A luz da manhã atravessava os vitrais coloridos do Salão Sagrado, espalhando tons de dourado e azul pelo mármore branco do chão. Tudo ali parecia intocado pelo tempo. As colunas fincadas com inscrições em línguas arcaicas, as estátuas dos deuses esquecidos… e o silêncio quase sepulcral que envolvia a sala.
Era como se o lugar observasse cada passo.
A aula de Teologia começaria em instantes. E eu, Han Siuk — ou melhor, Raven Arcnoir, o barão caído — estava sentado entre figuras que, segundo a novel, se tornariam pilares do futuro continente.
À minha frente, Leena Asther, filha de um cardeal, famosa por invocar luz divina com facilidade assustadora. À minha esquerda, Gale Drath, um fanático religioso que tentaria queimar meio campus sob a desculpa de “purificar os pecadores”.
E eu? Eu era o idiota com reputação podre e uma afinidade mágica que ninguém sabia de verdade. A desconfiança era nítida nos olhos deles. Não que eu os culpasse. A cadeira onde eu estava, ninguém nem queria se sentar. Era como se minha simples presença maculasse o ambiente.
Droga. Isso tá pior que o ensino médio.
A porta se abriu com um rangido preciso.
— De pé. — murmurou uma voz grave.
Todos se levantaram, quase em sincronia. Um homem de túnica branca entrou. Ele não parecia tão velho, mas a aura que o envolvia era sufocante. Professor Claiven, o mestre de Teologia. O único sacerdote autorizado pela catedral central a lecionar fora da capital.
— Sentem-se.
Ele caminhou até o púlpito e pousou um grimório de capa prateada. Um símbolo em forma de círculo duplo brilhou.
— Antes de falarmos de divindades, vocês devem entender o preço da fé.
O grimório se abriu sozinho.
— Alguém aqui... consegue enxergar a centelha da graça?
Silêncio.
Então, como um instinto, ativei Leitura de Fluxo. Era automático agora. Fios de luz brilharam no ambiente — mas havia algo diferente. Acima da cabeça do professor, flutuava uma esfera de energia dourada, pulsante.
“É isso...?” pensei.
— Você. — ele apontou para mim. — O barão Arcnoir. O bastardo da família dos olhos vazios.
A sala virou para me encarar.
— Está vendo algo?
Engoli em seco. Se eu mentisse, pareceria arrogante. Se falasse a verdade… poderia chamar atenção demais. Mas hesitar era pior.
— Sim. Uma esfera... dourada. Acima da sua cabeça.
Ele me encarou por um tempo que pareceu uma eternidade. Então...
— Hmph. Interessante. — Claiven fechou o grimório. — A maioria aqui só enxerga luz quando ajoelha. Você viu com os olhos abertos. Você já flertou com o abismo?
Aquilo foi direto. Frio. Quase ameaçador.
Respondi com calma:
— Vi o fundo dele. E decidi subir.
O silêncio foi quebrado por um sorrisinho abafado. Vinha de Leena. Ela me observava com um olhar curioso, como se tivesse acabado de me notar de verdade.
O professor prosseguiu:
— Muito bem. Hoje vamos aprender sobre os cinco Caminhos da Luz e a diferença entre fé e contrato.
Ele passou a escrever símbolos flutuantes no ar, que se fixavam como runas sagradas na parede. Era hipnótico de assistir, mas eu me forcei a manter o foco.
Afinal, algo mais importante aconteceu enquanto ele falava.
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[Sistema: Afinidade com Leena Asther aumentou para 3/100]
[Recompensa oculta: Percepção Abençoada Lv.1 desbloqueada]
[Você obteve uma nova Habilidade Passiva.]
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[Percepção Abençoada - Lv.1]:
Você sente variações de energia sagrada e maldita ao seu redor, mesmo que disfarçadas. Permite detectar bênçãos e maldições ocultas em até 3 metros.
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Isso… é muito mais do que parece.
Com essa habilidade, eu poderia identificar até mesmo maldições mascaradas — o que, dentro da novel, só apareceria em arcos muito mais avançados. O sistema estava reagindo a cada mínima decisão minha, e mesmo escolhas sutis estavam moldando novos rumos.
O destino original de Raven Arcnoir estava se desfazendo. E um novo caminho se construía. Mas quanto mais eu me afastava da linha original... mais perigoso tudo se tornava.
De repente, o professor Claiven parou de falar.
Ele encarava o vitral central — uma imagem da deusa Luthien, a Mãe das Almas — com os olhos semicerrados.
— Algo impuro se aproxima.
Quase no mesmo instante, o sino da torre da academia ecoou duas vezes. Não era o toque das horas. Era um alarme.
— Bestas corrompidas nos arredores do setor leste. Todos os alunos devem permanecer nos pavilhões principais!
O som da voz mágica ecoou pelos corredores.
Os alunos se agitaram. Alguns recitaram bênçãos, outros seguraram grimórios. Eu permaneci sentado.
Um novo painel surgiu.
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[Missão Secundária: Escolha seu papel]
Você pode:
1. Permanecer na sala e evitar qualquer risco.
2. Acompanhar a guarda da academia como voluntário.
3. Investigar por conta própria e descobrir a origem da corrupção.
Recompensas variam conforme escolha, desempenho e sobrevivência.
A maioria dos alunos se encolheu ao ouvir o alerta mágico. O som do sino ecoando duas vezes não era brincadeira. Isso significava que bestas corrompidas haviam rompido as barreiras externas.
Do tipo que não deveria nem chegar perto da academia.
Do tipo que só apareceria... se alguém as tivesse guiado até aqui.
O professor Claiven ergueu a mão. Um símbolo brilhou no chão — uma barreira sagrada se ergueu ao redor da sala.
— Vocês vão permanecer aqui. Qualquer um que cruzar este selo será considerado fora da minha proteção.
“Beleza”, pensei. “Hora da decisão.”
Me levantei.
O sistema ainda aguardava.
Escolha seu papel.
> [3. Investigar por conta própria e descobrir a origem da corrupção.]
Confirmei.
O selo chiou ao meu redor enquanto eu passava por ele. Um calor percorreu meu braço direito — mas nenhuma dor. Claiven apenas observou.
— Hmph. A tolice é sempre o primeiro pecado, barão. Espero que saiba nadar quando for jogado aos demônios.
— Que bom que eu aprendi a voar. — respondi.
Porta aberta. Corredores vazios. E uma névoa densa se espalhando pelo setor leste. O que estava acontecendo... não era normal.
A aura pútrida me envolvia. Ativei "Percepção Abençoada".
Luz e sombras dançaram diante da minha visão. Vi rastros deixados por algo — garras? — e uma mancha escura como tinta viva, latejando nas paredes.
“O que é isso…?”
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[Detecção: Presença Corrompida - Tipo: Híbrido]
[Atenção: energia maldita mesclada com bênção divina identificada. Entidade instável.]
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Uma figura surgiu no final do corredor.
Pernas humanas. Peito deformado. E uma cabeça que mais parecia uma máscara rachada, com olhos flamejantes.
— …rraahhh...
Estava entre mim e o pátio leste. Bloqueando o caminho. E atrás dele… uma porta trancada com runas quebradas.
Era ali.
A origem da corrupção estava ali.
Mas o monstro — não, aquele experimento falho — me impedia.
Ele avançou com velocidade irregular, tropeçando, mas rápido o suficiente para me alcançar em segundos.
Levantei o braço.
— "Vínculo de Sangue: Segunda Runa — Ígneo Sombrio!"
Um círculo rubro-escuro explodiu no chão.
Fios negros se estenderam como chicotes flamejantes.
O híbrido berrou quando foi atingido — mas não caiu. Saltou sobre mim, quebrando o chão com as garras. Rolei para o lado, sentindo a unha dele rasgar meu ombro.
Droga. Ele era mais forte que o previsto.
Mas...
— Runomante Arcano. Pactos são meus dedos e o vazio é minha tinta.
— Quarta Runa: Colheita Profana.
Um disparo de espinhos etéreos saiu da palma da minha mão, perfurando o torso dele. O sangue se dissolveu no ar.
E quando caiu…
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[Você derrotou: Híbrido Sagrado Corrompido - Nível 11]
[EXP: +1.600]
[Você subiu para o Nível 5]
[Você recebeu: Núcleo de Fusão (Raro)]
[Você desbloqueou uma nova Runa: “Chave do Vazio”]
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Ofegante, pisei no sangue evaporando. Me aproximei da porta.
— A runa tá rachada… Mas com essa nova habilidade, talvez...
Concentrei o fluxo. A Runa “Chave do Vazio” emergiu em minha mão, como uma chave feita de sombras líquidas. Girei.
Clac.
A porta abriu-se com um estalo grave.
Do outro lado... escuridão. Mas também algo vivo. Ou melhor, alguém.
Preso por correntes mágicas no centro da sala… estava um garoto com cabelo branco, olhos vermelhos como brasas e um brasão arrancado no uniforme. Ele estava desacordado. Mal respirando.
“O quê…?”
—
[Personagem especial detectado: ???]
[Esse indivíduo não deveria estar neste setor. A linha da história foi rompida.]
—
Senti um calafrio.
Afinal... esse garoto não existia na novel original.
E se ele apareceu por minha causa...
Talvez eu tenha acabado de abrir a primeira porta de um inferno maior.