O dia da apresentação passou como um borrão. Eu lembro de flashes — os olhos brilhando da professora, os aplausos hesitantes que viraram uma salva sincera, o jeito que Caio sorriu depois que sentamos, como se um peso de meses tivesse finalmente despencado dos ombros dele.
Mas o que eu lembro mais é da sensação. De leveza. De respirar fundo e sentir que o ar entrava inteiro, sem aquele aperto no peito que me acompanhava há tanto tempo.
Naquela tarde, eu saí da escola sem pressa. Meus passos me levaram quase automaticamente para o pátio dos fundos. O lugar onde tudo começou. A árvore grande, de galhos tortos, sombra farta e bancos de cimento rachado. Foi ali que deixei o caderno pela primeira vez. Foi ali que eu me permiti, ainda que devagar, confiar.
Sentei no banco e fechei os olhos. O vento batia leve, o som das folhas sussurrava como as palavras que um dia escrevemos. Eu nem percebi o tempo passar até ouvir passos se aproximando.
Abri os olhos e vi Caio. Ele vinha devagar, com as mãos nos bolsos, o cabelo bagunçado pelo vento. Quando nossos olhos se cruzaram, eu não precisei dizer nada. Ele já sabia.
Ele sentou ao meu lado, sem invadir meu espaço, mas perto o bastante pra eu sentir a presença dele.
— Eu senti falta daqui — ele disse, olhando a árvore. — Senti falta de nós dois.
Eu respirei fundo e assenti.
— Eu também.
Ficamos um tempo assim, quietos. Não era um silêncio desconfortável. Era um daqueles que abraça. Que diz tudo sem precisar de palavra nenhuma. Eu não sabia ao certo o que viria a seguir. Se a gente voltaria a trocar o caderno. Se as coisas seriam exatamente como antes. Mas, talvez, nem precisassem ser. Talvez fosse justamente sobre crescer. Sobre mudar juntos.
Olhei pra ele. Ele me olhava com um jeito sereno, sem pressa, sem cobrança. Só com presença. E foi então que eu tomei coragem.
Me aproximei e o abracei.
Foi simples. Natural. Como se, na verdade, a gente estivesse só terminando um parágrafo longo e complicado com um ponto final bonito.
Os braços dele me envolveram devagar e eu fechei os olhos. Não era só um abraço. Era o que nossas palavras sempre tentaram dizer e não conseguiam direito. Era perdão, era compreensão, era carinho. Era casa.
Quando nos afastamos, ele tirou da mochila o caderno. Aquele mesmo. A capa já estava gasta nas bordas, as folhas cheias de marcas e dobraduras. Ele segurou com cuidado e sorriu.
— Eu pensei… talvez a gente não precise mais escrever só aqui. Mas acho que vale a pena guardar. Como um lembrete.
Eu sorri também. Peguei o caderno das mãos dele e passei os dedos sobre a capa. Lembranças demais moravam ali. Dor e alegria misturadas. E, acima de tudo, superação.
— Eu concordo — respondi.
Guardei o caderno na mochila e, pela primeira vez em muito tempo, me levantei leve. Caio estendeu a mão e eu segurei, sem medo.
A gente saiu caminhando juntos pelo pátio, os galhos da árvore balançando sobre a gente como se sussurrassem um novo começo.
Entre linhas e abraços, a gente tinha, enfim, encontrado o nosso lugar.