Aconteceu devagar. Como as coisas importantes sempre acontecem.
Depois da faculdade, os caminhos que antes se cruzavam começaram a se afastar. No início, eram apenas horários desencontrados, chamadas não atendidas, respostas que demoravam mais do que o normal. Mas logo virou um silêncio maior — aquele que pesa entre duas pessoas que um dia se escreveram por inteiro.
E então veio a Marina.
Conheci ela numa visita rápida à cidade, num desses cafés que parecem feitos pra reencontros e despedidas. Caio a apresentou com naturalidade, mas com aquele brilho nos olhos que eu conhecia bem demais. Um brilho que, por anos, tinha sido meu.
Marina era leve. Linda de um jeito simples, que não fazia esforço. Ela falava rápido, gesticulava muito e chamava o Caio de "Cá", como se esse apelido tivesse nascido ali, entre os dois. E talvez tivesse mesmo.
Ele me olhou como quem pede desculpa sem saber se precisa. E eu sorri. Porque era o que eu sabia fazer quando tudo dentro de mim doía.
Depois disso, parei de responder algumas mensagens. Me escondi atrás de desculpas pequenas: trabalho, cansaço, distração. A verdade é que eu não sabia lidar com o que sentia. Não era raiva. Era algo mais difícil de nomear. Talvez luto por algo que ainda existia em partes.
Do meu lado, apareceu o Rafael. Colega de turma, inteligente, engraçado, gentil — tudo na medida certa. Ele percebeu o vazio antes mesmo que eu aceitasse que ele existia. Me trouxe café em manhãs difíceis, livros que falavam sobre recomeços, bilhetes grudados na minha mochila dizendo “Você merece ser lida de novo.”
E eu fui.
Não com a mesma intensidade, mas com uma nova sinceridade. Era diferente. Mais realista. Menos poesia e mais presença.
O que doía era saber que Caio e eu não tínhamos se separado por falta de amor. Mas por excesso de tempo. De distância. De mudanças. A gente cresceu, mas não juntos.
A última vez que nos vimos foi breve. Ele me esperava na biblioteca — sim, naquela. O caderno ainda estava lá, na redoma. Intocado. Imortalizado. Nós dois, ao redor, parecendo estranhos demais pra quem já foi páginas inteiras um do outro.
— A Marina e eu vamos morar juntos — ele disse, olhando pro chão.
— O Rafael me pediu em namoro ontem — eu respondi, sem hesitar.
Ele sorriu com um canto da boca, mas os olhos… os olhos pareciam pedir que aquela cena não existisse.
— A gente deu certo, né? — ele perguntou, quase em sussurro.
— Deu. No nosso tempo, a gente deu muito certo — respondi.
Não houve abraço. Nem lágrima. Só aquele silêncio antigo, que conhecíamos bem demais. Mas, dessa vez, não era um silêncio que curava. Era o que deixava marcas.
Saí da biblioteca com o coração cheio de memórias e os olhos secos. Rafael me esperava do lado de fora. Quando segurou minha mão, eu senti firmeza.
E pela primeira vez, não me doeu deixar Caio no passado.
Talvez porque eu soubesse que, em algum universo, nós dois ainda trocamos cadernos.
Mas neste, nossas páginas já haviam acabado.