Episódio 6

Temporada 2 – Episódio 6: A Carta Que Mudou Tudo

Narrado por Isabel

Acordei com uma notificação no telemóvel.

Clara havia mandado um áudio.

Ela não costuma mandar áudios.

Clara é feita de palavras pensadas, não de impulsos.

Mas quando a voz dela começou a vibrar no fone, entendi:

algumas verdades não cabem em texto.

— Mãe…

Abrimos a carta.

E tu precisas ouvir isso.

Sentei-me na varanda.

Jonas trouxe-me chá, sem que eu pedisse.

Era como se a casa também sentisse que algo estava para mudar.

Respirei fundo.

E dei play.

A voz de Beatriz se misturava à de Clara.

Elas liam a carta juntas, entre pausas e suspiros.

“Luan,

Se estás a ler isto, é porque o mundo seguiu sem mim.

E talvez isso seja justo.

Levei-te porque te vi sozinho numa estrada de terra vermelha.

Levei-te porque ninguém olhava para ti.

Levei-te porque… tu eras meu filho.

Não de sangue.

Mas de escolha.”

Minha garganta fechou.

“Eu perdi um filho na guerra.

Antes de Isabel.

Antes de tudo.

Ninguém sabia.

Nem podiam saber.

Fui obrigada a esconder.

E quando vi-te ali, sujo de pó e medo,

vi nele o filho que me foi arrancado.

Então te dei o nome que nunca pude dar a ele:

Luan.

E mesmo quando te deixei com o padre…

foi a única vez que chorei como mulher.

Não como líder.

Não como símbolo.

Mas como mãe.”

Fechei os olhos.

Teresa teve um filho.

Antes de tudo.

E nunca me disse.

Clara retomou no áudio:

— Mãe, o mais forte vem agora. Escuta.

A voz de Beatriz leu os últimos trechos:

“Não sei se algum dia te encontrarão.

Mas se encontrarem…

Diz-lhes que não fuiste um segredo.

Fuiste minha última tentativa de ser humana.

E se as minhas filhas te aceitarem,

então talvez eu tenha conseguido ser mãe no fim.”

Chorei.

Não por raiva.

Mas porque entendi Teresa de um jeito que nunca quis entender antes.

Ela não era fria.

Ela era partida.

E fez escolhas em cima de outras escolhas.

E escondeu coisas não por vergonha,

mas por não saber como continuar sendo admirada depois disso.

Lou apareceu na varanda com o discurso na mão.

— Estou pronta.

Olhei para ela, com lágrimas ainda nos olhos.

— E eu acabei de descobrir mais uma coisa sobre tua avó.

— Algo bom?

— Algo humano.

Ela sentou ao meu lado.

— Não sei se quero ser símbolo, mãe.

Quero ser só Lou.

— Já és.

Clara mandou uma foto: Luan sentado com as duas num banco de madeira.

Nos olhos dele, uma mistura de paz e estranheza.

Nos olhos delas… alguma espécie de encontro silencioso.

Na legenda, Beatriz escreveu:

“Ele não quer status.

Só saber que não foi inventado.”

Respondi:

“Então diz a ele que ninguém aqui foi.

Fomos todos costurados com a mesma agulha:

perda, silêncio… e recomeço.”

À noite, todas se reuniram para ouvir a carta.

Lara ficou calada.

Vivian chorou.

Lou ficou em pé, olhando o horizonte pela janela.

Júlia, que até então não se envolvia, disse:

— Teresa não falhou como mãe.

Ela só falhou como mito.

E talvez… isso nos salve.

Na madrugada, escrevi:

“Há cartas que contam a verdade.

Mas há outras…

que nos devolvem o direito de recomeçar.”