Dormi é sempre o melhor remédio

Estava na praça que ligava o setorresidencial e o comercial.

Nesta praça havia um grande anfiteatro em forma de V, e mais a frente dele um monumento em forma de estrela. O resto do local era apenas grama e algumas árvores, mais especificamente eram Ipês de várias cores.

Eu tenho uma lista de coisas que odeio em “Santa guerra”, mas se tem algo que eu realmente eu realmente gosto, são os Ipês.

Aqui por algum motivo mágico, eles sempre estão florescendo, então sempre tenho uma boa visão dessas árvores.

Os ipês são provavelmente as árvores mais belas do planeta. Suas folhas são coloridas e carregam uma beleza única, sempre gostei de vê-las florescendo nas vezes que eu visitava meus avós.

E aqui elas sempre estão na sua fase mais bela. E além das 5 cores naturais que essa planta tem, aqui dentro elas também podem ser achadas nas cores azul, laranja, vermelho e preto.

Sabe aquelas cenas de animes, onde começa uma chuva de folhas de cerejeira? É tipo isso, só que muito mais colorido e bonito.

Uma visão realmente maravilhosa, mas que é completamente estragada por um elemento desagradável.

Vendo ele naquela situação, nem parecia a mesma pessoa, que sozinho derrotou vários inimigos.

O calouro que tinha feito um show no dia da nossa entrada, estava amarrado no monumento em forma de estrela. Ele estava sem camisa para deixar seus ferimentos bem visíveis, e não eram poucos.

Ele estava coberto por hematomas e arranhões, mas, a que mais se destacava era a que ele tinha abaixo do olho direito, aquela que o Bruno deu a ele.

Sua situação era triste. Ele estava ali desde o primeiro dia, e ninguém quis tirá-lo de lá.

O grupo do Bruno sempre vem jogar pedras nele, e coloca outros calouros para tentarem alimentar e hidratar ele.

Muitos novatos fracassam nisso, então ele pode ficar alguns dias sem comer. É uma humilhação pública, do pior tipo.

Esse é o destino daqueles que desafiam os mais fortes. A humilhação é o único ganho dessa revolta.

Ele é usado como exemplo para todos os outros, dessa forma aumentando o medo, e obrigando as pessoas a se renderem a sua vontade.

Mas mesmo assim, mesmo estando tão humilhado, ele ainda tem um olhar de pura determinação.

Era como se aquela energia e desejo do primeiro dia, não tivesse morrido. Não importa o quanto o bullying tenta destruir ele, eles não conseguem, esse cara parece estar só esperando para continuar a lutar!

Eu queria ter pelo menos uma chance de perguntar o que faz ele não desiste. Esse cara já apanhou muito, mas ainda está disposto a continuar.

Acho que nunca vou entender ele, eu teria me rendido muito mais cedo.

Passo direto por ele sem olhar, não posso fazer nada pra ajudar, então pra que ficar olhando o sofrimento alheio?!

Mas isso era estranho, eu por algum motivo, queria o ajudar, o que só ia me fazer um alvo.

Mesmo assim, não consegui largar essa ideia, não porque eu queria salvá-lo, mas sim pelo que significava fazer isso.

Se eu fosse lá tirar ele, é o mesmo que disse, que eu iria lutar contra esse sistema, que eu tenho a mesma determinação e força que ele, que eu poderia ser um lutador como ele.

Mas eu não sou assim! Sou o cara que abaixa a cabeça. Esse sentimento é apenas o fruto de uma fantasia irrealista, algo sobre ter poder ou força.

Todos queríamos ser melhores do que somos, o sentimento mais comum na humanidade é a insatisfação com sigo mesmo.

Eu queria ser capaz de desafiar e vencer essas pessoas, queria poder lutar com elas. Mas vamos ser realistas, não tem como isso acontecer. Eu sou fraco demais pra isso!

Se eu entrasse em uma luta, como ia ser? Tenho problemas só de esbarrar forte demais em alguém, imagina leva um soco que me joga longe, eu ia direto pro hospital quase morto.

Qualquer desejo de lutar, para mim, seria só masoquismo. Agora mesmo estou indo tratar terríveis feridas que estão me matando, e uma delas foi causada por um mero frisbee!

Como alguém tão patético poderia lutar? É um desejo maluco e sem sentido, algo que eu nunca deveria nutrir.

Já no meu quarto, começo a criar coragem para tratar meus ferimentos.

Retiro cuidadosamente minha camisa, faço isso devagar, pois a camisa sempre roça nas minhas feridas.

Senti o tecido da sua roupa em contato com um machucado exposto, é imensamente agoniante.

Acabo sujando a minha blusa com um pouco de sangue, deixando ela completamente vermelha do meu líquido vidal. Só o ato de tirar minha camisa, foi o bastante para eu conseguir abrir meus ferimentos de novo.

Sabia que você não consegue tratar um ferimento completamente? Mesmo após a cicatrização, o ferimento ainda está lá, e pode ser aberto novamente.

Seu corpo fica constantemente remendando o machucado, gastando nutrientes no processo.

Se você não receber esses nutrientes, ou sofrer grande pressão, física ou psicológica, o machucado antes cicatrizado, pode abrir novamente.

E no meu caso são ambos. Não comi decentemente a dias, e nem preciso falar sobre minhas integridades.

Olhando no espelho vejo a vermelhidão no meu peito esquerdo, no centro dessa coloração havia um ferimento exposto.

Minha pele estava em carne viva, o tecido orgânico e palito que protege o interior do meu corpo, estava ausente naquele lugar em específico.

Podia ver minha carne vermelha e calejada à mostra, algo que não era pra acontecer.

Eu me agoniei vendo minha carne pulsante liberando sangue. Aquele era o ferimento aberto por um simples disco de plástico, jogado com força em mim.

Olhando mais abaixo no meu corpo, vejo outra vermelhidão na lateral da minha barriga. Não era tão grave quanto a de cima, mas ainda era algo sério. Bolhas estavam no centro da área avermelhada, eram aquelas bolinhas de carne geradas em alguns tipos de ferimento. Elas coçam muito, mas eu obviamente não posso coçá-las. Minha pele sairia dessa forma.

Virando de costas, vejo a terceira e pior ferida. Essa eu ganhei de um golpe perdido, um pedaço de martelo voo para minhas costas.

Eu sei, não tenho sorte mesmo. Essa era sem dúvidas a pior, pois doía demais e não parava de sangrar. Via uma fenda aberta nas minhas costas. Ela era profunda, e por sua volta tinha a marca perfeita do formato do martelo.

Além dessas três, tinha várias pequenas lesões e áreas vermelhas pelo meu corpo.

Não estava no meu melhor estado, na verdade nunca estive tão ruim. Nunca tive sorte, mas agora acho de verdade, que alguém lá em cima está rindo muito da minha cara.

Não é possível que isso tudo seja só o acaso me levando para os piores entre os piores lugares.

Começo limpando minhas feridas. Não era a primeira vez que eu tinha que tratar meus machucados, meus pais fizeram questão que eu soubesse me cuidar nesses momentos.

Depois de ter deixado tudo limpo, eu finalmente passei o creme que tinha ganho.

Senti uma sensação de alívio imediatamente, a melhora foi quase instantânea.

Depois coloco curativos e umas faixas. Estava me sentindo um pouco melhor, apesar das ataduras estarem apertando minhas feridas.

Ainda eram seis da tarde, mas já deitei. A semana foi longa e cansativa, estava cansado demais, sem falar que eu não tenho nada melhor pra fazer.

Faz menos de um mês que eu estou aqui, e olha o estado do meu corpo. Se isso continuar assim não chego até a maioridade. Será que eles me deixam sair daqui se eu estiver muito avariado?

Bem, se eu conseguir ficar ou sair, vai ser algo que só posso saber no futuro.

Agora vou dormir pra esquecer a fome, e a dor. Na verdade, tenho muitos problemas, e dormir é sempre o melhor remédio para uma vida agitada como essa minha.