Episódio 4

Temporada 2 – Episódio 4: A Origem que o Silêncio Protegeu

Narrado por Isabel

A manhã parecia comum.

O sol de Angola atravessava as janelas com sua luz dourada, e as meninas se espalhavam pela casa como quem tentava construir rotina em terra recém-reconhecida.

Vivian editava vídeos.

Lara escrevia no terraço.

Clara lia relatórios em voz alta.

Lou mexia nos arquivos do projeto Vozes Silenciadas.

E Beatriz… recebeu uma carta.

Não um e-mail.

Uma carta real.

Com selo local.

Sem remetente.

Ela me chamou na cozinha, o envelope nas mãos.

— Mãe…

— Chegou algo. E acho que vais querer ver comigo.

Sentamos no pátio.

Ela abriu o envelope com cuidado, como quem abre um ferimento fechado há tempo demais.

Dentro, uma única folha escrita à mão:

“A foto que viste com Teresa e o menino não é montagem.

O menino se chama Luan.

Teresa o protegeu, mas o entregou a um padre durante os últimos meses em Angola.

Luan hoje vive em Benguela.

Trabalha com barcos.

Não conte a ninguém ainda.

Alguns nomes… ainda queimam.”

Beatriz ficou em silêncio.

Eu respirei fundo.

— Achas que é real?

— Não sei.

Mas o nome “Luan”…

estava escrito atrás da foto original.

Ela me olhou.

— Mãe… e se ele for nosso irmão?

Engoli seco.

— Então a história não acabou.

Só começou outro capítulo.

Enquanto isso, Lou recebeu um e-mail da ONU.

— Querem que eu fale numa conferência em Genebra.

— Isso é incrível! — disse Vivian.

Lou não sorriu.

— O tema é “identidade, origem e deslocamento”.

E querem que eu conte minha história.

Todos olharam para ela.

— A verdadeira.

Desde o início.

Desde quando fui encontrada com etiqueta de abrigo.

Desde quando Teresa me ignorou e Isabel me acolheu.

Ela abaixou os olhos.

— Nunca falei sobre meu pai.

Nem sei se quero.

Fiquei em silêncio.

Depois me aproximei.

— Filha…

O mundo vai ouvir.

Mas tu só tens que contar o que já estás pronta pra dizer.

Ela murmurou:

— E se eu nunca estiver pronta?

— Então fala com a voz que tens hoje.

Porque essa… já é suficiente.

Naquela noite, Beatriz me chamou novamente.

— Mãe.

Quero ir a Benguela.

— Sozinha?

— Não. Com Clara.

Ela conhece o lugar, tem contatos.

E se for perigoso… pelo menos estarei com alguém que sabe dizer “não” melhor que eu.

Clara apareceu na porta.

— Já arrumei a mochila.

Fiquei parada.

— Acham mesmo que vão encontrar esse Luan?

Beatriz apertou os olhos.

— Não sei.

Mas algo em mim diz que, se ele existe…

ele precisa saber quem somos.

Toquei o rosto dela.

— E vocês precisam saber quem ele é.

Vivian, curiosa como sempre, se aproximou mais tarde.

— E se for verdade?

Mais um irmão?

— Não sei.

— E se for mentira?

— Também não sei.

Ela sentou-se ao meu lado, suspirando.

— Às vezes sinto que somos filhas de um passado que nunca nos quis completamente.

— E ainda assim… estamos aqui.

Ela sorriu.

— Isso nos faz perigosas, não é?

— Isso nos faz inevitáveis.

Lou passou o resto do dia andando em círculos pelo quintal.

À noite, entrou no meu quarto.

— Mãe.

— Sim?

— E se o meu pai foi um monstro?

— Então tu és o contrário dele.

— E se ele foi um homem bom…

mas covarde?

— Então tu és o final da história que ele nunca teve coragem de escrever.

Ela respirou fundo.

— Vou aceitar o convite.

Mas quero que estejas comigo.

— Em Genebra?

— Não.

Na minha mente.

Toquei seu peito com a ponta dos dedos.

— Já estou.

Desde sempre.

Beatriz e Clara viajaram dois dias depois.

Levaram a carta, a foto e uma câmera antiga de Vivian.

Antes de partir, Clara disse:

— Se voltarmos com respostas, talvez a árvore cresça mais um galho.

E Beatriz, com calma:

— E se não voltarmos com nada…

teremos ao menos ido buscar.

Na madrugada, escrevi:

“A história não termina quando descobrimos a verdade.

Termina quando temos coragem de continuar…

mesmo que ela mude tudo o que sabíamos sobre quem somos.”

Fim do episódio 4