Capítulo 9 As palavras que vêem depois

Dizem que algumas histórias terminam quando os personagens se entendem. Quando o caderno fecha. Quando o abraço acontece. Mas eu comecei a entender que as histórias de verdade não terminam — elas mudam de ritmo.

Era o último dia de aula.

As carteiras estavam riscadaças, os corredores cheiravam a mistura de limpeza e saudade. Havia risos altos, promessas eternas de reencontros, lágrimas escondidas entre abraços apressados. Eu andava devagar, com meu caderno novo — aquele que comecei depois do antigo, aquele onde agora só eu escrevia. Nele, tentava entender esse estranho sentimento de estar partindo sem sair do lugar.

Caio me esperava no portão. Mochila nas costas, olhar calmo. Mas eu conhecia o jeito dele quando estava nervoso. Ele batia os dedos na alça do zíper em um ritmo quase imperceptível.

— E aí? — perguntei, encostando nele de leve.

— E aí que… acabou. — Ele riu sem graça. — Quer dizer, essa parte.

Assenti, olhando pra escola como quem se despede de um velho amigo. Era estranho pensar que ali dentro existia uma versão nossa que não existia mais.

— Eu fui aprovado na faculdade. Letras — ele disse, quase como quem confessa um segredo.

Sorri. Não de surpresa, mas de reconhecimento.

— Vai ensinar a amar as palavras?

— Acho que vou continuar tentando entendê-las primeiro. — Ele me olhou. — E você?

— Psicologia. Quero entender por que a gente sente tanto. Por que dói. E por que cura.

Ficamos em silêncio, mas aquele tipo de silêncio que agora nos era confortável. O mundo parecia cheio demais pra precisar de fala.

— Acha que a gente vai continuar isso? — ele perguntou, e eu soube que “isso” significava mais do que nós. Era a conexão. O escrever. O confiar.

— Acho que sim. Mas não do mesmo jeito. A gente vai escrever em lugares diferentes, talvez em ritmos diferentes. Mas as palavras... elas ficam. E quando não ficarem, a gente se procura.

Ele assentiu. Depois tirou um envelope do bolso. Era fino, dobrado com cuidado. Me entregou.

— A última página do caderno. Escrevi hoje. Só pra você.

Segurei o envelope como quem segura uma despedida, mas também um começo. Guardei na mochila, junto do meu novo caderno.

— Eu vou escrever de volta — prometi.

— Não duvido.

Nos despedimos com um abraço longo. Mais longo do que qualquer outro. Um abraço que não dizia adeus, mas “vai, que eu fico aqui, torcendo por você, mesmo de longe”.

E quando olhei pra trás, já do lado de fora do portão, senti uma certeza leve:

Algumas histórias continuam mesmo depois do fim.

Porque quando a gente escreve com o coração, as palavras sabem voltar.