Você não parece muito bem, está tudo certo com você? —
Eu me assusto, estava sempre com os sentidos em modo de alerta. Mas a voz era suave e gentil.
Mas gentileza aqui é só ilusão. Quem quer que fosse, poderia ser só mais predadora atraindo sua presa.
Olho para o lado e vejo uma garota um pouco mais alta que eu. Ela tinha longos cabelos vermelhos sem brilho e com uma paleta morta, mas ainda assim era algo bonito.
Tinha pele parda em um tom claro, um pouco bronzeada. Os dentes em sua boca eram assimétricos, o lado esquerdo de seu rosto tinha uma dentição normal, já o direito eram afiados e pontiagudos, como uma fera.
Os caninos eram mais alongados e afiados que os demais, principalmente o canino superior, que se alongava para baixo, saindo de sua boca.
Sua estatura era robusta, ela parecia ter um corpo forte, mas ainda mantinha suas curvas e aspectos femininos, deixando sua imagem forte e imponente, porém muito atraente para um patrão convencional.
Seu rosto era maduro, e carregava uma mistura de confiança e gentileza. Seu olho direito era cinza, e falo só esse olho, pois o outro estava coberto por um tapa olho preto, que parecia ser feito com material reforçado, similar a um colete aprova de balas.
Ela usava uma saia colegial preta e apenas um colete vermelho, que parecia fazer parte de um uniforme de colégios de alta classe.
Não parecia ter algo abaixo do colete, o que deixava a pele do braço direito e um pouco da área abaixo do pescoço, amostra.
Por mais que a área do busto tivesse muita pele amostra, não queria dizer que ela usava um decote, ou que era algo vulgar e sexualizado. Do contrário, era bem comportado.
No pescoço, ela tinha uma gravata borboleta virada pro lado direito, algo que parecia ser só um detalhe cômico nas vestes dela.
Mas entre todas as coisas presentes nela, as que mais chamavam atenção eram as que se encontravam no braço e perna esquerdos da garota. Eles eram cobertos por um tecido negro, e nele tinha peças mecânicas em formas circulares.
Esses mecanismo iam de uma ponta a outra dos dois membros, era claro que aquilo tudo servia para mover essas partes do corpo.
Os dedos dela, eram presos por versões menores dos tubos em seu braço e perna. Tinha um mecanismo em forma circular nas duas articulações, provavelmente usadas para as mexer.
Eu diria que ela tem uma aparência e vestuário bem únicos. Sua imagem passa a ideia de uma pessoa de autoridade e status.
Seu braço exposto mostrava que ela parecia bem musculosa, e realmente, ela tinha o porte de uma pessoa fisicamente desenvolvida, mas sem perder a silhueta feminina que deixava ela esbelta.
Era uma mistura de força e feminilidade, que tornava sua aparência bastante atraente.
Não, eu não estava papando pra ela ou sua voz suave, que é estranhamente confortável. Quase como se ela mudasse o tom da voz, para deixá-lo o mais acolhedor possível.
Mas eu ainda estava receoso, afinal, estamos em Santa guerra, não existe anjos no inferno!
— Você quer comprar alguma coisa nessa farmácia? —
Ela fala de um jeito doce, mas mantinha a postura de alguém sério. Não sei bem o motivo, mas me sentia falando com uma figura de autoridade.
— Para que você quer saber? —
Eu com certeza parecia mais desrespeitoso do que queria ser. Mas essa situação tinha muita cara de armadilha.
Garotas bonitas sempre são um alerta quando você é um homem desprivilegiado. Não querendo ser machista, mas se você for homem vai entender.
Se já no mundo normal isso é um alerta, imagina em um lugar onde alguém quer de passar a perna o tempo todo.
Ela colocou a mão na cintura e me olhou de cima a baixo, estava me analisando com um sorriso de entendimento.
Fiquei nervoso com ela me olhando daquele jeito, parecia que estava vendo o fundo da minha alma, acho que talvez ela até tenha lido a minha mente.
— você deve ser um novato assustado, que viu muita coisa até agora. — ela me demonstra um sorriso gentil, que parecia ser para me confortar — Você não precisa ter medo de mim, eu não vou de atacar por pontos ou qualquer coisa assim.
— É por qual motivo eu iria acreditar em você? Nem sei quem você é. —
Ela continua me olhando do mesmo jeito, não sei o que causava isso, mas seu olhar me fazia sentir pequeno.
Aquele olhar parecia ser direcionado para uma criança, concordo que ela parece mais madura que eu, mas eu duvido que ela seja tão mais velha.
Provavelmente tem só dois anos a mais. Não gosto que ela me olhe como se eu fosse uma criança assustada, por mais que eu pareça.
— Olha aqui — ela mostra um pequeno distintivo dourado no seu colete — eu sou da “Alta guarda” o que quer dizer que sou tipo um membro do conselho disciplinar da escola. Não vou fazer mal a você, meu trabalho é impedir que o caos nesse lugar fique fora de contenção. —
Alta guarda? Acho que já ouvi o Léo falando que eles são confiáveis, e ela não parece ser suspeita.
Mas tem algo que eu notei na fala dela, é que ela não serve para manter a ordem, apenas evitar que o caos fuja da linha na areia.
— Então, você precisa de algo? —
Ela fala com um olhar mais sério, mas ainda portando uma leveza calma acolhedora. Suspiro, acho que não tem problema em confiar nela, o que de ruim pode acontecer?
— só quero comprar algo para aliviar as feridas na minha pele. —
Nem acredito que eu disse, mas não faz mal, acho que não vou me arrepender disso.
Eu desviei o olhar por um segundo, e ela já estava próxima de mim. Seu rosto estava bem perto do meu, o que me deixou surpreso.
Mas não ache que eu fiquei corado, ou algo assim, não sou tão emocionado pra agir desse jeito com a primeira garota bonita que se aproxima.
Ela aproxima sua mão do meu rosto, e com o indicador, cutuca minha bochecha. Não demorou muito para minha pele ficar vermelha, parece que ela descobriu minha condição.
Seus olhos estavam quase brilhando, e ela movia os braços agitadamente pra cima e pra baixo. De uma hora pra outra, ela passou de madura e séria, para uma criança empolgada.
Eu realmente não entendi a reação dela, essa garota se divertiu com a minha pele ficando vermelha?
— você tem… você tem… você tem! —
“Eu tenho?” foi tudo o que eu consegui dizer. O que houve com aquela postura madura que era tão atraente?
Ela parece uma criança boba num corpo de uma mulher. Isso era tão estranho, ela não pode voltar para a outra forma de agir?
— Você tem uma pele boa para desenhar! Quando eu era criança, ouvi que algumas pessoas tinham uma pele que era possível desenhar nela, então sempre foi meu sonho fazer um desenho nessa pessoa. —
Era sério isso? Não acredito que a única pessoa gentil que eu achei, é alguém com esse tipo de sonho.
Agora o que falta pra mim, um piano cai na minha cabeça? Ela estava fazendo círculos no ar com o dedo, seu rosto praticamente gritava as intenções na sua cabeça.
— Eu não vou deixar você rabiscar na minha pele! —
Eu vim aqui justamente por conta de um problema na pele, não vou deixar essa garota tratar meu corpo como brinquedo!
Ela começa a fazer birra como uma criança, sabe toda aquela coisa de maturidade e força que eu falei dela mais cedo?
Então, pode esquecer, agora ela parece uma piranha chorona. Nem minha irmã de 5 anos era assim! Cadê aquela maturidade atraente de mais cedo?
— Você é tão egoísta! Tem uma pele boa pra desenhar, e nem deixa eu fazer um carrinho nela. —
Um carrinho? Ela quer ferrar minha pele pra fazer a merda de um carrinho! Quando mais eu rezo mais assombração me aparece.
— Você sabe o quanto isso é agoniante pra mim?! Minha condição física não é brincadeira para você se divertir! —
Acabei gritando e falando alto demais, e ela… ela começou a chorar. Não foi um choro de verdade, era só drama.
Ela até começou a dar vários socos em minha direção sem acertar, e me chamava de feio. Já estava com a paciência no limite, não tinha tempo pra aguentar a choradeira mimada de uma marmanja!!
— Vão querer alguma coisa? —
O atendente da farmácia que estava fora, voltou bem na hora. Era bastante vergonhoso ser visto nessa situação, mesmo eu não sendo quem tava pagando o mico.
Olhando para o lado, vejo a moça que até poucos segundos atrás, estava chorando caída no chão, mas agora estava em pé, com uma postura diferente.
Ela voltou a ter a imagem de pessoa importante. Como é possível alguém partir de dois extremos tão diferentes e tão rapidamente?
— Sim! — seu olhar se voltou para mim — Pode pegar o que precisa, eu pago tudo. E claro, não precisa pagar de volta. —
Ela sorriu novamente. Eu não esperava por isso, mas aproveitei a gentileza. Então eu peguei bastantes cremes, abusei um pouco, mas ela não pareceu se preocupar.
Quando ela pagou percebi que o Brasão de armas que essa garota portava era diferente.
Ele era um pouco maior e vermelho, além de ter vários detalhes prateados por todo o aparelho. Ele tinha o formato de um escudo suíço, e tinha as letras A e G desenhadas abaixo do contador. Era bem chique, não sabia que podia trocar as skins dos brasões.
Seguimos caminho juntos até uma encruzilhada na calçada. Ela era uma pessoa estranha, mas ainda assim era alguém legal. Não vou mentir, consegui me divertir um pouco com suas brincadeiras aleatórias.
Depois de ter visto cada maluco nesse lugar, achar uma maluca, mas que também seja uma boa pessoa, era algo revigorante.
Chegamos na separação dos caminhos. Ali provavelmente iríamos nos despedir, ela já se preparava para seguir o próprio caminho, e eu também ia começar a seguir o meu.
— Espero que isso ajude a sua condição. —
— Vai, obrigado por pagar pra mim, isso realmente me ajudou. Desculpa se eu abusei e comprei demais! —
Ela apenas sorri em resposta, e balança a mão tentando descontrair.
— Isso não foi nada, você podia até ter comprado mais se quisesse. Sem falar que ajuda os alunos é o meu trabalho, só estava fazendo minha função. —
Ela fala de um jeito orgulhoso, mostrando o quanto a sua função naquele ecossistema era algo grande.
Essa garota com certeza se achava por isso! Mas era de longe alguém ruim. Parecia uma criança, mas no caso, agora era o lado mais inocente e verdadeiro de uma criança, aquele lado que faz você sorrir de leve.
— obrigado mesmo assim, agora eu preciso ir, até a próxima. Aliás, meu nome é Arthur Arrow, mas me chama só de Arrow, beleza? —
Achei que seria bom me apresentar, considerado que ela foi a primeira pessoa com quem tenho uma conversa decente.
Não acho que vou ter uma amizade com ela, mas pode haver um relacionamento cordial com ela. O que não seria ruim também, já estou cheio de pessoas malucas e violentas.
— Claro, é bom de conhecer Arrow, meu nome é Dalila. Se quiser evitar problemas aqui, é bom lembrar esse nome. —
Ela fala fazendo uma arminha com as mãos, e depois fingindo que atirou em mim. Aquilo era bem bobo, mas não pude deixar de rir junto dela.
Cada um seguiu seu caminho, e eu acho que ainda estava sorrindo. Realmente gostei dela, não de uma forma romântica, claro.
Isso nunca aconteceria, ela é areia demais para mim. Mas por ela ser a única coisa aqui que não me deu ansiedade, e infelizmente, eu iria passar por algo que me dava muita ansiedade.