Voltar à biblioteca foi como andar por um velho sonho. Os estofados gastos das cadeiras, o cheiro agridoce de papel envelhecido, os raios de sol escorrendo pelas janelas altas — tudo parecia igual, e ao mesmo tempo, diferente. Talvez porque agora, eu também fosse diferente.
A bibliotecária sorriu quando me viu. Ela me conhecia pelo nome agora. Não só porque eu passava horas ali, mas porque ela acompanhou, mesmo de longe, as páginas que Caio e eu escrevemos, escondidos entre estantes e olhares desviados.
O caderno estava lá, numa redoma de vidro discreta, mas visível. A capa surrada, os cantos amassados, e um pequeno bilhete ao lado: “Entre as linhas deste caderno, dois adolescentes descobriram que palavras podem curar, conectar e transformar. Que nunca falte coragem para escrever a própria história.”
Fiquei ali parada. Olhando aquele objeto que tinha sido abrigo, espelho, refúgio. Lembrei de cada dobra nas folhas, de cada rabisco nervoso, de cada bilhete deixado com o coração acelerado. Lembrei das noites em que escrever era a única forma de não desabar, e das manhãs em que uma resposta de Caio era a primeira luz depois da escuridão.
Ele chegou alguns minutos depois. Agora era assim — a gente marcava menos palavras e mais encontros. Ele se aproximou em silêncio, como fazia desde sempre, mas o jeito que segurou minha mão mostrava tudo que havia mudado.
— Não achei que eu fosse sentir saudade de um caderno — ele disse, sorrindo de lado.
— Eu sinto. Mas de um jeito bom — respondi. — Como quando você termina um livro que mudou sua vida. Você sente falta, mas sabe que ele sempre vai estar ali, esperando, se você quiser reler.
Caio assentiu, e ficamos assim, de mãos dadas, observando o que fomos. O que escrevemos. O que superamos.
As pessoas passavam por nós, algumas paravam, outras liam o bilhete e sorriam. Não sabiam da história toda, dos silêncios mais importantes que as palavras, das dores escondidas entre uma linha e outra. Mas talvez sentissem — porque tem coisas que não precisam ser ditas pra serem entendidas.
Eu me virei pra ele.
— Você ainda escreve?
Ele sorriu.
— Escrevo. Mas agora, escrevo pra viver, não pra fugir. E você?
— Escrevo pra lembrar quem eu sou. E pra não esquecer quem eu fui.
Saímos da biblioteca sem pressa. O sol de fim de tarde pintava tudo com uma luz dourada, como se o mundo estivesse nos aplaudindo em silêncio.
Enquanto caminhávamos, pensei em tudo que ainda viria. As dúvidas, os tropeços, as novas histórias. Mas, por algum motivo, nada disso me assustava mais. Porque agora, eu sabia: sempre que o mundo parecesse demais, eu podia voltar às palavras. Elas me esperariam, como velhos amigos. Como Caio.
E se um dia alguém perguntasse como começou tudo isso, eu saberia responder sem hesitar:
Começou com um caderno.
E continuou com coragem.