Temporada 2 – Episódio 5: Cartas Que Não Foram Esquecidas
Narrado por Isabel
O céu de Luanda estava opaco naquela manhã, como se soubesse que algumas verdades exigem nuvens.
Clara e Beatriz já estavam em Benguela.
Tinham ido em busca de Luan — o menino da foto com Teresa, talvez um irmão oculto.
Desde que partiram, enviavam apenas mensagens curtas.
Mas havia tensão até nos silêncios.
Enquanto isso, Lou trancou-se no quarto.
Preparava o discurso que faria na sede da ONU.
Mas não escrevia nada.
Ela apenas encarava uma folha em branco como se ali estivesse seu espelho mais cruel.
Ao meio-dia, Clara me ligou.
— Encontramos o padre.
O mesmo da carta.
O nome dele é Padre Samuel.
Velho, lúcido, e com uma memória que assusta.
— E…?
Ela hesitou.
— Ele confirmou que Teresa entregou um menino a ele.
Chamava-se Luan.
Tinha seis anos na época.
A mãe havia morrido num ataque.
Teresa o acolheu por três meses antes de deixá-lo sob proteção da igreja.
Meu coração acelerou.
— E agora?
— Agora estamos indo a uma vila pesqueira onde dizem que ele mora.
Mãe… se for ele…
— Eu sei.
Ela desligou.
E eu só pude sentar.
E esperar.
À noite, Lou entrou no meu quarto.
Olhos baixos, mãos trêmulas.
No rosto, algo entre medo e confusão.
— Mãe.
— Sim, filha.
— Recebi uma mensagem hoje.
No Instagram.
De um perfil com o nome “SilêncioHerdaDor”.
— O que dizia?
Ela sentou-se na beira da cama.
— Dizia:
“Lou, sou o homem que tua mãe nunca nomeou.
Se fores à ONU contar tua história…
lembra-te que ela também tinha segredos que não te contou.”
Ela me entregou o celular.
— Achas que foi ele?
O meu pai?
— Eu…
não sei.
— E se for?
— Então tens duas escolhas:
Falar por ti…
ou deixar que a voz dele te cale.
Ela respirou fundo.
Fechou os olhos.
— Eu queria saber menos, mãe.
Queria ter só metade da dor.
— E perder metade da tua força?
Ela me abraçou.
— Vais comigo?
— Em pensamento. E no coração.
No dia seguinte, Clara me ligou de novo.
A voz dela estava diferente.
— Encontramos ele.
Meu coração parou.
— Encontraram… o Luan?
— Sim.
Ele trabalha com barcos.
É gentil.
Tem olhos como os de Teresa.
E… tem uma carta.
— Uma carta?
— Teresa deixou com ele.
Selada.
Nunca aberta.
— E ele guardou?
— Por trinta anos.
Disse que esperava o dia certo.
E achou que esse dia chegou quando nos viu.
Fechei os olhos.
— O que vais fazer?
— Vamos abrir.
Mas juntas.
À noite, fiz um chá para Lou.
Ela ainda encarava a folha em branco.
— Queres que leia o que escrevi? — perguntei.
— Sim.
Ela me entregou.
Havia apenas um parágrafo.
“Meu nome é Lou.
Fui encontrada em um abrigo sem registro, sem sobrenome.
Cresci sem saber de onde vim.
Mas hoje, sei para onde vou.
E não é meu passado que me define.
É a coragem de continuar, mesmo sem saber toda a verdade.”
Olhei para ela.
— Está pronto.
Ela sorriu.
— Mas não está completo.
— Nunca vai estar.
E mesmo assim… é suficiente.
De madrugada, recebi uma foto no celular.
Era Clara e Beatriz ao lado de um homem de pele escura, barba cheia e olhos firmes.
Ele sorria.
E sorria como Teresa sorria quando vencia algo dentro dela.
Na legenda, Clara escreveu:
“Ele sabe quem é.
Agora… vamos descobrir também.”
Mais tarde, escrevi:
“Algumas cartas dormem por anos.
Outras chegam como trovão.
Mas todas têm um destino.
E nós, que sobrevivemos ao silêncio…
agora aprendemos a escutá-lo com coragem.”
Fim do episódio 5