu esquecer, ela agora teria que relembrar.

Ela me chamou na sala com olhos sérios.

— Estás orgulhosa?

— Muito.

Mas também preocupada.

Esse tipo de verdade… não dorme em paz.

Ela sorriu.

— Nem eu.

No mesmo dia, Vivian apareceu esbaforida.

— Mãe, precisamos conversar. Agora.

Achei que era mais um drama.

Mas não era.

— Recebi um e-mail da produção local do documentário. Disseram que partes do meu material “ferem a imagem pública do país”.

— Mas é um documentário real, Vivian!

— Justamente por isso.

Parece que alguém quer tirar da programação a minha exibição principal.

Sentei no sofá.

O coração apertado.

— Estão tentando nos calar de novo.

Vivian balançou a cabeça.

— Mas desta vez… não vamos calar.

Naquela noite, encontrei Clara sentada no chão do quarto, com o computador no colo.

— Estás bem?

Ela virou a tela.

Um e-mail aberto, sem remetente identificado.

Frio. Ameaçador.

“Clara Guarda, fique onde está.

Reviver o passado traz consequências.

Nem todas as filhas têm segunda chance.”

Ela segurava as lágrimas com os dentes.

— Achas que devo desistir?

Sentei ao lado dela.

— Achas que tua mãe teria recuado?

— Teresa não tinha medo.

— Tinha, sim.

Mas ela aprendeu a usá-lo como escudo.

Agora é tua vez.

Ela fechou o laptop devagar.

— Então que venham.

Eu vim pra contar verdades que ninguém quer ouvir.

Na manhã seguinte, uma reportagem apareceu em um portal local.

“Filha de Teresa Guarda quer reabrir feridas de guerra por vaidade familiar?”

Vivian leu alto e jogou o celular na mesa.

— Estão a misturar tudo de propósito.

Lara falou pela primeira vez:

— Eles têm medo do que não podem apagar.

Beatriz disse calmamente:

— Estão tentando nos envergonhar.

Mas esqueceram que nossa vergonha já virou cicatriz há muito tempo.

Lou reuniu todas na sala.

— Isso é guerra de narrativas.

Eles querem que a gente se quebre entre nós.

— E o que vamos fazer? — perguntei.

Ela sorriu com leveza.

— Vamos fazer barulho.

Vivian publicou um trecho do documentário nas redes:

Uma ex-militar diz:

“Não quero medalha.

Só quero que admitam que existi.

E que fui ferida… por quem dizia me proteger.”

O vídeo viralizou.

Mas junto com os elogios…

vieram os comentários de ódio.

“Essas filhas são todas herdeiras do caos.”

“Parem de sujar o nome do país.”

“Vivian só quer fama.”

Vivian tremia.

Mas não apagou nada.

— Que vejam.

Que engulam.

Que escutem.

À noite, sentei com Clara na varanda.

— Tens medo?

— Sempre tive.

Mas agora tenho raiva também.

E a raiva, mãe…

às vezes é a única coisa que nos faz continuar.

Ela me entregou um papel.

Era o esboço do projeto que ia apresentar no tribunal popular:

uma série de sessões com testemunhas anônimas, contando o que viveram.

Na parte de baixo do documento, o nome:

"Vozes Silenciadas".

Olhei para ela com orgulho.

— Teresa teria te aplaudido.

— Eu não quero o aplauso dela.

Quero o dela e o teu.

Toquei sua mão.

— Tens. E sempre terás.

Na madrugada, escrevi:

“Elas vieram para Angola atrás de raízes.

Mas encontraram feridas.

E mesmo assim…

decidiram florescer dentro da dor.”

Fim do episódio 3